CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - O doleiro Alberto Youssef, um dos pivôs da Operação Lava Jato, foi autorizado a deixar a prisão por volta das 17h desta terça-feira (21), na segunda decisão a respeito de seu caso expedida ao longo do dia pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

O magistrado Marcelo Malucelli, da segunda instância, havia despachado ordem de soltura mais cedo, mas o juiz de primeira instância, Eduardo Appio, publicou um novo mandado de prisão pouco depois.

O doleiro tinha sido preso preventivamente no início da noite de segunda-feira (20) no litoral de Santa Catarina por ordem de Eduardo Appio, que assumiu os processos da Lava Jato em Curitiba em fevereiro.

O juiz de primeira instância afirmava na decisão que o acordo de colaboração firmado pelo doleiro na operação em 2014 não abrangia procedimento da Receita Federal acerca de possíveis crimes tributários atribuídos ao réu.

Nesta terça, Malucelli, magistrado de segunda instância, expediu ordem afirmando que o Código de Processo Penal estabelece que a prisão preventiva só pode "ser decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial".

"Nesse contexto, revela-se ilegal a decretação da prisão preventiva de ofício", diz Malucelli.

Em sua segunda ordem de prisão, Eduardo Appio afirmou que a ida dos agentes da Polícia Federal à casa do doleiro em Itapoá (SC), na segunda-feira, revelou indícios de sonegação de imóveis.

Em audiência de custódia, na tarde desta terça, a defesa de Youssef apresentou pedido de relaxamento da prisão preventiva, afirmando que se tratava de uma medida ilegal e abusiva.

Na decisão mais recente, Marcelo Malucelli afirma que "inexiste alteração fática ou documento novo juntado que justifique a mudança de entendimento exarada em decisão que havia dado às 15h".

"Ao que consta, houve apenas a renovação do decreto de prisão preventiva anteriormente expedida, com diversos fundamentos. Na realidade processual, é isso que se tem, descabendo falar-se em novo decreto que demande o ajuizamento de um novo habeas corpus, podendo ser enfrentado diretamente nestes autos", afirma Malucelli.

Por fim, às 17h54 Appio expediu o alvará de soltura para o doleiro.

A representação fiscal que motivou a prisão estava suspensa desde 2020, por determinação da juíza federal substituta Gabriela Hardt. Ela havia acolhido uma manifestação do Ministério Público Federal que defendeu a suspensão pelo período de dez anos, na esteira dos benefícios obtidos por Youssef em seu acordo de colaboração premiada firmado na Lava Jato.

Naquele ano, o MPF argumentava que o acordo de colaboração premiada previa a suspensão das investigações em curso e os prazos prescricionais quando a soma das penas nas condenações transitadas em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso) resultasse em 30 anos de prisão, no mínimo.

Em decisão, Appio, contudo, contestou a suspensão. Ele entende que a representação fiscal não integra o acordo de colaboração firmado na Lava Jato.

O juiz afirma que, se a colaboração premiada abrangesse o procedimento fiscal, ela poderia ser considerada "uma carta em branco genérica que envolveria toda e qualquer investigação criminal". "Não creio tenha sido este o escopo da lei ou mesmo a intenção do acordo então firmado", escreveu Appio.

O magistrado cita que, de um total de 28 processos movidos contra Youssef, 13 estão hoje suspensos por dez anos, a pedido do Ministério Público.

Em seu despacho, o juiz aproveita para criticar o compromisso de colaboração premiada da Lava Jato, porque o doleiro já havia descumprido acordo anterior, feito em 2004, no caso Banestado. Os dois acordos foram feitos sob o aval do então juiz Sergio Moro, hoje senador pela União Brasil-PR.

De acordo com Appio, a legislação estabelece "de maneira clara e solar" que "não se pode premiar quem já descumpriu um acordo anterior".

"Houve manifesta reiteração delitiva após este acordo de colaboração premiada em 2004, tendo o condenado sido preso, novamente, em 2014, também por decisão do então juiz federal e hoje senador pelo Paraná doutor Sergio Moro", diz Appio.

Para o novo juiz da Lava Jato, o doleiro foi "um verdadeiro arquiteto de diversas organizações criminosas ao longo dos últimos 20 anos, sendo certo que a sua multireincidência revela sua incompatibilidade com o regime de liberdade provisória sem condições".

Youssef foi preso por volta das 18h30 desta segunda-feira em um condomínio onde morava, no balneário de Itapoá, no litoral norte de Santa Catarina. Ele foi levado por agentes da Polícia Federal de Joinville (SC) para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba ainda na segunda-feira.

Ao chegarem no condomínio, os agentes da PF foram informados pelo porteiro de que Youssef mantinha uma rotina de trabalho no porto privado de Itapoá. Ainda segundo o relato da PF, Youssef chegou no condomínio perto das 19h e ficou "bastante inconformado" com o mandado de prisão.

Ele foi encaminhado para a viatura, sem algemas, e chegou na capital do Paraná por volta das 21h.

Ao determinar a prisão do doleiro, o juiz Appio afirma em seu despacho que Youssef não resolveu todas as suas pendências com a Receita. Também afirma que o doleiro não mantém atualizado seu endereço junto à Justiça Federal, o que demonstraria "certeza de impunidade".

O juiz afirma ainda que o doleiro está vivendo em uma situação "muito privilegiada em relação à imensa maioria dos cidadãos brasileiros" e "incompatível com todas as condenações já proferidas em matéria criminal". Ele cita que Youssef teria, por exemplo, tentando comprar um avião e um helicóptero.

O advogado de Youssef, Gustavo Flores, ainda não respondeu ao contato da reportagem para comentar o assunto.

Eduardo Appio já disse em entrevistas ser crítico aos métodos da Lava Jato no período em que a operação era conduzida por Moro e tinha Deltan Dallagnol como chefe da força-tarefa do Ministério Público.

Ao assumir a 13ª Vara Federal de Curitiba, afirmou à Folha que um dos seus objetivos era o de resgatar a credibilidade da Justiça Federal e assegurar a neutralidade "ideológica ou político-partidária" nos julgamentos, afastando o que classifica de "populismo judicial".

Uma procuradora da República do Paraná, Carolina Bonfadini de Sá, pediu que o juiz se declare suspeito para atuar na operação, afirmando que ele não tem o distanciamento necessário para julgar os casos.

Deltan, hoje deputado federal pelo Podemos-PR, criticou em rede social a prisão de Youssef. "Agora pode prisão preventiva de ofício, sem pedido da Polícia ou do Ministério Público?", escreveu o hoje deputado.

A procuradora Monique Cheker, que também atuou na Lava Jato, também fez críticas à prisão. afirmando que representações fiscais da Receita Federal são "documentos ordinários e cotidianos que são enviados ao MPF/PF e geram primeiro procedimentos investigativos".

"Alguém está decretando prisão preventiva de ofício e de forma ilegal?", diz ela, em rede social.


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