SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Lula (PT) ampliará o desequilíbrio de ideias no STF (Supremo Tribunal Federal) se indicar um homem para a vaga de Rosa Weber.
A ministra irá completar a idade limite de 75 anos e se aposenta neste fim deste mês. Tudo indica que Lula escolherá mais um homem, tendo como favoritos os ministros Flávio Dino (Justiça) e Jorge Messias (AGU). Com isso, a corte terá só 1 mulher, Cármen Lúcia, entre os 11 ministros.
Nesta segunda (25), o petista disse que não tem pressa para a escolha de sucessor de Rosa e afirmou que gênero e cor não serão critérios.
Especialistas ouvidas pela reportagem apontam que a presença feminina no Supremo é fundamental para garantir a pluralidade de ideias e fazer valer os preceitos democráticos descritos na Constituição.
A professora Nina Ranieri, da Faculdade de Direito da USP, afirma que defender a presença de mulheres agrega qualidade e torna mais equânimes decisões que afetarão a vida de todos, o que não é reconhecido no processo de indicação.
"É impressionante a resistência que os países democráticos têm para ampliar a participação feminina seja na corte suprema, nos parlamentos, em diversos outros locais", diz.
Para ela, se não indicar uma mulher, Lula mostrará que não considera gênero um fator importante. "Isso é muito revelador de uma concepção de sociedade."
O predomínio masculino e branco tem sido uma marca das indicações petistas, responsável por 7 ministros da atual composição.
Das 9 escolhas que fez em seus três mandatos, incluso a de Cristiano Zanin, no primeiro semestre deste ano, Lula indicou apenas 1 mulher, Cármen Lúcia, a segunda a integrar a corte, e um negro, Joaquim Barbosa.
No governo de Dilma Rousseff foram 5 indicações e 1 escolhida, Rosa Weber, mantendo uma mulher na cadeira de Ellen Gracie, a primeira ministra da corte, indicada no ano 2000 por Fernando Henrique Cardoso.
Chiara Ramos, doutoranda em ciências jurídico-políticas pela Universidade de Lisboa e presidente da ONG de equidade racial Abayomi Juristas Negras, afirma que é consenso na teoria do direito não ser possível retirar vieses dos julgadores. Por isso, é importante que integrantes de um órgão colegiado como o Supremo sejam tão diversos quanto possível.
"É muito mais do que uma questão de reparação e representatividade. É uma necessidade imperiosa para um ordenamento jurídico cuja missão é realizar a justiça e a pacificação social", diz, destacando que a pluralidade é um dos princípios fundamentais da Constituição e que é central cumprir esse compromisso na mais alta corte do país.
Flávia Biroli, cientista política e professora da UnB (Universidade de Brasília), afirma que as mulheres são mais da metade dos estudantes do curso de direito e que há mulheres com formação técnica suficiente para ocupar esses cargos de liderança.
"O que justifica reproduzir nas cortes uma ampla maioria masculina?", diz, comparando o quadro às indicações na política. "Estamos falando de um ambiente que predominou, ao longo da história, uma maioria masculina, e o controle masculino desses espaços vai se reproduzir."
Para romper o ciclo, Biroli afirma que é preciso tornar as redes de poder mais plurais com mais mulheres em espaços de liderança.
A professora Luciana Ramos, de Direito Constitucional da FGV, argumenta que a diversidade dos julgadores contribui para fazer valer objetivos constitucionais, além de ser relevante sob o aspecto simbólico.
"Ter perspectivas diversas dentro de um ambiente colegiado como o STF é de extrema importância porque ajuda a fazer juz a um dos objetivos da República, que é a redução das desigualdades, exposto no artigo terceiro da Constituição", afirma.
"Mulheres têm opiniões diversas, mas há mais chances de mudança na tomada de decisão se elas estão mais presentes, já que têm outra perspectiva sobre temas como gravidez", exemplifica.
Além da perspectiva de gênero, há especialistas e movimentos que defendem a indicação inédita de uma mulher negra para o tribunal.
"A tradição política das mulheres negras é fundamentalmente progressista. Existem exemplos diferentes disso, mas eles são quase residuais", diz Gabrielle Abreu, uma das coordenadoras do movimento MND (Mulheres Negras Decidem).
"Ter uma mulher negra progressista nesse espaço é um recado à sociedade de que a justiça brasileira pode ser um caminho de transformação e mudança", acrescenta.
O MND defende os nomes da promotora Lívia Sant'Anna Vaz, da juíza federal Adriana Cruz e da advogada Soraia Mendes para a vaga de Rosa Weber. Segundo Abreu, a lista chegou a interlocutores de Lula, que não se manifestou sobre o tema.
As especialistas ponderam que, embora a indicação feminina não garanta uma abordagem sensível aos problemas que atingem as mulheres de maneira distintas, excluí-las normaliza o viés masculino.
Normas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre gênero e direitos humanos das mulheres foram mapeadas pelo estudo "Gênero e Direitos Humanos no Poder Judiciário Brasileiro", da Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados).
Na gestão de Cármen Lúcia foram fomentadas iniciativas que ajudaram a criar a política judiciária de enfrentamento à violência doméstica e aprovada a política de incentivo à participação feminina no Judiciário.
Sob Rosa Weber, o CNJ aprovou um protocolo para a adoção de perspectiva de gênero nos julgamentos e a política de equidade racial, entre outras normas.
A professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, cita ainda a atuação da ex-ministra Ellen Gracie, que ao presidir o STF, quando a Lei Maria da Penha foi promulgada, estabeleceu ações estratégicas para que as varas e as unidades judiciárias de competência para violência doméstica fossem implementadas em todos os tribunais estaduais.
Outro exemplo é a advogada Deborah Duprat, diz, lembrando que em 2009, ela foi procuradora-geral da República por 22 dias, e, no período, desengavetou e ajuizou ações.
"Uma delas foi a ação sobre o aborto de anencéfalos. Ela ajuizou processo sobre a marcha da maconha, a grilagem na Amazônia, reconhecendo que a regulamentação de algumas áreas impactava os direitos de populações indígenas. Ela também foi responsável pela ação que garantiu a união civil entre homossexuais", afirma Severi.
Antes de encerrar o mandato, a magistrada pautou no CNJ o julgamento de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário e liberou para análise do STF a ação que trata da descriminalização do aborto, da qual é relatora.
Rosa votou a favor da descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação. A ação começou a ser julgada virtualmente no dia 22 passado, mas um pedido de destaque apresentado pelo ministro Luís Roberto Barroso jogou a ação para o plenário físico, ainda sem data definida.
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