BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Lula (PT) pretende usar o episódio da demissão do presidente da EBC, Hélio Doyle, para tentar alinhar e unificar em toda a Esplanada o discurso relacionado com a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
A mudança na empresa de comunicação ampliou o desgaste do governo com a narrativa de guerra. Críticas abertas de aliados aos israelenses já geraram situações de incômodo para o Planalto.
A orientação agora é que todos sigam o "bom senso" em suas manifestações, de acordo com a linha da retórica de Lula sobre o tema e também com as manifestações oficiais da diplomacia brasileira.
As manifestações mais ideológicas, em particular em favor do lado palestino, devem ficar com o PT, evitando assim desgastes para o governo federal ?tanto internamente como no plano internacional.
Nesta quarta-feira (18), Hélio Doyle deixou o comando da EBC após compartilhar nas redes sociais uma série de publicações críticas ao lado israelense, seja de autoria dele próprio ou replicadas de terceiros.
No episódio de maior impacto, o agora ex-presidente da emissora republicou uma mensagem que chama quem apoia Israel de "idiota".
As manifestações aconteceram no momento em que o Brasil ocupa a presidência do Conselho de Segurança da Organização da ONU e, por isso, busca negociar com os dois lados e com as grandes potências um alívio humanitário no conflito.
Uma resolução articulada pelo Brasil, prevendo um cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário, foi derrotada por causa do veto dos Estados Unidos ?apesar de angariar 12 votos favoráveis.
Além disso, o país alega que uma posição de equilíbrio é necessária para manter aberto um canal de diálogo com o objetivo de repatriar todos os brasileiros, retirando-os da zona de conflito.
Em entrevista à Folha, o ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), Paulo Pimenta (PT), afirmou que todos os ministros e membros do primeiro escalão devem ter "bom senso" em suas manifestações.
"Não se trata de falar mal de A ou de B. Trata-se, em primeiro lugar, de tratar com respeito, seriedade, gravidade e delicadeza o momento", afirmou.
"Se a conduta do Brasil é uma conduta de respeito, de busca da promoção da paz, de manter uma capacidade de diálogo com todos os atores que estão nesse cenário de guerra e a garantia da busca com segurança das famílias que estão lá [na zona de conflito], é esse tipo de comportamento e postura que esperamos de todos os servidores e servidoras que têm posição de chefia dentro do governo."
O ministro ainda acrescentou que o tema não é tabu e que não existe uma censura ou proibição para abordar a guerra em comentários ou falas. Mas todos precisam ter cuidado, para que essas manifestações não sejam um "achincalhamento" ou "ataques gratuitos", de acordo com o auxiliar.
"Não existe nenhuma orientação nesse sentido. O que há é uma recomendação de bom senso, de no momento em que o presidente da República tem um posicionamento público sobre o assunto esse posicionamento passa a ser o posicionamento do governo e dos seus principais porta-vozes, que são os ministros e primeiro escalão do governo", afirmou.
"Agora, evidente que todos nós acabamos falando, dando entrevista, manifestamos opinião, preocupações com o que está acontecendo. Somos todos agentes públicos que temos opinião. Agora existe uma distância muito grande entre você ter uma opinião e fazer um achincalhamento, deboche, uma agressão gratuita que não está em sintonia com a conduta com que o presidente espera de cada um de nós."
Interlocutores de Doyle, por sua vez, ponderam que outros membros do governo e do PT também compartilharam mensagens críticas a Israel sobre o conflito e não foram penalizados por isso.
O próprio Pimenta publicou na segunda-feira (17) em uma rede social a nota do PT que elevou o tom numa troca de críticas públicas com a Embaixada de Israel em Brasília. No documento, o partido acusa Israel de cometer genocídio e crimes de guerra.
O governo Lula vem adotando cautela nas manifestações oficiais relacionadas à guerra no Oriente Médio. O presidente vem mantendo conversas praticamente diárias com o chanceler Mauro Vieira e com o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim.
Adepto de falar de improviso, Lula vem sendo aconselhado a tomar cuidado e a preparar previamente suas declarações sobre o conflito. Recluso por estar em recuperação por causa de uma cirurgia no quadril, o mandatário tem usado apenas as suas redes sociais para manifestações.
Ao mesmo tempo em que pede um cessar-fogo do lado israelense, Lula tem cobrado a libertação dos reféns em poder do Hamas.
Ele condenou ainda a explosão de um hospital na Faixa de Gaza, mas não entrou no mérito sobre quem foi responsável por isso ?o episódio está no centro de uma guerra de versões.
A orientação de Pimenta é que todos sigam a linha retórica adotada pelo chefe do Executivo.
A guerra no Oriente Médio, que já deixou mais de 4.000 mortos, entrou na polarização do Brasil rendendo bate-boca nas redes sociais e no Congresso. Além disso, o PT, partido do presidente, protagonizou uma disputa de notas públicas com a embaixada de Israel por seu posicionamento no conflito.
As declarações do partido ?que disse que o representante de Israel no país "não tem autoridade moral para falar em direitos humanos"? levaram aliados de Lula a tentarem nos bastidores descolar o governo da troca de acusações.
A ordem é tratar o bate-boca como uma questão partidária, que não tem relação com a posição oficial do Planalto.
Na segunda-feira (16), o PT divulgou uma resolução sobre o conflito entre Israel e Hamas, iniciado após o grupo terrorista cometer ataques terroristas em território israelense. No texto, o PT condena os atentados do Hamas, mas diz que Israel comete na retaliação crimes de guerra e genocídio.
A acusação provocou uma resposta da missão diplomática. Numa rede social, a embaixada comandada por Daniel Zonshine falou em "extrema falta de compreensão da atual situação".
A réplica do PT veio horas depois. Referindo-se à explosão em um hospital em Gaza que deixou centenas de mortos, o PT disse que "quem representa no Brasil o governo que fez um ataque desta natureza não tem autoridade moral para falar em direitos humanos".
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