BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O novo chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Marcos Antonio Amaro, afirma que o ocupante do cargo durante o governo Jair Bolsonaro, general Augusto Heleno, desconstruiu a institucionalidade do órgão por já ter chegado no Palácio do Planalto com uma carga política.
"Heleno já estava há dez anos fora [do Exército]. Quando veio para cá, ele já veio com essa carga política, já tinha feito campanha para Bolsonaro", afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo.
O novo ministro afirma que o órgão vai retomar a responsabilidade pela segurança pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido transferida para a Polícia Federal, justamente por desconfianças em relação ao órgão.
Amaro, por outro lado, diz que não vai brigar para trazer de volta para o GSI a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), embora ele pessoalmente defenda que a agência --hoje na Casa Civil-- retorne para a pasta. Segundo ele, Lula tomou a decisão de manter o órgão na Casa Civil.
O general evita atribuir responsabilidades sobre os ataques de 8 de janeiro e argumenta que a existência de mensagens que indicavam com antecedência o caráter violento dos atos não indica negligência. Mas diz que, se estivesse no cargo, que teria pedido reforços.
Amaro assumiu o cargo duas semanas após a demissão do antecessor, general Gonçalves Dias, o primeiro ministro do governo Lula a deixar o posto.
PERGUNTA - Qual a sua avaliação sobre as responsabilidades pelos atos do 8 de janeiro?
MARCOS ANTONIO AMARO - Tenho avaliado sem intenção de apontar responsabilidade, porque isso tem processos, sindicância, que vai apontar.
Procuro avaliar as coisas de acordo com fundamento. Quando acontece um desastre aéreo, não foi uma única causa. Foi um conjunto de causas, que leva ao acidente. São erros que vão se somando. Às vezes, tende tudo para que isso aconteça. Fatores contributivos para ocorrência viram uma tragédia, como aconteceu no 8 de janeiro. Está se falando muito da falha ou não do GSI. Mas não foi só no GSI que ocorreu problema, foi falha mais ampla.
Documentos aos quais a Folha de S.Paulo teve acesso mostram que foram enviadas mensagens da Abin a respeito de violência nos atos do dia 8. Acha que há outros responsáveis dentro do Executivo?
M. A. A. - Não posso dizer, essas responsabilidades terão de ser determinadas por quem esta conduzindo o inquérito.
Em qualquer situação você tem fase de orientação, de busca, contribuições de várias pessoas para concluir alguma coisa [sobre inteligência]; e uma terceira fase de elaboração [de informes]. Em que momento você vai apresentar seu resultado? E a maneira? O decisor muitas vezes não tem tempo de ler, tomar conhecimento de tudo.
Foram enviadas mensagens de WhatsApp.
M. A. A. - Estou dando um exemplo. A informação que é importante para o tomador de decisão não basta que chegue a tempo. Se ela é grave, tem que chegar pessoalmente, no momento oportuno.
Se o sr. recebe mensagem de possibilidade de manifestação violenta em um protesto bolsonarista, chamaria reforço?
M. A. A. - Eu pessoalmente sim, se eu tivesse conhecimento e convicção de que essas informações são válidas, uma avaliação de risco bem feita. Tenho que ter confiança no meu sistema. Eu, pessoalmente, faria [pediria reforços]. Não estou dizendo que o outro [Gonçalves Dias] teve responsabilidade em relação a não ter feito alguma coisa assim.
Por exemplo, no ano de 2013, havia aquelas manifestações de black blocs, etc. Nós estávamos, obviamente, nos prevenindo contra isso, contra essa possibilidade. E houve uma aproximação violenta que tentou chegar aqui no Planalto, no Congresso, mas houve uma barreira muito forte de policiais militares, o sistema de segurança como um todo, que impediu o avanço desses manifestantes até o Palácio do Planalto e até o Supremo Tribunal Federal. Eles conseguiram superar uma barreira, em determinado momento, forçar a passagem e conseguiram entrar no Ministério das Relações Exteriores, quebraram algumas coisas, inclusive houve um incêndio lá.
