BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "A fiscalização testemunhou vários relatos de que as águas da chuva se direcionavam para as residências da comunidade local, afetando a segurança e a qualidade de vida das pessoas que ali habitam."
Foi assim que um fiscal da estatal federal Codevasf descreveu o estado da drenagem de uma das obras de pavimentação bancadas por recursos destinados pelo atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), quando ele exercia o cargo de deputado federal.
Com base nessa fiscalização, a companhia considerou que a obra estava com 0% de execução e puniu a responsável pelo serviço, a empreiteira Construservice, que é investigada pela Polícia Federal sob a suspeita de corrupção em contratos da estatal.
Até se chegar à indicação de que foram gastos tempo e dinheiro público para um resultado zero, foi percorrida uma trilha que inclui direcionamento político, desvios e suspeita de corrupção.
O ponto de partida desse roteiro foi um ofício de 13 de dezembro de 2019.
Nele, sem dar nenhuma justificativa técnica, o então deputado Juscelino indicava à Codevasf como R$ 10 milhões deveriam ser distribuídos para obras de pavimentação em seu reduto eleitoral, a cidade de Vitorino Freire, e nos municípios de Lago da Pedra e Brejo ?todos no Maranhão.
Essa verba era parte do orçamento do governo federal para investimentos e foi liberada a Juscelino durante negociações para ampliar o apoio do Congresso Nacional ao Palácio do Planalto, no governo de Jair Bolsonaro (PL).
"Eu soube que muita gente divulgou essa informação na cidade, fazendo barulho, mas omitindo um ponto muito importante, os recursos para essas pavimentações são frutos de emendas parlamentares de nossa autoria", disse Juscelino, em 2020, em vídeo gravado para a população de Lago da Pedra.
Registros em notas de empenho do governo federal, além de documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional, mostram que ele direcionou pelo menos R$ 77 milhões de 2019 a 2021 em emendas e outras verbas federais.
A Codevasf usou a verba para fechar contratos com empresas que haviam sido selecionadas por uma modalidade afrouxada de licitação que passou a ser adotada pela estatal.
Além das irregularidades nessa obra feita pela Construservice, órgãos de controle encontraram superfaturamento de R$ 3,3 milhões em serviços de outros três contratos da Codevasf que usaram verba indicada por Juscelino.
No caso da obra em Lago da Pedra, orçada em R$ 1,3 milhão, o prazo inicial de entrega da pavimentação em bloco intertravado de concreto se encerrava em outubro de 2021.
A Codevasf aceitou três pedidos da construtora para ampliar o prazo. Mesmo com o atraso, a parte da obra apresentada foi considerada precária pela estatal, com drenagem mal executada que empurra as águas da chuva na direção das casas.
Documentos obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação mostram que a Codevasf só passou a verificar a qualidade do serviço no fim de 2022, quando foi alterado o fiscal do contrato.
Essa troca ocorreu justamente por suspeitas de corrupção ligadas à Construservice. Isso porque os agentes da Polícia Federal descobriram que a empreiteira pagou R$ 250 mil a Julimar Alves da Silva Filho, gerente da Codevasf que fiscalizava o serviço em Lago da Pedra, entre outras obras.
A investigação suspeita que o pagamento era de propina. A estatal, então, decidiu refazer os pareceres dos contratos que eram vistoriados por Julimar.
O novo fiscal relata, nos documentos entregues à reportagem, que nem sequer encontrou o projeto básico do serviço dentro da papelada do contrato. Havia apenas indicações genéricas sobre quais ruas deveriam ser pavimentadas.
As fotografias da obra anexadas ao relatório da vistoria mostram blocos de concreto quebrados e sarjetas inacabadas sobre ruas de terra em Lago da Pedra. Procurada, a Construservice não quis se manifestar.
A empresa tentava receber o pagamento de R$ 244 mil por cerca de 20% do serviço, o que foi negado pela Codevasf.
A CGU (Controladoria-Geral de União) ainda diz que encontrou irregularidades em outros três contratos, de cerca de R$ 10 milhões, para obras da Codevasf com verba de emenda de Juscelino. O órgão recomenda a devolução de R$ 3,3 milhões por superfaturamento em serviços em Lago da Pedra e Vitorino Freire.
Nesses casos, a controladoria visitou as cidades dois anos após a conclusão dos serviços. Os funcionários do órgão de controle afirmam que se depararam com asfalto de baixa qualidade.
Imagens da obra anexadas ao relatório da CGU mostram que o piso se desfaz como uma "farofa". A drenagem também é precária nas vias pavimentadas.
