SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "O Departamento de Justiça e o FBI buscam informações vinculadas a destinatários de propinas pagas pela Odebrecht e Braskem. Você pode receber até US$ 5 milhões de recompensa", dizia postagem em rede social de um órgão americano em março do ano passado.

Se no Brasil o acordo de colaboração da empreiteira está com seu uso na Justiça praticamente barrado, em vários outros países onde a companhia atuava as revelações trazidas por seus executivos continuam tendo vastas consequências políticas e judiciais.

A construtora, a maior do país, firmou em 2016 um compromisso de colaboração com autoridades de Brasil, Suíça e Estados Unidos no qual reconheceu o pagamento de propinas de US$ 788 milhões em 12 países.

Conhecida como "delação do fim do mundo", no Brasil seus efeitos em casos criminais acabaram sendo limitados, ainda mais depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir invalidar parcela crucial das provas entregues pelos delatores.

A partir de um precedente envolvendo processo do hoje presidente Lula (PT), o Supremo passou em 2021 a considerar inválido o uso dos dados dos sistemas de pagamentos e contabilidade incluído no acordo de colaboração.

O entendimento foi estendido pontualmente a outros réus, que também obtiveram a invalidação dessas provas em seus processos. Até que, na última quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli decidiu ampliar ainda mais a decisão e barrou o uso de qualquer prova do acordo de leniência da Odebrecht em processos judiciais distribuídos por todo o Brasil.

A discussão sobre a validade dessas provas até aqui tem sido lateral em outros países, onde governos travam há anos disputas judiciais com a empreiteira brasileira, hoje rebatizada de Novonor.

A reportagem localizou tramitação recente de desdobramentos em ao menos sete países da América Latina, além dos Estados Unidos.

O mais impactado foi o Peru. Um dos episódios mais traumáticos da história recente do país foi o suicídio do ex-presidente Alan García, em 2019, quando a polícia foi à casa dele para prendê-lo em investigação sobre a empreiteira brasileira.

Os casos seguem no Judiciário local. Na semana passada, Jorge Barata, um ex-executivo da Odebrecht, prestou depoimento em processo e afirmou que a empresa contribuiu financeiramente com as campanhas de quase todos os presidentes eleitos no Peru nas últimas décadas.

Um dos citados, segundo a agência Reuters, foi Alejandro Toledo, que governou de 2001 a 2006 e está preso desde abril após ser extraditado dos Estados Unidos por acusações que envolvem a empreiteira.

Um efeito colateral da derrocada da delação da Odebrecht no Brasil foi uma ordem de Dias Toffoli, em agosto, de barrar depoimento, na Justiça peruana, de testemunhas brasileiras em processo contra o ex-presidente Ollanta Humala.

Também houve decisão do ministro em relação a processo no Equador ?ou seja, o entendimento do Supremo pode afetar ações fora do Brasil.

O Ministério Público equatoriano criticou a tentativa de envolver decisões da corte brasileira em ação em andamento. No país, o Judiciário determinou em maio que haja um ressarcimento de US$ 33 milhões a ser custeado por oito condenados ?um deles, o ex-vice-presidente Jorge Glas.

Um dos principais desdobramentos recentes no exterior ocorreu na Colômbia, com a denúncia de 55 pessoas no mês passado.

Pessoas próximas à Novonor dizem, sob reserva, que, a exceção dos Estados Unidos, a iniciativa de colaboração com autoridades dos demais países foi frustrante porque garantias legais foram desrespeitadas reiteradamente.

Afirmam que, mesmo com compromissos assinados, houve ações de perseguição contra a construtora e de tirar o foco dos demais implicados, em um ambiente legal tumultuado.

No Panamá, dois ex-presidentes ?Ricardo Martinelli e Juan Carlos Varela? foram acusados em 2022 de crime de lavagem de dinheiro em processo sobre a atuação da empreiteira do país. Martinelli, aliás, teve dois filhos condenados à prisão nos Estados Unidos em decorrência das revelações da empreiteira.

Também na República Dominicana houve neste ano julgamento de recurso de um ex-ministro, no qual a condenação por corrupção foi confirmada.

No México, como em outros países, há exploração política das revelações decorrentes do escândalo. No país, o principal envolvido é o ex-chefe da estatal de petróleo Emilio Lozoya, que foi preso em 2020.

O governo do presidente Andrés Manuel López Obrador ainda negocia um ressarcimento com a defesa do ex-executivo, que está preso.

Na Guatemala, onde também houve investigações sobre a empreiteira, o debate neste ano é sobre retaliação contra autoridades que participaram das apurações. A ONG Transparência Internacional criticou em janeiro a iniciativa de "processar judicialmente aqueles que ajudaram a descobrir a corrupção".

Em junho deste ano, em outro desdobramento, a Justiça do Reino Unido autorizou, segundo a imprensa local, a extradição para os Estados Unidos do ex-banqueiro austríaco Peter Weinzierl, acusado de lavar dinheiro para a empreiteira.

As autoridades americanas abriram outras ações desse tipo nos últimos anos.

Os Estados Unidos possuem uma rígida legislação chamada de FCPA (Foreign Corruption Practices Act ?Lei Anticorrupção no Exterior) que permite punir empresas que mantêm negócios no país por pagamento de propina no exterior.

No Brasil, Lula e aliados adotaram discurso de que houve uma articulação internacional para quebrar empresas brasileiras com as investigações da Lava Jato.

O presidente repetiu a tese inclusive após assumir o cargo, em entrevista em março, quando afirmou que os investigadores da Lava Jato estavam em uma mancomunação com o Departamento de Justiça americano.

"Foi uma coisa que envolveu toda a América Latina. E era uma coisa que era para destruir mesmo. Porque as empresas brasileiras estavam ocupando espaço no mundo inteiro."

As mensagens hackeadas em 2019, que mostraram colaboração entre os procuradores do Paraná e o ex-juiz Sergio Moro (hoje senador pela União Brasil-PR), também são mencionadas com frequência por petistas para expor a teoria da influência irregular de autoridades estrangeiras na Lava Jato.

Procurada, a Novonor disse apenas: "Em linha com seus compromissos com a Justiça, a Novonor vem cumprindo os termos dos acordos firmados com diversos países e atendendo às exigências das autoridades designadas".

O empreiteiro Emílio Odebrecht, que também firmou acordo de colaboração, lançou em maio um livro chamado "Uma Guerra contra o Brasil" no qual afirma que "a Lava Jato quebrou a economia brasileira" e que tal situação contou com a orientação de autoridades dos Estados Unidos, com a finalidade de prejudicar quem oferecia concorrência a companhias americanas à época.


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