SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na página inicial do site Brasil contra Fake, iniciativa lançada pelo governo Lula (PT) em março para o combate à desinformação, aparece a mensagem: "Aqui você encontra respostas para as principais fake news envolvendo o governo federal".

No entanto, em meio a desmentidos alertando a população contra golpes online ou sobre o fim de benefícios sociais, o site traz também textos com dados incorretos, sem transparência sobre as fontes ou mesmo inconsistentes em sua argumentação.

O Brasil contra Fake faz parte de uma ofensiva mais ampla do atual governo com a justificativa de combater desinformação, que incluiu uma proposta controversa de "Procuradoria da Democracia", a atuação do Ministério da Justiça junto às plataformas e sugestões ao PL das Fake News na Câmara. No momento, está aberta uma consulta pública sobre a política de educação midiática

No site que está sob o guarda-chuva da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), comandada pelo ministro Paulo Pimenta, uma das publicações diz: "Governo não impôs sigilo a visitas ao Palácio da Alvorada".

O próprio GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do governo Lula, porém, barrou acesso à lista de visitantes do Alvorada sob a justificativa de que os dados possuíam "classificação sigilosa no grau reservado". Depois, citando entendimento da CGU (Controladoria-Geral da União) de fevereiro, disse que restringiria acesso apenas às visitas de caráter pessoal.

Em seu site, a Secom diz que "a CGU confirma o sigilo imposto pela LAI [Lei de Acesso à Informação] às informações que revelem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares". Procurada pela Folha sobre o título, a pasta diz considerar que não se pode falar em decretação de sigilo sem ato administrativo específico.

Em uma publicação do final de maio, ao rebater que o governo tenha anunciado a interrupção da divulgação de dados referentes a casos e mortes da Covid-19, o site afirma que o painel Coronavírus do Ministério da Saúde segue sendo atualizado diariamente, quando na verdade o ministério divulgou em março que os dados passariam a ter divulgação semanal.

À Folha a Secom disse que se baseou na aba "sobre" do painel do ministério --o texto do Brasil contra Fake seguia incorreto até a publicação desta reportagem.

Especialistas consultados pela reportagem têm diferentes opiniões sobre o site, mas todos indicam que há aspectos a serem melhorados.

Ivan Paganotti, professor de jornalismo da Universidade Metodista e cofundador do curso de educação midiática Vaza, Falsiane!, considera defensável que o governo tenha uma página de comunicação institucional para publicar sua posição, mas ressalta que é preciso tomar medidas para que o cidadão não confunda a iniciativa com o trabalho de agências de checagem independentes.

Ele aponta problemas de formato em parte dos textos, como a falta de identificação da metodologia, indicando quais os elementos considerados para elaboração da nota, como uso de uma base de dados ou de acesso a um vídeo.

"Nem sempre as postagens do Brasil contra Fake têm essa essa transparência, essa preocupação com as fontes", diz Paganotti. "Aí você tem basicamente um discurso contra o outro, o discurso da nota oficial da comunicação oficial do governo versus o que está circulando nas redes sociais, sem você ter necessariamente um embasamento, uma sustentação em fatos."

Publicado no fim de março, um texto de dois parágrafos do Brasil contra Fake tem como título: "Móveis foram comprados para recompor patrimônio destruído no 8 de janeiro". Não são apresentados documentos ou qualquer detalhe a respeito da compra.

O texto afirma que é falsa informação de que o presidente teria que "restituir o valor de móveis comprados pelo Palácio do Planalto".

A desinformação que circulou a esse respeito, no entanto, tinha como referência uma compra com dispensa de licitação cujos móveis eram destinados ao Palácio da Alvorada --que não foi alvo de invasão no dia 8 de janeiro.

A Folha perguntou se o texto tratava de alguma outra compra de móveis. Neste caso, que fossem enviados links ou prints de conteúdos desinformativos sobre outra compra. A Secom respondeu afirmativamente e enviou um link do Kwai, informando que o conteúdo tinha sido apagado pela plataforma.

Disse também que "essa mesma fake news foi refutada pelo UOL". O texto enviado, porém também faz referência à dispensa de licitação 7/2023, que serviu para compra de móveis para o Alvorada.

Januária Cristina Alves, jornalista e especialista em educação midiática, mestre em comunicação social pela USP (Universidade de São Paulo), vê a iniciativa do Brasil contra Fake como positiva, mas faz críticas a textos muito curtos e defende a apresentação de mais evidências.

"Eles são a fonte [de informação], se eles vão divulgar uma coisa como fonte que ao ser checada pode deixar dúvidas ou eventualmente pode até nem ser verdadeira é grave, você vai perdendo a credibilidade", diz ela, que também ressalta o uso de linguagem que apela para emoção.

Nara Pavão, por sua vez, que é cientista política e professora da Universidade Federal de Pernambuco, vê negativamente a iniciativa, pois avalia que ela estica o conceito de desinformação.

"A gente só consegue combater desinformação quando a gente tem precisão em relação ao que é falso ou o que não é", afirma. "Tudo que a gente não tem precisão é um grande desserviço, porque aí você entra naquele debate político, de que é falso o que é negativo contra mim, contra um grupo político."

Em um texto que desmente que a vacina possa causar Alzheimer, há problemas tanto sobre a transparência das fontes usadas quanto inconsistências na argumentação, conforme avaliação de médicos consultados pela Folha.