Agora, nós tínhamos nos prevenido, porque sabíamos da violência dos manifestantes e tomamos medidas duras aqui para trazer o máximo de efetivo de militares para cá. Nós tínhamos aqui uns 700 militares, jamais ingressariam [no Planalto]. Mas porque tínhamos essa convicção, o planejamento antecipado.
O sr. acha que ainda há risco de manifestações violentas?
M. A. A. - A segurança presidencial está sob risco? Não creio. Não temos sinalização. Essa avaliação é feita continuamente, mas não temos sinalizações quanto a isso.
O GSI que o sr. assume ficou esvaziado das suas atribuições. Vai batalhar para retomar o comando da Abin e a segurança presidencial?
M. A. A. - A Abin, essa decisão já foi tomada pelo presidente que vai permanecer como está, na Casa Civil. A não ser que futuramente o presidente resolva rever. Em relação à segurança imediata [do presidente], já sinalizou, praticamente está decidido que retomará para o GSI.
Esses subsistemas aqui, segurança afastada, aproximada, formam um sistema e tem de haver entendimento muito rápido e fácil. Doutrina de emprego, linguagem, sistema rádio tem que ser comum.
O sr. não vai então trabalhar para trazer a Abin de volta?
M. A. A. - Não vou manifestar nenhuma intenção nesse sentido, nem pleitear. Possivelmente pode ser que se chegue à conclusão de que deva voltar, mas não por minha solicitação, meu pleito, nada disso. Se o presidente me chamar: 'o que você acha?'. Eu vou expor as minhas razões, o que penso.
E o que o sr. pensa?
M. A. A. - Acho que seria interessante para o GSI que ela ficasse aqui, mas tem que ver o interesse da Casa Civil, do presidente. Temos competências que requerem alguns conhecimentos, como a prevenção de uma crise como essa. Quem vai nos dar a informação adequada em relação a isso? Quem tem capacidade para produzir conhecimento de inteligência? A Abin. Ou seja, nós vamos ser usuário dos conhecimentos produzidos.
Além de voltar a segurança aproximada do GSI, existe alguma outra mudança que o sr. pretende fazer?
M. A. A. - Temos ideias de reforçar segurança em termos da própria secretaria de segurança. Tem que fazer um diagnóstico e estabelecer medidas que correspondam a qualquer falha que possa ser notada. Essas coisas vão se aprimorando.
Aumento de efetivo pode ocorrer?
M. A. A. - Não vejo necessidade. Não foi problema de efetivo no Palácio do Planalto. Mas uma das medidas é a blindagem desses vidros no térreo. Pretendo blindá-los. Cada vidro que se quebra é uma porta. Quando você não tem uma barreira física para conter, precisa estabelecer uma barreira humana.
Os palácios não foram construídos com essa percepção de necessidade de segurança contra invasão, uma visão bem benevolente do espírito passivo do povo brasileiro. O palácio está a 30 metros da rua. Temos que buscar soluções aceitáveis em termos de arquitetura, Iphan, para que aumente a segurança. Tem uma cerquinha, mas é feia, né? Não tinha antes, mas passou a haver necessidade.
Não há mais desconfiança com politização do GSI?
M. A. A. - Imagino que essa fase está sendo ultrapassada. Se existiu ou se existe desconfiança, creio que está sendo vencida. Há necessidade de continuação desse esforço de ter institucionalidade do GSI. Como tem se buscado de maneira muito clara essa institucionalidade no Exército.
Qual foi a extensão do impacto do bolsonarismo no GSI?
M. A. A. - Foi só aparelhamento ou houve contaminação ideológica? O GSI sempre teve um papel muito institucional. Eu tenho uma opinião pessoal de que essa institucionalidade foi arranhada, vamos dizer assim, quando houve manifestação política, anterior até mesmo ao chefe que veio para cá, para o Gabinete de Segurança Institucional.
