RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Laudo do Ministério Público do Rio de Janeiro aponta que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) sacou quase 90% do salário recebido na Câmara Municipal entre 2005 e 2021. A prática cria dificuldades à investigação sobre a suposta "rachadinha" em seu gabinete.

A movimentação financeira de Carlos é distinta da do irmão Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que não sacou metade da remuneração recebida na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018. O baixo volume de retiradas em dinheiro vivo foi uma das evidências usadas na denúncia contra o senador, em ação depois arquivada em razão da anulação das provas.

No caso de Flávio, os investigadores apontaram que os saques realizados pelo senador e sua mulher, Fernanda, não eram suficientes para explicar os sucessivos pagamentos de investimentos e despesas pessoais com dinheiro vivo.

A partir desta evidência, eles foram acusados de obter benefício pessoal com a movimentação de recursos em espécie controlada, segundo o MP-RJ, por Fabrício Queiroz.

Os dados bancários de Carlos, cuja quebra de sigilo foi autorizada pela Justiça em meio à investigação sobre "rachadinha" em seu gabinete, mostram outra realidade em relação ao vereador.

Segundo laudo feito pelo Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do MP-RJ, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro sacou R$ 1,98 milhão de sua conta entre 2005 e 2021. O valor corresponde a 87% do total recebido em salário da Câmara Municipal no período.

A movimentação dá lastro para pagamentos em dinheiro vivo em patamar semelhante. Os investigadores precisarão de provas mais claras de que a origem de um gasto em espécie é um eventual esquema de "rachadinha", e não os saques realizados pelo próprio vereador.

Carlos declarou à Justiça, por exemplo, ter pago R$ 15,5 mil em dinheiro vivo a uma corretora de valores para cobrir prejuízos em investimentos feitos na Bolsa.

Ele também informou à Receita Federal ter emprestado R$ 30 mil em espécie ao irmão mais velho, dinheiro usado para a aquisição de salas comerciais na Barra da Tijuca.

Há também a suspeita por parte do MP-RJ de que ele tenha adquirido um imóvel com R$ 150 mil em espécie em 2003. Esse fato, porém, não está sob investigação em razão do prazo de prescrição --a quebra de sigilo bancário começa em 2005.

A Folha também revelou em setembro de 2020 que o vereador manteve ao menos entre 2007 e 2009 um cofre particular para guarda de bens no Banco do Brasil. De acordo com as regras do banco à época, eles eram destinados à guarda de papéis, moedas, documentos ou joias.

O advogado do vereador, Antônio Carlos Fonseca, afirmou que não iria se manifestar sobre o caso em razão do sigilo da investigação. "Lamento o vazamento do laudo", disse.

O uso de dinheiro vivo não configura crime, mas pode ter como objetivo dificultar o rastreio da origem de valores obtidos ilegalmente ou bens quitados com produto de crime.

Como a Folha revelou, Carlos também foi destinatário de depósitos em dinheiro vivo que somam R$ 129,5 mil, dos quais a maior parte (R$ 91 mil) não tem origem identificada.

Um dos créditos sem identificação do depositante, de R$ 10 mil, foi feito uma semana antes de o filho do ex-presidente adquirir um imóvel em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.

A investigação contra o vereador ainda está em andamento. As primeiras suspeitas após a produção do laudo recaíram sobre o atual chefe de gabinete Jorge Fernandes, cuja conta bancária recebeu R$ 2 milhões de seis funcionários de Carlos num intervalo de dez anos (2009 a 2018).

A apuração busca analisar se esse dinheiro foi repassado de alguma forma para Carlos, seja em espécie, seja por meio de pagamento de contas pessoais. Informações iniciais indicam que Jorge pagou alguns boletos do vereador.

A investigação contra Carlos foi aberta após a Folha revelar em 2019 a existência de uma "funcionária fantasma" no gabinete do vereador.

Em relação aos depósitos na conta de Jorge Fernandes, a defesa de Carlos Bolsonaro afirmou que o vereador "está totalmente à disposição para prestar esclarecimentos e fornecer qualquer tipo de informação ao Ministério Público".

"É preciso apurar se ocorreu, mais uma vez, o lamentável vazamento de possíveis documentos e informações que estão sob sigilo determinado pelo Poder Judiciário. Aparentemente, a matéria divulga, de forma seletiva, algumas informações sigilosas com o nítido intuito de promover ataques ao vereador", disse o advogado Antônio Carlos Fonseca em nota.


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