BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) saiu em defesa do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que libera juízes para julgar casos em que as partes sejam clientes de escritórios nos quais atuem cônjuges ou parentes.
A entidade disse nesta segunda-feira (21) que a legislação atual é inexequível e deixa os magistrados dependentes de informações de terceiros.
A ação julgada pelo STF, em plenário virtual, foi proposta pela AMB em 2018 e pede a inconstitucionalidade de regra prevista no Código de Processo Civil para o exercício da magistratura.
O inciso questionado diz que o juiz é impedido de julgar processo "em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório".
O STF formou maioria no sábado (19) a favor de derrubar esse inciso. Votaram de forma favorável os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Nesta segunda, André Mendonça se juntou ao grupo, totalizando 7 votos.
Do outro lado, foram contrários os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Luís Roberto Barroso apresentou um voto intermediário, com ressalvas.
Mesmo com a derrubada desse inciso, juízes continuam impedidos de julgar processos de escritórios que tenham cônjuge ou parente em seus quadros. Eles poderão, no entanto, julgar causas dos clientes desses escritórios que estejam representados, na ação, por outras bancas de advogados.
O julgamento em plenário virtual será encerrado às 23h59 desta segunda. Até lá, em tese, os ministros podem pedir vista (mais tempo para análise), destaque (envio do caso para o plenário físico) ou até mudar de voto.
Para a AMB, que fez a manifestação sobre o julgamento em nota, a inexequibilidade do inciso questionado "é de ordem prática".
"O juiz não tem como saber que a parte, em outras demandas na Justiça, é cliente de escritório de um parente seu -já que tal informação não consta no processo", diz a associação.
"Da mesma forma, não é possível exigir dos cidadãos que apresentem, na petição, a lista detalhada de todos os seus advogados, tampouco dos advogados que forneçam ao juiz os nomes completos de todos os seus clientes", afirma.
"A verdade é que a norma legal é inexequível, pois deixa os magistrados em uma posição de dependência de informações de terceiros -as quais, por razões de confidencialidade, não podem ser fornecidas", continua a associação.
"No julgamento do STF, mais do que a constitucionalidade da regra, o que está em jogo é a confiança no sistema de Justiça: afinal, uma lei impraticável, que não pode ser cumprida na realidade, além de ineficaz, compromete a fé dos cidadãos no próprio Estado de Direito."
No Supremo, a regra examinada tem relação com itens que podem ser julgados por Zanin, que era sócio da esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, e outros ministros que têm esposas e filhos na advocacia, casos de Gilmar, Toffoli, Moraes, Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Ao votar pela derrubada do inciso do Código de Processo Penal, o ministro Gilmar Mendes afirmou que as regras de impedimento sempre tiveram como característica o fato de serem verificadas pelo próprio magistrado, e não por terceiros, assim como argumenta a AMB.
"O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar", disse o ministro. Segundo ele, a previsão atual viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Gilmar diz ainda que, para seguir a previsão apontada no Código de Processo Civil, seria necessário o juiz verificar se todas as partes de um processo já foram clientes de um escritório de um parente.
"Mesmo sendo uma regra previamente estabelecida em lei, a norma dá às partes a possibilidade de usar o impedimento como estratégia, definindo quem serão os julgadores da causa", afirmou o ministro.
Zanin, por sua vez, afirmou que a regra combatida é desproporcional, "em grave prejuízo ao serviço público e à segurança jurídica".
"Impedir o parente do magistrado de atuar como advogado, além de ser juridicamente impossível, restringe as oportunidades de terceiro, em afronta à liberdade de iniciativa e ao direito ao trabalho e à subsistência", afirmou Zanin.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) defendeu a constitucionalidade do dispositivo do código, assim como a AGU (Advocacia-Geral da União), que destacou a contribuição da regra para a proteção da imparcialidade do magistrado, "evitando sua fragilização por eventual relação profissional mantida entre seu cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau".
As duas instituições, defensoras de um cenário mais restritivo, afirmaram ainda que eventual dificuldade em se detectar a situação de impedimento pelo próprio magistrado não pode servir de argumento suficiente para afastar a constitucionalidade da norma.
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