BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), minimizou o caráter golpista do acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, após a derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que nem todos manifestantes estavam no local para incitar animosidade entre as Forças Armadas e os três Poderes.

A posição do magistrado está no voto em que ele defendeu a rejeição da denúncia contra 50 pessoas que foram detidas em frente ao QG do Exército em 9 de janeiro, um dia após as sedes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário serem invadidas e depredadas.

No julgamento, Kassio e o ministro André Mendonça ficaram vencidos. Prevaleceu o voto do relator, Alexandre de Moraes, que foi acompanhado pela maioria para tornar réus todos os denunciados.

O relator e outros sete ministros do STF se manifestaram pela abertura da ação penal contra 50 denunciados por incitação aos atos golpistas e outros 50 apontados como executores. Mendonça e Kassio votaram pela rejeição das denúncias contra os supostos incitadores, mas concordaram parcialmente com a maioria em relação aos executores.

Moraes defendeu que o simples fato de os denunciados estarem em uma "estável e permanente estrutura" em frente ao QG caracteriza o "intuito de modificar abruptamente o regime vigente e o Estado de Direito" e de "insuflar as Forças Armadas para tomar o Poder".

Kassio, por sua vez, disse que até poderia haver pessoas no acampamento que reivindicavam golpe de Estado, mas argumentou que também estavam presentes "inúmeras pessoas, inclusive famílias com crianças, que lá se manifestavam na defesa de outras pautas que não se caracterizam como atos ilícitos".

"Em suma, não há elementos de prova que permitam concluir que os manifestantes que se encontravam no acampamento tenham cometido o crime de incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os poderes constitucionais", escreveu ele.

Já Mendonça disse que é "possível considerar que havia um bom número" de manifestantes que acamparam com o objetivo de tentar forçar um golpe de Estado, mas que não é possível partir da premissa que "rigorosamente todos que lá estavam agiam com as mesmas intenções".

O ministro também criticou a tese da PGR (Procuradoria-Geral da República) de que os denunciados aderiram a uma associação criminosa ao estarem presentes no acampamento no dia 9 de janeiro sem considerar que havia gente em frente a edifícios do Exército em todo o país desde o fim das eleições.

"A própria Procuradoria-Geral da República, aparentemente, não teria constatado a situação de flagrância de crimes anteriormente, mesmo com toda a ostensividade dos acampamentos. É como se estar no acampamento até 8 de janeiro fosse permitido e, após, tivesse se tornado criminoso", afirmou Mendonça.

Nas denúncias, a PGR tem afirmado que a estabilidade da permanência dos acampados em frente ao quartel-general era comprovável de maneira clara, uma vez que o local funcionava "como uma espécie de vila, com local para refeições, feira, transporte, atendimento médico".

As peças de acusação mostram fotos dessa estrutura na época e sustentam que, ao permanecer na área, os denunciados passaram a integrar essa associação, com o objetivo de praticar crimes contra o Estado democrático.

Os acampamentos pelo país tinham reiterados pedidos para que as Forças Armadas agissem para impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Outro ponto de divergência entre Kassio e Mendonça e o restante da corte é sobre a individualização das ações de cada um dos denunciados.

Moraes e os outros ministros afirmam que houve a ocorrência dos denominados delitos multitudinários, --praticados por um grande número de pessoas com um vínculo.

"Em crimes dessa natureza, a individualização detalhada das condutas encontra barreiras intransponíveis pela própria característica coletiva da conduta, não restando dúvidas, contudo, que todos contribuem para o resultado, eis que se trata de uma ação conjunta", afirmou o relator.

Os dois ministros indicados pelo ex-presidente Bolsonaro, que também foram os últimos a votar, na segunda-feira (24), se posicionaram no sentido oposto. Ambos criticaram o que chamaram de ausência de descrição da PGR sobre a conduta de cada um dos 50 denunciados.

"Os membros da associação [criminosa] devem ser apontados como tais, com a identificação dos vínculos entre eles, não sendo viável imputar esse crime a todo o universo de acusados", escreveu Kassio.

O ministro acrescentou ainda que "não se pode presumir" que todos os denunciados acampados mantinham "vínculo associativo, com certa estabilidade, e com o objetivo de cometimento de delitos indeterminados".

Mendonça foi na mesma linha e afirmou que o cenário descrito pela PGR não permite a "imputação uniforme" de todos os presentes no acampamento.

"O problema desta narrativa da acusação, porém, é que ela pressupõe, sem comprovação, uma absoluta uniformidade e homogeneidade daquela massa de pessoa", diz.

A terceira divergência entre os dois magistrados que foram indicados por Bolsonaro para o STF e os demais diz respeito à competência do STF para julgar todos os denunciados pela PGR.

De um lado, Moraes afirma que a PGR, responsável pela investigação, solicitou que o caso ficasse integralmente no STF e que há conexão entre essa investigação e os inquéritos em curso no Supremo que apuram uma rede de disseminação de fake news e outro que investiga a existência de uma suposta milícia digital.

Do outro, Mendonça e Kassio dizem que a corte tem atribuição para julgar apenas autoridades com foro especial.


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