SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Entre os primeiros julgamentos em que Cristiano Zanin deve atuar como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) está o de uma ação que contesta o impedimento a magistrados em casos envolvendo clientes de escritórios de advocacia do cônjuge, companheiro ou parentes.

O indicado do presidente Lula (PT) para o tribunal tomará posse no cargo na tarde desta quinta-feira (3).

A regra examinada no Supremo afeta tanto Zanin, que era sócio da esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, quanto outros ministros que têm esposas e filhos na advocacia, caso de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin.

O dispositivo previsto no inciso oitavo do artigo 144 do Código de Processo Civil de 2015 teve a constitucionalidade questionada em 2018 pela AMB (Associação de Magistrados Brasileiros). Para a entidade, a regra fere o princípio da proporcionalidade.

Até o momento, o placar é de 3 votos a 1 a favor da validade do impedimento. O julgamento no plenário virtual da corte deve ser retomado de 11 a 21 de agosto.

Com a nomeação feita por Lula em junho, o escritório Zanin Martins Advogados passou a ser comandado apenas por Valeska. Além dos casos em que o casal tenha advogado, a regra em julgamento no STF também impede Zanin de julgar processos de clientes mesmo quando forem defendidos por advogados de outras bancas.

Em 2020, o relator, Edson Fachin, julgou improcedente o pedido feito pela AMB e votou pela manutenção do dispositivo. Para o magistrado, a finalidade da regra é garantir a imparcialidade do julgamento.

Um pedido de vista (mais tempo para a análise) feito por Gilmar Mendes interrompeu o julgamento por quase três anos. Em junho, o magistrado abriu divergência e declarou a regra inconstitucional. A esposa do ministro, a advogada Guiomar Feitosa Mendes, é sócia do Sergio Bermudes Advogados, que tem centenas de processos na corte.

Para Gilmar, as regras de impedimento previstas na legislação já são suficientes. Ao manifestar posição contrária ao dispositivo, ele afirmou que o dispositivo do Código de Processo Civil possibilita a criação de estratégias para evitar que o processo seja julgado por um determinado magistrado.

Rosa Weber e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto de Fachin pela constitucionalidade da regra. Barroso fez a ressalva de que o dispositivo só deve ser aplicado quando o magistrado tiver ciência do impedimento e não valeria para discussões constitucionais.

Falta votar o ministro Luiz Fux, que liberou a ação para análise no final de junho após pedido de vista, e outros seis magistrados.

As regras de impedimento e suspeição a magistrados estão previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal.

No caso do impedimento, os vetos são objetivos. Um juiz não pode, por exemplo, julgar casos em que tenha atuado antes, seja como advogado, defensor ou pelo Ministério Público --que tenham participação do cônjuge ou parentes ou em que esses forem sócios ou herdeiros.

As limitações buscam garantir a imparcialidade dos julgamentos e também valem para ministros do STF. Na prática, porém, o impedimento tem sido aplicado por declaração dos próprios integrantes da corte quando questionados sobre as regras, como mostra uma pesquisa feita pelo grupo Supremo em Pauta, da FGV Direito SP.

Doutoranda pela USP e uma das pesquisadoras autoras do estudo do Supremo em Pauta, Ana Laura Pereira Barbosa afirma que a pesquisa identificou três processos questionando o impedimento do ministro Gilmar Mendes por conta da atuação do escritório em que a esposa do magistrado atua.

Os casos não chegaram a ser julgados pela corte, mas a pesquisadora afirma que já na ocasião o ministro questionou a constitucionalidade da regra.

Em 2017, o ministro teve a suspeição e o impedimento questionados pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot ao conceder habeas corpus ao empresário Jacob Barata Filho. Segundo o ex-PGR, a esposa do ministro teria defendido interesses do investigado e o casal teria sido padrinho do casamento da filha do empresário, informação negada pelo magistrado.

Anos antes, o ministro Dias Toffoli atuou como relator de três ações penais do então deputado José Abelardo Camarinha, para quem ele havia advogado em casos eleitorais.

Para especialistas, falta transparência na forma como o STF lida com as regras previstas na legislação. A professora de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Marjorie Marona afirma que esse é um aspecto que dificulta a compreensão sobre a noção de imparcialidade adotada pela corte.

Ela destaca que a discricionariedade acaba sendo maior nos casos de suspeição, mas que muitas vezes os pedidos são feitos como cálculo estratégico para afastar um ministro de determinado julgamento.

Luiz Fernando Esteves, doutor em direito pela USP e professor assistente no Insper, afirma que a regra prevista pelo Código de Processo Civil teve impacto na corte, com ministros declarando impedimento.

"É uma regra que impede a participação de ministros em uma quantidade enorme de processos e entendo que invariavelmente será aplicável a Zanin", diz.

Como a ação em julgamento trata de uma tese sobre a constitucionalidade da regra, não há impedimento para que ele ou outros ministros com esposas ou parentes em escritórios julguem o caso, que é de interesse de todos os membros da magistratura.

SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO NO STF

Rito

Está previsto nos artigos 277 e 287 do regimento interno do STF:

Admissibilidade da arguição: seguimento da ação ou arquivamento

Se seguir, pede-se manifestação do ministro

Recebida manifestação, encaminha-se para plenário e julgamento

Nova fase, após manifestação do ministro, leva processo ao arquivo

Exemplos de casos de atenção

As causas de suspeições estão nos artigos 254, do CPP (Código de Processo Penal) e 145, do CPC (Código de Processo Civil); as de impedimento estão nos 252, do CPP, e 144 e 147, do CPC

Suspeição:

Amizade ou inimizade

Receber presentes

Parte credora ou devedora sua ou de cônjuge

Dar conselhos a qualquer das partes

Impedimento:

Atuação de cônjuge como defensor

Ter sido como promotor no caso

Quando figurar como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente

Fontes: Código de Processo Penal e Código de Processo Civil


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