BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Às vésperas de votações importantes para o presidente Lula (PT) na Câmara dos Deputados, o governo liberou R$ 465 milhões da verba do Ministério da Saúde, alvo de cobiça do centrão. Deste valor, R$ 107 milhões irão para Alagoas -estado mais beneficiado e reduto de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa.
A pasta tem R$ 3 bilhões herdados pelo governo pelo fim das emendas de relator -principal moeda de troca nas negociações entre Jair Bolsonaro (PL) e os parlamentares.
O ministério, comandado por Nísia Trindade, era foco de reclamações de cardeais do Congresso por, até semana passada, não ter liberado nada desse dinheiro, que, apesar de não ter o carimbo de emenda parlamentar, tem sido usado por Lula na articulação política.
Segundo articuladores do governo, a fatia destravada deve chegar a R$ 600 milhões até o fim da semana, quando a Câmara pretende votar três projetos econômicos considerados essenciais para Lula, entre eles a reforma tributária.
As negociações em torno dos bilhões de reais herdados pelo chefe do Executivo após a extinção das emendas de relator beneficiam aliados do Palácio do Planalto, de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Parlamentares próximos à cúpula dos dois Poderes conseguem enviar mais dinheiro para financiar projetos e obras em suas bases eleitorais.
Nísia começou a abrir o cofre de R$ 3 bilhões após pressão do centrão. Ela inclusive chegou a se reunir com Lira em 21 de junho. Poucos dias antes do encontro, integrantes da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela relação com o Congresso, foram ao Ministério da Saúde para organizar e priorizar os pedidos de prefeituras para receber parte do dinheiro.
Dos R$ 465 milhões autorizados no último fim de semana, a pasta prevê o repasse de R$ 107 milhões para Alagoas -o maior beneficiado.
Além de ser o estado de Lira, Alagoas é reduto eleitoral do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. Ele foi relator da MP (medida provisória) dos Ministérios, que tratava da estrutura do governo Lula. O Planalto passou sufoco para conseguir aprovar o texto em meio a revolta do centrão com a demora na liberação de cargos e emendas.
Pessoas envolvidas nas negociações políticas dizem que a elevada parcela para Alagoas é explicada pelo peso do presidente da Câmara e de Isnaldo nas negociações políticas, além do envio de dinheiro para projetos de novatos, como Alfredo Gaspar (União Brasil), no estado.
Como mostrou a Folha em fevereiro, Lula fez um acordo com Lira para que parte da verba de ministérios seja usada para bancar emendas de deputados novatos que ajudaram a reeleger o presidente da Câmara.
Lula herdou R$ 9,85 bilhões das extintas emendas de relator -a pasta de Nísia ficou com a maior fatia do dinheiro.
Essa verba foi alocada como recurso de ministérios, mas ganhou uma rubrica específica para facilitar que o Planalto opere e monitore os repasses feitos por intermédio de parlamentares ou grupos políticos.
Os municípios mais beneficiados com os recursos já autorizados foram São Gonçalo (RJ), com R$ 36,2 milhões repassados, e Maceió (AL), que recebeu R$ 25 milhões.
Depois de Alagoas, o segundo que mais recebeu recursos é o Rio de Janeiro. Os repasses para o estado atendem a pleitos de petistas, como o deputado Washington Quaquá, vice-presidente nacional do partido, mas também há liberação para o reduto de deputados do centrão, como o líder do PL, Altineu Cortes.
Altineu, apesar de ser do PL, de Bolsonaro, negocia cargos de terceiro escalão e emendas para o Rio de Janeiro com o governo Lula. São Gonçalo (RJ) é a cidade mais beneficiada pelas liberações. O prefeito do município, Capitão Nelson, é do PL e aliado do deputado.
O PL tem a maior bancada na Câmara, com 99 deputados. Em projetos de caráter econômico, como o novo arcabouço fiscal, o governo tem contado com um potencial de 30 votos da sigla.
Os repasses autorizados por Nísia não representam o início do destravamento da verba herdada das emendas de relator -os ministérios da Agricultura e das Cidades já tinham liberado recursos, mas atendendo à base eleitoral dos ministros.
Os atos do órgão, por outro lado, marcam uma nova fase da articulação política do governo Lula. A destinação do dinheiro foi intermediada por assessores de Lira. Isso significa a retomada da influência do presidente da Câmara sobre a quantia de R$ 9,9 bilhões.
No fim de junho, Lira ligou para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) após o centrão se irritar ao saber que o governo usou a verba das extintas emendas de relator para destinar dinheiro para as bases eleitorais de ministros.
Há cerca de um mês, o grupo de parlamentares liderados por Lira passou a transformar a pasta da Saúde em alvo porque a equipe de Nísia criou regras para ampliar o controle na liberação de emendas parlamentares.
Líder da União Brasil e um dos mais próximos a Lira, Elmar Nascimento (BA) afirma que prefeitos querem usar o dinheiro para custear ações de saúde já existentes no município, incluindo pagamento de pessoal.
A pasta, por seu lado, deseja estimular transferências para investimentos como construção de unidades de atendimento, compra de equipamentos médicos e renovação da frota do Samu.
Congressistas afirmam ainda que, além do problema nas prioridades definidas pela Saúde, o processo de cadastro e seleção de projetos atrasa a liberação do dinheiro.
O ministério havia aberto prazo até 30 de junho para estados e municípios apresentarem propostas de uso dos R$ 3 bilhões. Mesmo antes do fim da seleção, a pasta de Nísia Trindade autorizou os primeiros empenhos.
Na gestão Bolsonaro não havia uma seleção de propostas para partilha desse tipo de emenda -a verba era distribuída por indicações feitas pelo relator do Orçamento, após acordos feitos entre a cúpula do Congresso e o Planalto.
Questionada, a Saúde não informou se o Planalto interferiu na seleção das propostas feitas por estados e municípios. Também não respondeu se aliados do governo serão priorizados.
O ministério afirma que mantém diálogo com o Congresso e gestores do SUS, "tendo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, se reunido com 277 parlamentares, governadores, prefeitos e vários representantes de entidades filantrópicas desde o início da gestão".
Duas portarias publicadas pela Saúde no último dia 29 autorizaram as primeiras liberações da verba rebatizada após o fim das emendas de relator.
Em um dos textos, a Saúde deu aval para repassar R$ 355 milhões para o custeio da atenção especializada. O recurso foi repassado para estados e municípios cobrirem despesas de hospitais e ambulatórios.
Enquanto a segunda portaria permitiu o envio de mais R$ 108 milhões para financiamento da atenção primária em municípios. Esse recurso foi direcionado para custear equipes de saúde bucal, saúde da família, além de equipes multiprofissionais.
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