Esses três contratos foram executados pela Engefort, empresa apontada pela área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) como líder de um cartel de empresas que disputam obras da Codevasf.
O fiscal dessas obras também foi o gerente afastado da Codevasf sob suspeita de corrupção.
MINISTRO DIZ NÃO TER RESPONSABILIDADE SOBRE AS OBRAS
Em nota, a assessoria do ministro Juscelino Filho disse que a responsabilidade sobre os projetos é do contratante e da contratada, não do autor da emenda.
"Atribuir é insistir em colocá-lo em um papel que não cabe a qualquer deputado, revelando que esse tipo de ilação não passa de uma perseguição vazia, baseada em distorções e inverdades."
Procurada pela reportagem para se manifestar sobre as irregularidades apontadas pelas fiscalizações, a Codevasf afirmou que emitiu notificação à Engefort para "imediata apresentação de defesa prévia, bem como para regularização de inconformidades relacionadas à qualidade dos serviços, para proceder ao ressarcimento".
"Após o fim do prazo de defesa prévia, a Codevasf examinará as justificativas apresentadas pela contratada e definirá as medidas cabíveis e as eventuais sanções", relatou.
A estatal informou que iniciou procedimentos para reanálise dos contratos fiscalizados pelo servidor afastado Julimar Alves.
Por meio de nota, a Engefort negou que haja "qualquer tipo de favorecimento nos pregões, bem como, irregularidades em suas obras" e que tenha relações com o ministro Juscelino Filho.
A empreiteira afirmou que o relatório de fiscalização da CGU é um documento preliminar e por isso não iria se manifestar. "A Engefort Construtora é comprometida com o cumprimento de todas as leis aplicáveis e não compactua com quaisquer ilicitudes", completa.
A defesa de Julimar Alves enviou respostas descritas abaixo:
“A CGU aponta que houve diversas irregularidades, entre elas "jogo de planilha". Segundo a CGU, a empresa aplicava descontos maiores em alguns itens para vencer o edital. Aditivos contratuais subiram valores de outros itens, reduzindo o desconto total.”
Resposta: Quanto a empresa Engefort aplicar descontos maiores em alguns itens para vencer o edital, não tenho conhecimento pois o processo licitatório foi feito em outra área da empresa, para a fiscalização o processo já chega formalizado e com o contrato assinado. Quanto ao relatado pela CGU quanto ao jogo de planilhas, dentro dos contratos foram feitas algumas modificações nos projetos básicos apresentados, projetos esses derivados da planilha da Ata de Registro de Preços do Pregão Eletrônico nº 21/2019 - Sede Codevasf, para que se pudesse adequar a realidade da execução local, nesse periodo não havia o procedimento de enquadramento de vias, hoje adotado pela CODEVASF para se evitar a execução de vias diferentes do especificado nas Atas, frisar que o desconto da licitação dado pela empresa ENGEFORT foi feito de forma não linear, ou seja foi dado por item, como houve a necessidade de retirada de serviços, modificações de alguns itens e a inclusão de alguns serviços novos necessarios para a execução da obra, não se atentou ao fato do desconto global dado na licitação, apenas aos percentuais de acrescimos e supressões foram observados para adequação do projeto basico para atender ao que estava sendo executado;
“A análise da CGU, feita cerca de dois anos após o fim das obras, também detectou baixa qualidade da pavimentação. O asfalto se rompe e a drenagem é ineficiente, segundo o relatório.”
Resposta: Quanto a qualidade do material aplicado, na época das vistorias a fiscalização não possuía estrutura de auxilio para ensaios tecnológicos para avaliar a questão da qualidade do material aplicado, sendo apenas realizada ao longo da sua execução de forma visual que aparentemente estava em acordo com o contratado, dentro da CODEVASF não há procedimentos de acompanhamento de pós obras. Tanto o projeto básico como o projeto executivo seguiram a linha de execução prevista nas atas de registro de preço de onde derivaram as obras. Entendo que os problemas identificados devem ser notificados a empresa responsável pela execução para recuperação das vias dentro dos prazos de garantia das obras estabelecido em contrato.
“Também afirma que a empresa cobrou por serviços diferentes daqueles que estavam previstos no contrato, em procedimento que a CGU define como "química contratual". Como exemplo, cita que houve medição e pagamento registrado como para o "barracão da obra", quando o serviço executado cobrado, na verdade, foi de aluguel de área e montagem de usina de asfalto. A CGU aponta, no relatório, que a fiscalização foi ineficiente.”
