WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O presidente indica seu advogado pessoal para a Suprema Corte e automaticamente é alvo de críticas tanto da oposição quanto da situação.

Acontece agora no Brasil, com a indicação do advogado Cristiano Zanin para o STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Lula (PT), e aconteceu há 18 anos nos Estados Unidos com George W. Bush.

A indicação de Harriet Miers, que havia sido advogada pessoal do republicano, sobreviveu apenas 24 dias, de 3 a 27 de outubro de 2005, com forte oposição a partir do momento em que foi anunciada.

Primeiro, houve questionamentos sobre sua formação acadêmica, já que ela havia se graduado em uma pequena instituição do Texas, a Universidade Metodista Meridional, longe das famosas Ivy League, grupo das universidades de elite como Harvard, Yale e Columbia.

No Brasil, o fato de Zanin não ter doutorado ou mestrado foi usado para questionar se tem o "notável saber jurídico" exigido pela Constituição para ocupar o cargo de ministro do STF.

Assim como Zanin, que foi advogado de Lula nos casos da Lava Jato, recaiu sobre Miers a crítica de que poderia não ser imparcial devido à sua proximidade com o presidente, o que traria conflitos de interesse inevitáveis.

Ela era ligada a Bush desde que trabalhou como conselheira jurídica na transição de governo quando o republicano foi eleito pela primeira vez para o cargo de governador do Texas, em 1994, e foi indicada por ele para chefiar o conselho da loteria do estado.

Em 2001, quando Bush assumiu a Casa Branca pela primeira vez, ela se tornou secretária e assistente pessoal do novo presidente. Em 2003, foi nomeada vice-chefe de gabinete e, um ano depois, conselheira da Casa Branca.

Enquanto a nomeação sofria críticas, cartas e bilhetes que ela enviou a Bush ao longo dos anos vieram à tona, chamando-o, entre outras coisas, de "melhor governador de todos os tempos, merecedor de grande respeito".

Miers foi criticada também por não ter ocupado um cargo de juíza, ao contrário dos outros integrantes daquela Suprema Corte. Também não tinha experiência em direito constitucional nem posicionamentos jurídicos conhecidos.

A maior parte da fritura foi feita com fogo amigo. O então senador republicano Rick Santorum, que representava a ala mais religiosa do Parlamento, afirmou que Miers era "uma folha de papel em branco" e que estava "desapontado" com Bush por ter indicado alguém cujas opiniões não eram conhecidas.

Bush indicou Miers para ocupar a vaga de Sandra Day O'Connor, que havia decidido se aposentar depois de 25 anos no tribunal. O?Connor fora indicada pelo também republicano Ronald Reagan e teoricamente fazia parte do bloco conservador do tribunal.

No entanto, incomodava os republicanos por não votar necessariamente como queriam os conservadores, mantendo, por exemplo, o entendimento de que o aborto era um direito constitucional ?ainda que tenha autorizado certas limitações à prática.

Assim, sua substituição durante uma gestão republicana foi vista como uma oportunidade para colocar algum nome mais conservador na corte. Esse foi um dos primeiros motivos que fizeram membros do partido de Bush se oporem a Miers, que não tinha registros públicos de oposição ao aborto.

Com a forte oposição, a Casa Branca divulgou documentos com registros de opiniões de Miers, incluindo um questionário onde ela indicava que apoiaria uma mudança no entendimento sobre o aborto como direito constitucional. Não foi o suficiente para superar a resistência.

O ex-secretário de Justiça Robert Bork (que também teve sua nomeação ao tribunal barrada pelo Senado mais de uma década antes) chamou a indicação de "um tapa na cara dos conservadores que vêm construindo um movimento conservador na Justiça nos últimos 20 anos".

No Brasil, a opinião de Zanin sobre o aborto também deve ir contra a base de Lula. Ele disse a parlamentares evangélicos ser pessoalmente contra a prática e entender que o tema deve ser responsabilidade do Congresso.

Nos EUA, além do aborto, outros temas incomodavam os conservadores. Enquanto foi presidente da ordem de advogados do Texas, Miers apoiou a manutenção das ações afirmativas para incentivar mulheres e pessoas de minorias raciais a entrarem na advocacia, outra pauta rechaçada por conservadores.

A fritura continuou e, antes que o Senado efetivamente votasse a indicação, Bush retirou Miers da disputa. Quatro dias depois, indicou o conservador Samuel Alito em seu lugar, que foi aprovado sem dificuldade pelos republicanos. Em junho do ano passado, Alito compôs maioria para reverter o entendimento de que o aborto é um direito constitucional.

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