BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Sem chefe desde janeiro, defensores públicos da União apontam descaso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a carreira e reclamam de paralisação no planejamento de longo prazo do órgão.

No final do ano passado, o governo conseguiu barrar a sabatina do antigo defensor público-geral federal, Daniel Macedo, reconduzido ao cargo por mais dois anos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A indicação foi oficialmente retirada no dia 31 de janeiro e, desde então, a DPU (Defensoria Pública da União) vive em compasso de espera, enquanto o governo tenta se blindar de possíveis bolsonaristas.

Segundo relatos, o ministro da Justiça, Flávio Dino, até brincou com a demora, dizendo que a história da DPU está parecida com a de novelas da escritora Janete Clair, geralmente longas.

Integrantes do governo Lula dizem ainda haver dúvidas no governo sobre qual nome deve ser indicado. Reservadamente, auxiliares tentam minimizar as críticas pelo atraso, afirmando que o próprio presidente quer falar com os candidatos antes de se decidir.

Visto pelo Palácio do Planalto como simpático ao governo Bolsonaro, Macedo, que é evangélico, tem feito campanha desde o ano passado para convencer o governo e senadores da base de que não é bolsonarista.

Ele recebeu 507 votos e ficou em primeiro lugar na lista tríplice elaborada pelos integrantes da carreira. Ex-presidente da Anadef (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais), Igor Roque ficou em segundo, com 290 votos; e Leonardo Gonçalves em terceiro, com 277.

Apesar de Macedo encabeçar a lista (feita antes da vitória de Lula), o governo tem sinalizado preferência pelos outros candidatos. Além de ter tido a indicação retirada, Macedo foi o único que não conversou pessoalmente com Dino no Ministério da Justiça.

Mesmo com as justificativas extraoficiais do Palácio do Planalto, defensores públicos afirmam que o governo não tem dado nenhuma explicação para a instituição, e especulam que a acefalia jamais aconteceria no Ministério Público da União.

Integrantes da carreira afirmam, sob reserva, que a situação é ainda mais revoltante porque a pauta da DPU coincide com a do governo Lula, e recorrem a uma fala do presidente para dizer que "incluir o pobre no orçamento" também é dar a ele assessoria jurídica gratuita.

As reclamações aumentaram após, segundo relatos, o governo desmarcar ao menos seis reuniões sobre a proposta de arcabouço fiscal.

Defensores públicos da União têm tentado chamar atenção do Ministério da Fazenda para uma emenda constitucional de 2014 prevendo a interiorização da Defensoria Pública até o ano passado. Hoje, menos de 30% do território conta com a presença do órgão.

O presidente da Anadef, Eduardo Kassuga, afirma que a DPU vive uma espécie de "operação padrão". Ele diz que os interinos acabam paralisados porque não podem correr o risco de traçar um plano de ação que seja depois incompatível com o do escolhido por Lula.

"[Estamos] com os atendimentos normais, só que a ausência do defensor público-geral prejudica completamente a definição de uma atuação nacional, planos itinerantes e missões institucionais relacionadas a comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, migrantes e refugiados", diz.

"E compromete também a definição de uma política nacional. Por exemplo: os defensores da tutela coletiva deveriam prezar pela questão da cardiopatia grave em crianças e recém-nascidos. Ações assim são definidas com base no plano de atuação."

Enquanto Lula não decide, os três candidatos da lista vivem uma guerra de reputações e buscam apoio dentro e fora do governo.

Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, que possui advogados alinhados ao Planalto, afirma que o grupo vai apoiar qualquer nome indicado pelo presidente para o sistema de Justiça como um todo.

No entanto, há duas exceções em que o grupo declara apoio público: Igor Roque para a Defensoria Pública da União e Daniela Teixeira para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

"Existe um consenso de todos os defensores ligados ao grupo, entre os advogados progressistas, de que o Igor é o que melhor representa os nossos sentimentos, que quer garantir o amplo acesso à Justiça, manter a Defensoria num patamar elevado de prestação de serviço", disse Carvalho.

Daniel Macedo recebeu o apoio formal de movimentos como a Aliança Nacional LGBTI, a Frente de Luta por Moradia, o Movimento Sem Teto pela Reforma Urbana e a Rede Brasileira de Renda Básica.

Já Leonardo Magalhães conta com o apoio de movimentos indígenas, quilombolas e associações de pessoas trans.

Enquanto um novo defensor-geral não é nomeado, a pasta está sendo comandada pelo defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Junior. Segundo pessoas ouvidas pela reportagem, Daniel Macedo assessora o defensor em exercício.

Procurado pela reportagem, Macedo disse que o presidente Lula "fará uma escolha com sabedoria e que espelha os anseios da carreira".

"Enquanto defensor-geral, conduzi a instituição como era o meu sonho conduzir: de forma republicana, sem favoritismo, coleguismo, com uma administração transparente e ética que determinou o maior número de votos da história da DPU em um candidato", disse.

Já Roque faz um apelo ao governo para solucionar a questão da Defensoria porque a instituição está engessada com a indefinição.

"A gente tem um processo necessário de interiorização e de tomada de decisão para levar a Defensoria onde não tem Defensoria. A gente já está há quatro meses [assim]. Ainda mais em um governo em que a nossa pauta coincide muito com a pauta dele. Cada dia que a gente perde é a perda de oportunidade de contribuir com o governo e atender a população carente", declarou.

Gonçalves disse que a Defensoria tem o grande desafio com o governo federal de reconstruir as políticas públicas em direitos humanos, combate à pobreza e justiça social.

"Tenho a certeza de que a Defensoria Pública poderá contribuir para o progresso do nosso país e que ela está inserida na agenda de prioridades do governo", disse.


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