Resposta: Quanto a este item do serviço "barracão da obra" previsto na planilha orçamentaria, por questões de logística para a execução das obras, dentro da área de instalação da Usina de Asfalto foi destinado um área referente para a execução do item, então foi medido e pago;
Esses três contratos foram fiscalizados por Julimar Alves, que foi afastado do cargo de gerente da Codevasf após a PF detectar que ele recebeu R$ 250 mil de outra empresa, a Construservice. A PF suspeita que o valor era de propina.
Resposta: Afirmo veemente que esses valores não são referentes a propina, isso ficará comprovado nos autos do processo da investigação ainda em andamento.
No caso de outro contrato, o 8.483.00/2019, para pavimentação em Lago da Pedra, a própria Codevasf penalizou a Construservice depois de refazer a fiscalização da obra.
A nova fiscalização desse quarto contrato foi feita depois de Julimar ser afastado do cargo de gerente da empresa.
Segundo o novo parecer de fiscalização, foram feitos três aditivos de prazo na obra a partir de justificativas frágeis da Construservice, como dificuldades ligadas à pandemia ou às chuvas da região. Esses três aditivos foram aceitos por Julimar.
Resposta: Quanto aos aditivos realizados dentro do contrato nº 8.483.00/2019 foram feitos em comum acordo com a situação atual do periodo em que se estava sendo realizada a obra, a ordem de serviço para a empresa CONSTRUSERVICE foi dada em 06/10/2020 dentro do periodo da Pandemia COVID-19, como não houve execução dos serviços nesse periodo o contrato teve seu 1ª aditivo de 180 dias assinado em 06/10/2021, dentro desse periodo houve uma lentidão nos serviços executados que haviam sido iniciados pelos serviços de terraplenagem, a empresa CONSTRUSERVICE foi notificada para atender aos prazos e o objeto do contrato, houve varias reuniões sobre a continuidade da obra entre os gestores da 8ª SR CODEVASF e da Prefeitura Municipal de Lago da Pedra – MA, chegando num comum acordo que a execução da obra era de grande interresse pela necessidade de pavimentação das vias, e em 04/04/2022 foi dado o 2ª termo aditivo da obra tendo sua vigência ate o dia 01/10/2022. Quanto ao 3ª aditivo que foi solicitado que não chegou a ser assinado, houve uma reunião com o juridico da CODEVASF que não aceitou as justificativas, o processo seria devolvido para proceder com as novas justificativas tendo como base o interesse publico para continuar com o andamento do processo. Após meu afastamento não houve tempo hábil para proceder com os procedimentos combindo.
Segundo o novo parecer, Julimar não fez visitas in loco ao local da obra. O novo fiscal disse ter encontrado serviços precários, e decidiu considerar que 0% da obra foi executado;
Foram feitas algumas vitorias ao local das obras ao longo da fiscalização por parte
Segundo o novo fiscal, o processo de execução do contrato nem sequer tinha anexado o projeto executivo da obra. Havia apenas indicação genéricas de quais ruas deveriam ser pavimentadas.
Resposta: Quantos as fiscalizações realizadas a obra a CODEVASF possui um contrato de fiscalização com uma empresa terceirizada para fazer estas vistorias quando necessário, foram feitas 04 vistorias antes da nova fiscalização assumir o processo, fiz uma vistoria a obra em 27/10/2021, conforme documento 01 em anexo , de acordo com a vistoria da terceirizada os serviços iniciais realizados foram de terraplenagem, a nova fiscalização que assumiu em outubro/2022 foi ao local depois do período de inverno/2022 e como essas fiscalizações são subjetivas ele apenas descreveu a forma como vistoriou in loco. Quanto a apresentação de projeto executivo, por este contrato ter sido derivado da ata de registro de preços - ATA de Adesão ao SRP do Pregão Eletrônico nº 22/2019 - Sede da Codevasf para prestação de serviços de pavimentação em bloco intertravado de concreto (bloquete), dentro das planilhas orçamentarias dos serviços contratados para a execução da obra não havia previsão orçamentária para elaboração de projeto executivo. Segue documento 02 em anexo. Quanto ao projeto básico que contém o documento anexado com a descrição das ruas a serem executadas, recebi este processo para proceder com a fiscalização com o projeto básico já aprovado por outro engenheiro da CODEVASF.
“Além disso, todas as obras foram feitas com verbas indicadas pelo então deputado Juscelino Filho. Pergunto se Julimar tem alguma relação com o então parlamentar.”
Resposta: Não possuo nenhuma ligação com o parlamentar deputado Juscelino Filho.
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