BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Lula (PT) aproveitou o episódio de hostilidade ao ministro Alexandre de Moraes e sua família para fazer acenos ao STF (Supremo Tribunal Federal) e estreitar ainda mais a relação do Executivo com o magistrado, que se notabilizou nos últimos anos como principal algoz do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Além de apoiar a controversa medida de busca e apreensão realizada em endereços dos suspeitos de ofender Moraes em um aeroporto na Itália e de empurrar o filho do ministro, o governo saiu em defesa do integrante do Supremo.
A solidariedade prestada pelo governo deixou ainda mais nítido o cenário dos bastidores, em que Moraes atua, ao lado do ministro Gilmar Mendes, para manter proximidade da corte com o Palácio do Planalto e para fazer a interlocução entre os dois Poderes.
Moraes é um dos integrantes do Judiciário mais ouvidos por Lula. Foi ele, por exemplo, o principal padrinho da indicação das duas últimas vagas de titular no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que o petista pôde nomear.
Agora, o mandatário fez as declarações mais enfáticas de repúdio à hostilização contra o ministro e cobrou punição severa aos agressores.
"Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano. O cidadão pode não concordar com a pessoa, mas ele não tem que ser agressivo. Ele não tem que xingar, ele não tem que desrespeitar", disse nesta quarta-feira (19) em Bruxelas, após o encerramento da cúpula Celac-UE.
Lula afirmou que o ódio surgiu no processo eleitoral e que "passamos por isso severamente". "Essa gente que nasceu no neofascismo, colocado em prática no Brasil, tem que ser extirpada", disse.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, por sua vez, deu respaldo jurídico à decisão da presidente do STF, Rosa Weber, de determinar busca e apreensão na casa do casal Roberto Mantovani e Andreia Munarão, investigados pela hostilidade contra Moraes.
A medida foi criticada por juristas por, entre outros pontos, ter sido expedida no âmbito do Supremo sem que os suspeitos tenham foro especial. Dino, que foi juiz de carreira, foi na contramão da compreensão de que o episódio não teve gravidade suficiente para ensejar a operação policial.
"A medida se justifica pelos indícios de crimes já perpetrados. Tais indícios são adensados pela multiplicidade de versões ofertadas pelos investigados. Sobre a proporcionalidade da medida, sublinho que passou da hora de naturalizar absurdos", afirmou.
E rebateu a tese de que a decisão recorreu ao fishing expedition, estratégia jurídica ilegal de tentar uma pescaria probatória, ou seja, fazer uma operação para encontrar provas que vão além do crime investigado em si.
"Não há procura especulativa, e sim fatos objetivamente delineados, que estão em legítima investigação", disse Dino.
O advogado Ralph Tórtima Filho, que faz a defesa de Mantovani e família, diz que o empresário apenas reagiu a ofensas e afastou uma pessoa que seria filho do magistrado. Ele nega ter havido o empurrão ou agressão física ao familiar do magistrado.
Segundo o advogado, não houve motivação política e, em meio ao desentendimento, a família nem sabia se tratar de pessoas ligadas a Moraes.
A defesa se queixou de desproporcionalidade na ação da Polícia Federal. "Quando muito tivesse havido alguma ofensa, e não houve, nós estaríamos falando de um crime contra honra cuja a punição é insignificante dentro do Código Penal, o que talvez não justificasse tamanha desproporcionalidade de reação", afirmou Tórtima.
Moraes, porém, deu versão diversa do ocorrido. Ele relatou ter sido chamado de "bandido", "comunista" e "comprado" por um grupo e que seu filho ?o advogado Alexandre Barci de Moraes, 27? sofreu uma agressão, fazendo com que os óculos caíssem no chão.
O ministro estava no aeroporto da Itália, onde havia participado de um fórum internacional de direito realizado na Universidade de Siena. Ele compôs mesa no painel Justiça Constitucional e Democracia, da qual participou ainda o ministro André Ramos Tavares, integrante também do TSE.
Além do casal, a PF também investiga a participação no episódio do genro (Alex Zanatta Bignotto) e do filho do empresário (Giovanni Mantovani).
Roberto Mantovani é um empresário de Santa Bárbara d'Oeste, no interior de São Paulo, influente na política, nos negócios e no futebol do município. Já foi candidato a prefeito em 2004 pelo PL, em chapa com o PT de vice. Atualmente, é filiado ao PSD.
O empresário tem fotos antigas ao lado de Lula, apoiado por ele na candidatura ao Executivo da cidade nos anos 2000. O santinho com a imagem dizia "Com Mantovani, o presidente Lula apoia Santa Bárbara".
É também conhecido há décadas pela atuação como presidente do clube de futebol União Barbarense durante um período tido como áureo do time, no fim da década de 1990 e começo dos anos 2000.
Ele fez carreira no comando da Helifab, do ramo de bombas voltadas à indústria, que distribuía produtos da Netzsch ?fundada na Alemanha, que afirma ter adquirido a empresa no ano passado e que buscou se distanciar do antigo parceiro. Segundo o grupo, Mantovani não representa mais a Netzsch.
Moraes se tornou alvo preferencial de Bolsonaro e seus militantes devido à condução de inquéritos no STF que têm próceres do bolsonarismo como investigados.
Ele mesmo já sofreu xingamentos por parte de Bolsonaro, que, nos últimos dois anos, já chegou a se referir ao ministro como "vagabundo" e "canalha".
O comportamento do ex-chefe do Executivo se replicou a outros membros do Supremo, que passaram a ser alvo de hostilidades com mais frequência.
O caso mais emblemático envolvendo Moraes e outros ministros foi em Nova York, nos Estados Unidos, onde estavam para participar de um evento do grupo Lide, em novembro de 2022.
Um grupo de apoiadores de Bolsonaro passou a hostilizar, além do presidente do TSE, os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso nos momentos em que circulavam pela cidade e saíam de restaurantes e hotéis. Foi neste contexto que Barroso disse a expressão "perdeu, mané, não amola", em resposta a um dos manifestantes.
Além do episódio contra Moraes na Itália, a afirmação de Barroso na semana passada em congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) também ajudou a tensionar a relação do bolsonarismo com o STF. O ministro disse que "nós derrotamos o bolsonarismo", e parlamentares ligados ao ex-presidente retomaram o movimento que pede o impeachment de Barroso.
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