Ao acessar o único arquivo linkado no texto, não é possível identificar seu título e a autoria -o PDF começa na "introdução". Nenhum estudo ou especialista é citado no texto.

Além disso, o documento linkado não tem relação com Alzheimer ou doença similar. Conforme informou a Secom, trata-se de trabalho de mestrado de 2010. O tema, em linhas gerais, é a produção de anticorpos com veneno de cobra. O ponto de intersecção é que ele fala sobre adjuvantes, substância presente na vacina e alvo das fake news desmentidas.

"Já há conhecimento suficiente para saber que a vacina não causa Alzheimer. Mas isso não está respondido lá [no texto do governo]", explica Claudio Maierovitch, médico sanitarista da Fiocruz em Brasília e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Também o imunologista Gustavo Cabral, que trabalha com desenvolvimento de vacinas no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, avalia que as referências do texto não sustentam adequadamente o que se quer desmentir. Ele aponta que esse tipo de texto poderia ser facilmente destrinchado por produtores de desinformação sobre vacina.

Os dois médicos veem erro na argumentação. "Afirmar que qualquer evento adverso seria observado nos ensaios clínicos não é verdadeiro, mas as vacinas que temos e os adjuvantes já foram utilizados em quantidade e tempo suficientes para que eventuais problemas fossem detectados e estudados", explica Maierovitch.

Questionada se teria usado outras fontes e estudos para o texto, a Secom não disse se usou, mas apresentou na resposta referências científicas e explicações que não constam no que foi publicado em seu site.

A Secom afirma que não há nenhuma evidência científica que relacione vacinas a demências e aponta que "conforme evidenciado por Lehrer e Rheinstein, as vacinas contra influenza, pneumonia, entre outras, administradas em idosos, podem reduzir o risco de doença Alzheimer posteriormente", indicando outros dois estudos.

Thaiane Oliveira, professora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense, vê a iniciativa do Brasil contra Fake como importante, mas avalia que é preciso avançar em alguns aspectos dos textos científicos, como no uso de linguagem mais didática e em maior cuidado, para evitar que texto depois seja distorcido.

Patrícia Rossini, professora na área de comunicação, mídia e democracia na Universidade de Glasgow questiona a efetividade deste tipo de ação, não só pela dificuldade em alcançar as pessoas que tenham tido contato com desinformação, mas também pela falta de confiança institucional nutrida por setores da população e pela falta de independência da iniciativa.



Veja exemplos de inconsistências no Brasil contra Fake

Sigilo de visitas no Alvorada

Em março, o GSI negou acesso a lista de visitas do Alvorada alegando sigilo. Depois, citando entendimento da CGU de fevereiro, disse que restringiria acesso apenas às visitas de caráter pessoal.

Um dos textos do site da Secom tem como título: "Governo não impôs sigilo a visitas ao Palácio da Alvorada". No mesmo texto, a Secom diz que "a CGU confirma o sigilo imposto pela LAI às informações que revelem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares."

Procurada pela Folha sobre o título, a pasta diz considerar que não se pode falar em decretação de sigilo sem ato administrativo específico.

Divulgação de dados Covid-19

Em texto com título "Governo brasileiro continua divulgando dados referentes ao Covid-19", o site Brasil contra Fake desmente que o governo tenha anunciado a interrupção da divulgação de dados referentes à Covid-19, afirmando que o Painel Coronavírus "é atualizado diariamente com informações das secretarias estaduais de saúde". Em março, no entanto, o Ministério da Saúde emitiu uma nota informando que as secretarias passariam a enviar os dados da doença semanalmente.

Móveis do Alvorada

Em texto com o título "Móveis foram comprados para recompor patrimônio destruído no 8 de janeiro", o Brasil contra Fake afirma que não procede informação repercutida nas redes sociais de que o presidente Lula "deverá restituir o valor de móveis comprados pelo Palácio do Planalto".

Desde fevereiro, o governo Lula vinha sendo alvo de críticas da oposição e alvo de desinformação nas redes devido a uma compra de móveis por meio de dispensa de licitação publicada no Diário Oficial de 3 de fevereiro. O valor inicialmente divulgado era de R$ 379 mil.

Em abril, a Folha divulgou, com base em informações prestadas pelo governo, que a compra foi de R$ 196,7 mil em cinco móveis e um colchão para o Palácio da Alvorada --que não foi alvo de invasão no dia 8 de janeiro. Os outros bens não foram entregues, por isso os valores diferentes.

Vacina

Um texto do Brasil contra Fake que desmente que a vacina possa causar Alzheimer tem problemas de transparência das fontes usadas e inconsistências na argumentação, conforme avaliação de médicos consultados pela Folha. Eles explicam que há diferentes artigos científicos que poderiam ter sido usados para embasar o texto.

No entanto, ao acessar o único arquivo linkado no texto, não é possível identificar seu título e a autoria -o PDF começa na "introdução". Nenhum estudo ou especialista é citado no texto.

Além disso, o documento linkado não tem relação com Alzheimer ou doença similar. Conforme informou a Secom, trata-se de trabalho de mestrado de 2010. O tema, em linhas gerais, é a produção de anticorpos com veneno de cobra. O ponto de intersecção é que ele fala sobre adjuvantes, substância presente na vacina e alvo das fake news desmentidas.

Reprodução - 'Brasil contra Fake'

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