SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com Jair Bolsonaro (PL) inelegível e o recente mal-estar entre Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o bolsonarismo, os holofotes que recaíram sobre o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), iluminaram não só sua articulação presidencial no campo da direita como uma série de tropeços.
Além de compartilhar uma frase de Benito Mussolini e de seu governo comparar a Inconfidência Mineira a um golpe, Zema afirmou que os estados do Sul e Sudeste têm "uma proporção muito maior de pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial" e que só esses estados "podem contribuir para este país dar certo".
O governador de Minas vem demonstrando apetite por voos mais altos não só porque viu crescerem suas chances de se engajar em uma candidatura presidencial com a saída de Bolsonaro do páreo, mas também porque não pode mais concorrer à reeleição, por estar em seu segundo mandato.
Nas últimas semanas, Zema intensificou viagens a outras capitais e reuniões com líderes de diversos partidos, mas seus auxiliares negam haver uma movimentação mirando a eleição de 2026 e dizem que os contatos estavam relacionados à Reforma Tributária e à costura de apoio na Assembleia Legislativa.
O governador, assim como Tarcísio, tem evitado aparecer na arena eleitoral tão cedo, numa estratégia de autopreservação. "Eu prefiro apoiar alguém do que ser candidato", disse à GloboNews na quarta-feira (12).
Aliados do mineiro afirmam que seu foco é fazer um bom governo e que ele não trabalha por sua candidatura. "Não se consegue pensar para a frente se Minas não der certo. Não há futuro se não fizermos um bom presente", resume Marcelo Aro (PP), secretário da Casa Civil.
Ao mesmo tempo, Zema defende uma unidade de governadores e de partidos da centro-direita --como Novo, PP, PL, União Brasil, Republicanos e Podemos-- como estratégia para derrotar o PT em 2026.
"Tem algumas premissas que são claras: se a gente pretende que a centro-direita chegue à Presidência, é preciso que os governadores dessa linha estejam juntos", afirma o vice-governador de Minas, Mateus Simões (Novo). "Esses governadores têm se frequentado numa lógica de formar uma frente de defesa de determinadas pautas e de resistência a determinados projetos."
Ele menciona, além de Zema e Tarcísio, Ratinho Jr. (PSD-PR), Cláudio Castro (PL-RJ), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Jorginho Mello (PL-SC) e Mauro Mendes (União Brasil-MT).
Aro afirma que a união de governadores proporcionada pelo Cosud (Consórcio de Integração Sul e Sudeste) serve de "espinha dorsal" para 2026. "Não somos aliados do governo federal na pauta ideológica", resume o secretário sobre a gestão Lula (PT).
A série de gafes de Zema, que inclui ainda um erro de matemática em entrevista ao vivo, é minimizada pelos aliados do governador. Simões afirma que a autenticidade e a espontaneidade do chefe, muitas vezes vistas como fragilidades, são "uma força" no ambiente eleitoral.
"Ainda que isso dê algum trabalho para explicar ou que as pessoas eventualmente possam julgar, transmite às pessoas um senso de gente real. Ele não se parece com um político embalado", diz.
O vice admite que a exaltação do Sul e do Sudeste tende a afastar eleitores do resto do país e é prejudicial no contexto de uma eleição presidencial, mas justifica que as falas têm a ver com o momento específico de embate entre estados por causa da Reforma Tributária.
"Não me parece um discurso bom para o momento eleitoral, mas a gente não pode abrir mão de comprar discussões abertas no presente por causa da expectativa eleitoral futura. Senão, Zema pode até fazer uma figura [ficar bem] com Norte e Nordeste, mas sacrifica o futuro de Minas Gerais", completa Simões.
Aro também vê nas falas polêmicas de Zema uma divisão entre a gestão e a eleição --e defende o governador. "É uma evidência de que ele não tem pensado noite e dia em 2026. Muitas falas são mal interpretadas, criou-se uma narrativa de esquerda como se ele tivesse atacado o povo nordestino."
Atores políticos nacionais que estão ávidos por uma opção de direita moderada para 2026 veem equívocos nos primeiros passos de Zema para se cacifar como presidenciável, mas falam em tempo suficiente para corrigir a rota e lembram que, ao menos, a exposição do mineiro tem crescido.