Quando exatamente?
M. A. A. - Só ver a galeria de fotografias que você tem ali [dos ministros do GSI]. Qual é o primeiro que está usando traje civil ali [aponta para o general Augusto Heleno]? Sempre veio para cá um general da ativa, quatro estrelas, para comandar o Gabinete de Segurança Institucional.
Desde que se criou o GSI, primeiro foi o general [Jorge] Felix, depois o general Elito [Siqueira]. Todos vieram para cá com quatro estrelas, entendendo, fardado, um papel institucional de militar que vai chefiar o GSI. O general Heleno já estava há dez anos fora. Quando veio para cá, já veio com essa carga política, já tinha feito campanha para Bolsonaro. Ou seja, ele veio realmente já assim desconstruindo um pouco essa institucionalidade que tem o GSI.
Mas o sr. também está na reserva e usa ternos.
M. A. A. - Eu também estou aqui à paisana. Na cabeça, não pode perder essa intenção de manter a institucionalidade, essa compreensão de que a receita da institucionalidade, da função é essencial. Dei o exemplo do uniforme, que representa a institucionalidade. Apesar de eu não estar de uniforme, contou favoravelmente minhas posições anteriores, em relação ao meu trabalho aqui, sempre muito impessoal.
O sr. assume esse cargo com mentalidade de general da ativa?
M. A. A. - Mentalidade institucional de um general da ativa, papel de chefe do GSI. Da clareza com que enxergo isso, como enxergo o mandatário máximo da nação, mas como comandante supremo das Forças Armadas. Você não faz continência para uma pessoa, faz para a autoridade representada pelo cargo, pelo posto. Mesma coisa para o presidente da República.
Você pode ter votado no presidente, pode não ter votado, pode gostar do plano de governo dele ou não gostar, mas você vai prestar continência ao presidente, ao comandante supremo. Essa institucionalidade que quis dizer estar representada muito bem naquela farda. Depois, também não é o caso, não estou fardado, mas tenho plena convicção de impessoalidade.
E no efetivo do GSI, como detectar quem não respeita a institucionalidade?
M. A. A. - Não interessa em quem ele votou, o próprio presidente da República fala isso. Não pode é ter manifestação política, partidária, no exercício da função. É a mesma coisa 'não gosto disso, não gosto daquilo, não gosto de trabalhar com gays'. Meu amigo, se o camarada é gay, não é gay, não interessa. Interessa o comportamento dele, que seja profissional, funcional adequado
Politicamente é a mesma coisa. É ver como está se comportando em redes sociais. A pessoa que está vindo para cá, especialmente nesse momento, certamente ela conhece e sabe que não convém nenhuma coisa nesse sentido, ficar se manifestando. Eu não tenho e nunca tive Facebook, Instagram, Twitter. Não pretendo entrar.
O sr. esteve no Alto Comando esta semana. Vai ajudar na relação do presidente Lula com militares?
M. A. A. - Sim, sempre. Não estou me escalando para isso não, acho que é natural, pela confiança. No almoço, ele ficou bastante tempo conversando, muito descontraído. Relação já é muito boa e vai continuar melhorando. [O general] Tomás [Paiva, comandante do Exército] também está muito cuidadoso com esse assunto
RAIO-X | MARCOS ANTONIO AMARO DOS SANTOS, 65
Nascido em Motuca (SP). É general da reserva do Exército, chegando à mais alta patente da força militar. Foi comandante militar do Sudeste e chefe do Estado-Maior do Exército. Também foi secretário de Segurança Presidencial durante o governo de Dilma Rousseff, quando também foi responsável pela criação e chefiou a Casa Militar --órgão que substituiu temporariamente o GSI-- até o afastamento da petista. O militar também foi assessor estratégico da presidência da Caixa Econômica Federal.
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