SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mulher, negra e petista, a sindicalista Ivone Silva, 53, assume o comando do Instituto Lula em um momento único da entidade, criada para divulgar o legado de Lula (PT) após oito anos como presidente da República. Com ele de volta à cadeira, a dirigente relata viver um desafio.

Além de manter a vocação original, o organismo quer contribuir para o terceiro mandato do governante. "Ao mesmo tempo que precisamos valorizar o que foi feito nos dois mandatos anteriores, estamos em plena gestão [de Lula] e podemos ajudar a fazer debates para pensar o Brasil", diz ela à Folha de S.Paulo.

Ivone tem longa trajetória no sindicalismo e no partido, ao qual é filiada desde a década de 1990. Nos últimos sete anos, presidiu o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Na segunda-feira (31), foi a primeira mulher eleita para presidir o instituto, com sede no Ipiranga (zona sul da capital paulista).

Ela herdou o posto de Marcio Pochmann, que saiu por causa de um convite do próprio Lula, que o escolheu para a presidência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) -em um processo envolto em críticas às linhas de pensamento do economista por pares de orientação liberal.

A defesa da atuação de Pochmann é um dos muitos pontos em que Ivone ecoa falas de Lula.

Na visão dela, o antecessor, "um profissional técnico maravilhoso", sofreu ataques infundados quando se ventilou até a possibilidade de manipulação de dados no IBGE sob sua batuta.

A aliada elogia também a passagem dele pelo instituto, destacando o incentivo a discussões sobre temas como impactos da revolução tecnológica no trabalho, inclusão digital, desigualdade e migração.

Pochmann, que transmitiu o cargo, diz à reportagem que "a companheira Ivone comprovou sua liderança e ação destacada no Sindicatos dos Bancários, braço importante das lutas em defesa dos interesses da classe trabalhadora", e que "uma nova fase se abre para a grandeza do Instituto Lula".

Ivone tem mandato até 2026 e afirma querer "repetir o espírito de Lula" com o que chama de "democracia do debate", uma referência às conversas que reúnem convidados e conselheiros, na maioria simpáticos ao PT. "É um espaço amplo de debates, o que é a característica do presidente Lula. Ele escuta, dialoga."

Segundo a entidade, programas dos governos anteriores de Lula, como Bolsa Família, Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida, derivaram de discussões feitas no local. A atual configuração dá continuidade ao trabalho do Instituto Cidadania, criado pelo petista e aliados em 1991.

A nova presidente -apresentada como presidenta nos materiais oficiais-- indica pleno alinhamento com o mandatário, que lhe telefonou após a eleição e deu parabéns por ter sido, como já se previa, a escolhida para a missão. Não fez nenhum pedido especial, segundo ela.

Ivone, que é formada em ciências sociais na USP e em 1989 virou funcionária do Itaú, comprou a briga contra os juros estimulada por Lula e concorda que a redução da taxa básica é fundamental.

Mesmo com esse obstáculo, "o governo Lula é maravilhoso", afirma a sindicalista. E continua as louvações ao falar que o petista está recuperando a autoestima do povo brasileiro e que o país "vai melhorar ainda mais, à medida que os projetos forem concretizados e a economia estiver bombando".

Ivone também integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, o chamado "Conselhão", que é usado pelo Planalto como fórum de discussão e aconselhamento.

Entusiasta da diversidade e da inclusão, a sindicalista evita endossar a pressão de militantes sobre Lula para indicar ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma ministra com o mesmo perfil dela, mulher e negra. O presidente não se comprometeu totalmente com o pleito, mas sinaliza levar em conta a demanda.

"Não parei para pensar sobre isso", diz Ivone, ao ser questionada.

"Eu acho que o importante é sempre ter opções de mulheres em todos os lugares. Mas isso [STF] é uma coisa muito particular. Além de ser mulher, ser negra, você tem que olhar todas as questões técnicas e tudo o mais. Mas lógico que defendo mulheres em todos os lugares, né? Sempre vou defender."

A presidente do instituto também desconversa sobre a fritura de mulheres titulares de ministérios, dizendo que só viu a especulação "em linhas de jornal". Para ela, a sociedade quer ver mulheres em postos de comando, e o governo federal tem refletido essa vontade.

"Fico muito feliz quando vejo nós, mulheres, pulando barreiras, que sempre são maiores para nós, e conseguindo alcançar alguns lugares", completa.

O cargo de Ivone foi antes ocupado por pessoas de confiança de Lula, como Pochmann e Paulo Okamotto, que esteve na dianteira da organização entre 2011 e 2020 e permanece na diretoria. Desde fevereiro, ele preside a Fundação Perseu Abramo, braço de estudos do PT.

Okamotto respondia pelo Instituto Lula na fase em que se tornou alvo da Operação Lava Jato. Investigações sobre suspeitas de lavagem de dinheiro resultaram em duas denúncias, que tiveram os processos suspensos em 2021 pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski.

À Folha de S.Paulo Okamotto diz que a entidade foi atacada pela Lava Jato e hoje tem apenas um funcionário, dependendo de voluntários e de parcerias para se manter. Os recursos vêm de doações, mas a prestação de contas é feita só internamente, segundo o ex-presidente e fundador.

No mês passado, Pochmann divulgou uma carta com um pedido de ajuda para financiar os cursos e outras formações. "Somos muito gratos por toda e qualquer doação que recebemos", reforçou, após descrever um quadro de "restrição de atividades e equipe reduzida".

Uma das finalidades do instituto, além de preservar a memória, é a guarda do acervo presidencial dos mandatos passados de Lula. Já os bens relacionados à atual gestão são de responsabilidade da União.

"Foi um privilégio enorme ter à frente do instituto um economista da estatura do Marcio Pochmann, agora sucedido por uma companheira ligada ao movimento sindical, comprometida com as lutas democráticas e populares, e que é uma mulher negra, o que é muito bacana", afirma Okamotto.

Ivone também repudia as apurações da Lava Jato e diz que não passaram de fake news. Durante a campanha do ano passado, o Instituto Lula foi envolvido em uma mentira que difundia a informação inverídica de que em sua sede funcionava o Ipec, uma empresa de pesquisas eleitorais.

A nova presidente é tratada no PT como pré-candidata a vereadora da capital paulista no pleito de 2024, mas não confirma os planos. "Ainda não tenho esse debate, não. Teremos eleição só no ano que vem", responde, quando indagada.


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