Nos bastidores, há duras críticas às falas em que o governador comparou as regiões do Brasil e fez comentários estereotipados sobre auxílios do governo e moradores de fora do Sudeste e Sul. A avaliação é a de que isso vai na contramão do que deveria ser feito para alcançar projeção no país todo.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, forças de direita e centro que trabalham por uma reciclagem do segmento após a inelegibilidade de Bolsonaro dizem que governadores que aspiram o posto precisam se nacionalizar.
Entre os que minimizam os impactos negativos dos escorregões, há quem considere que Zema tenha polemizado intencionalmente em alguns momentos, para que seu nome repercuta além dos limites de Minas, e que as gafes serão esquecidas caso ele busque um tom mais conciliador.
Ao mesmo tempo, contudo, vão se acumulando desgastes relacionados à gestão. O governador foi criticado por investir R$ 41,7 milhões para reformar uma estrada que liga Araxá (MG), cidade onde Zema nasceu, a um sítio da família dele na cidade de Rifaina (SP), na divisa entre os dois estados.
Falando sob anonimato, políticos que apostam no mineiro como um presidenciável ou candidato a vice dizem duvidar que ele opte por um caminho divisionista, uma vez que avançar com um projeto nacional dependerá exatamente de aglutinar nomes, o que demanda composições em todo o país.
Numa chave mais realista, ouve-se nas conversas privadas a ponderação de que talvez o governador tenha ainda um longo caminho a percorrer para atingir a estatura de candidato ao Planalto. Os conselhos vão desde profissionalizar sua pré-campanha até se cercar de conselheiros experientes.
Um dos observadores diz que é preciso evitar gestos que beiram a irresponsabilidade, como a insinuação sobre "vista grossa" de Lula para os atos golpistas de 8 de janeiro. Zema falou em uma suposta torcida do governo para que acontecesse "o pior" e, com isso, pudesse se vitimizar para angariar solidariedade.
Outro raciocínio é o de que parte dos gestos de Zema tem o intuito de aproximá-lo da base bolsonarista, num momento em que o espólio do ex-presidente é disputado. O movimento embute um risco, já que a parcela mais radical da direita é importante nas urnas, mas também afasta moderados.
Na comparação com Tarcísio, o mineiro tem sido celebrado pela militância pró-Bolsonaro como mais fiel aos valores e bandeiras do segmento. Zema coleciona posições incisivas contra Lula e a esquerda e fustiga abertamente, por exemplo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).
Zema acumula polêmicas, gafes e desgastes
Literatura
O governador perguntou durante uma entrevista se Adélia Prado, famosa poeta mineira, era funcionária de uma rádio, quando recebeu de presente do apresentador um livro da autora, em fevereiro. Ao ver o nome, ele questionou se ela trabalhava na empresa.
Matemática
Zema se embolou, durante entrevista neste mês, ao falar sobre votações na Câmara dos Deputados e dizer que a metade de 513 é 561. "Minha matemática aqui de cabeça tá falhando", disse ele, que ao fim da conversa se corrigiu e fez o cálculo certo.
Geografia 1
O mineiro lançou em junho duas falas consideradas preconceituosas. Disse que os estados do Sul e do Sudeste são diferentes por terem proporção maior de pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial. Dias depois, falou que só esses estados "podem contribuir para este país dar certo".
Geografia 2
Em junho, foi noticiada a decisão do Governo de Minas de investir R$ 41,7 milhões para reformar uma estrada que liga Araxá (MG), cidade onde Zema nasceu, a um sítio da família dele na cidade de Rifaina (SP), na divisa entre os dois estados. A gestão disse se basear em critérios técnicos.
História 1
Zema postou, após Bolsonaro ficar inelegível, uma frase atribuída ao ditador fascista italiano Benito Mussolini: "Fomos os primeiros a afirmar que, quanto mais complexa se torna a civilização, mais se deve restringir a liberdade do indivíduo". Depois, disse que era um alerta sobre burocracia.
História 2
Em texto em abril, para comemorar a Inconfidência Mineira, o governo chamou o movimento contrário à coroa portuguesa de "golpe" e afirmou que Tiradentes foi o único inconfidente a confessar "crimes". Após a repercussão negativa do texto, a palavra "crimes" foi substituída por "atos".
Interpretação
Zema afirmou que o governo federal fez "vista grossa" nos ataques de bolsonaristas no 8 de janeiro em Brasília. "Houve um erro, talvez até proposital, do governo federal, que fez vista grossa para que o pior acontecesse e ele se fizesse posteriormente de vítima", declarou à Rádio Gaúcha.
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