BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu que houve fraude nos processos de compras de kits de robótica no governo Jair Bolsonaro (PL) e suspendeu os contratos para esse fim. A corte autorizou, entretanto, que sejam mantidos os pagamentos já realizados até abril de 2022.
Voto final de Walton Alencar, relator da investigação, foi apresentado nesta quarta-feira (26), sendo acompanhado pela maioria dos ministros presentes na sessão.
O processo teve como base as revelações da Folha de S.Paulo sobre repasses de dinheiro do MEC (Ministério da Educação) que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa alagoana, a Megalic.
Os donos têm ligação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte principal do dinheiro para robótica.
"Estou convicto da fraude nesse processo", disse o ministro Walton Alencar durante leitura do voto. "Existe elementos todos convergentes no sentido de elaborada maquinação de dados".
Em abril de 2022, a Folha de S.Paulo mostrou que o governo do presidente Bolsonaro destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.
Após representação ao TCU feita pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o tribunal já havia suspendido, em 20 de abril do ano passado, novos repasses e celebração de termos de compromisso com prefeituras.
Assim, o entendimento final da corte é de que os pagamentos já feitos sejam mantidos desde que comprovada a entrega dos produtos em quantidade e qualidade contratadas. O tribunal determinou ao MEC apure e informe quais contratos estão nessa situação, uma vez que, a partir da publicação sobre as irregularidades, algumas prefeituras tiveram interrompidos os procedimentos de aquisição.
A continuidade de qualquer outro processo de compra deve ser suspensa até que o FNDE defina critérios como de preços e especificações técnicas.
A área técnica do tribunal identificou, no total, 253 empenhos em valor total de R$ 189 milhões para a compra de kits de robótica. A maior parte é relacionada a recursos de emendas de relator, e nem tudo isso foi de fato pago.
A relação levantada pelo TCU indica priorização a prefeituras de Alagoas e Pernambuco, onde 12 municípios receberam R$ 44 milhões, segundo o órgão. "Vimos um explícito beneficiamento dos estados de Alagoas e Pernambuco com emendas que claramente violentam os princípios constitucionais sobre isonomia e diminuição das desigualdades regionais", disse Alencar.
Até abril do ano passado, sete cidades alagoanas receberam do MEC R$ 26 milhões. Ao somar os valores recebidos por outros dois municípios pernambucanos até aquele momento, também com contratos junto a Megalic, o valor chega a R$ 31 milhões.
Isso representava 79% do que foi gasto no 1º trimestre na rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.
Os documentos obtidos pelo tribunal mostraram um total 9.710 solicitações de aquisição de Solução de Robótica Educacional com planejamento para 2021 e 2022 registradas no sistema do MEC. Mais de 90% apresentam a situação aguardando análise, de acordo com o TCU.
"A maioria dos estados da federação não teve demandas analisadas. Chama atenção que, no enorme universo de solicitações, o FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] tem privilegiado os estados de Alagoas e Pernambuco, mesmo quando os pedidos não são objeto de emendas parlamentares", diz o voto do relator, que ressalta o direcionamento de recursos não apenas dentro do chamado orçamento secreto (emendas de relator) mas também com relação ao dinheiro que o MEC tem discricionariedade para gastar.
O tribunal reafirmou o desrespeito a critérios técnicos nessas operações, com escanteamento das regras do PAR (Plano de Ações Articuladas), mecanismo de transferências do FNDE a municípios a partir do registro de demandas. A unidade técnica também não identificou a existência de documentos capazes de fundamentar o preço base de R$ 176 mil para cada solução de robótica (que inclui os robôs, material didático e treinamentos).
O MEC não possui uma Ata de Registros de Preços para soluções de robótica. O valor base de R$ 176 mil para cada kit, no entanto, constava no PAR.
Vários casos de compras dos kits ocorreram por adesão a atas de registro de preços já firmadas por prefeituras ou por consórcios, como o Conagreste (Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano). O presidente do Conagreste, Marlan Ferreira, é aliado histórico de Lira.
As atas tinham os mesmos moldes e previam os mesmos valores para a aquisição dos robôs. Também tinham a Megalic como fornecedora.
A Megalic e Artur Lira sempre negaram qualquer irregularidade. A gestão Bolsonaro também defendeu não haver problemas --no governo passado, o controle do FNDE foi entregue a indicados por políticos do centrão, controlado por Lira.
Enquanto municípios desembolsaram R$ 14 mil por cada robô educacional, com dinheiro do governo federal, nota fiscal obtida pela Folha de S.Paulo mostrou que a Megalic adquiriu unidades por R$ 2.700 de um fornecedor do interior de São Paulo. A Megalic não produz os equipamentos.
Durante o processo no TCU, a empresa teve seus argumentos aceitos de que não houve sobrepreço. A Megalic indicou que outras compras públicas praticaram preços similares com fornecedores diferentes. No ano passado, a Folha de S.Paulo mostrou que a decisão do governo sobre os kits ignorou opções mais em conta disponíveis no mercado.
Informações obtidas pela Folha de S.Paulo e publicadas também em abril de 2022 mostraram que a Megalic havia faturou até aquele momento o total de R$ 44,5 milhões a partir de depósitos de prefeituras para kits de robótica, enquanto só gastou R$ 6,7 milhões. Em 2021, essa diferença foi entre R$ 15 milhões em recebimentos e R$ 2,7 milhões em gastos.
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