BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Uma decisão interna do PT esvaziou a organização de prévias e desencadeou críticas de filiados, que apontam afronta à democracia do partido --e até mesmo questionamentos na Justiça.
No dia 18 de setembro, a Executiva Nacional do PT aprovou uma resolução permitindo que dois terços dos integrantes de diretórios municipais escolham o seu candidato à prefeitura de cada cidade, dispensando nesse caso a realização de prévias. O texto passou por 17 votos contra 12.
"Nos municípios onde não houver consenso, o diretório municipal deliberará até 30 de novembro de 2023 sobre as candidaturas ou propostas de coligação e quando a decisão tiver o apoio de dois terços dos membros da instância, a decisão seguirá imediatamente para a homologação das instâncias superiores", diz a resolução aprovada.
Uma ala do partido reclama que essa decisão contraria o estatuto petista. A norma interna determina que, em caso de dois ou mais postulantes a cargo majoritário, o nome do candidato deve ser escolhido por prévia partidária.
O estatuto prevê ainda que as prévias podem ser dispensadas caso dois terços do diretório correspondente vote nesse sentido. Mas, nesse caso, o candidato passa a ser definido em um encontro partidário, com delegados eleitos para esse fim --não pelos diretórios, que são instâncias menores e controladas por caciques da sigla.
Uma ala do partido apresentou um recurso ao comando do PT afirmando que, além de desrespeitar o estatuto, a decisão afronta a democracia interna. No dia 16 de outubro, esse recurso foi rejeitado em votação no diretório nacional, por 47 votos contra 36.
Com isso, diretórios municipais do PT passaram a planejar as reuniões para definição dos seus candidatos.
O episódio levou o ex-prefeito de Guarulhos Elói Pietá a entrar com uma ação na Justiça para tentar impedir que o nome do PT para a sucessão municipal fosse escolhido sem a realização de prévia ou encontro partidário. Pietá, que postula a candidatura, diz que proceder de outra forma seria uma violação ao estatuto.
A reunião do diretório de Guarulhos para chancelar o candidato petista ocorreu no sábado (21). Pietá não conseguiu uma liminar para suspender a reunião, e o diretório municipal do PT anunciou o deputado federal Alencar Santana como pré-candidato à prefeitura em 2024. Santana foi selecionado com base na decisão da Executiva que empoderou os diretórios a escolher os candidatos.
Pietá afirma que selecionar um candidato pelo diretório municipal --como acabou ocorrendo em Guarulhos-- é uma deformação do princípio partidário da ampla participação.
Ele diz que o PT de Guarulhos tem mais de 25 mil filiados, mas que um colegiado muito menor escolheu o candidato. No caso, Santana foi alçado a pré-candidato com 35 dos 46 votos do diretório municipal.
Em uma reunião recente, o ex-prefeito de Guarulhos chegou a lembrar que, em 1985, o PT não participou do colégio eleitoral para a escolha do presidente da República justamente por reivindicar eleições diretas ao Palácio do Planalto.
Pietá não é a única voz no PT que se queixa abertamente do entendimento imposto pela Executiva Nacional.
Autor do recurso, o secretário nacional de Assuntos Institucionais do PT, Joaquim Soriano, divulgou um documento afirmando que "contrariar o sentido fundante do partido criado de baixo para cima é um retrocesso que precisa ser evitado".
Segundo ele, o PT aponta as prévias como a "máxima democracia". Nesse sentido, diz, delegar a dois terços da direção municipal eleita em 2019 a definição das candidaturas é um "gigantesco erro".
Ainda de acordo com Soriano, essa decisão "pode consolidar dentro do partido uma ideia nefasta: a de que maiorias podem tudo".
Qualquer alteração no estatuto do PT tem que ser aprovada em encontro nacional do partido. O próximo está previsto para ocorrer apenas em 2025.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), rebateu as críticas e disse que o objetivo da mudança é buscar soluções políticas para impasses. Gleisi é integrante da corrente majoritária no PT, a Construindo um Novo Brasil, a mesma do presidente Lula (PT).
"O objetivo da resolução é estimular a construção de consensos e maiorias internas na indicação de candidaturas, de forma a concentrar as energias na disputa contra os adversários eleitorais em 2024", disse Gleisi à reportagem.
Segundo ela, é natural que existam situações pontuais em que a construção seja mais difícil. "As prévias não estão proibidas, o estatuto prevê que se tiver dois terços dos membros do diretório contra prévias, elas não serão realizadas. A orientação do diretório nacional nessa resolução é buscar solução na política", justificou.
Pietá, por sua vez, argumentou que recorreu à Justiça por não haver previsão antes do pleito municipal de encontro nacional do partido, no qual ele poderia apresentar um recurso. Segundo o ex-prefeito, outros municípios podem ser afetados pelo entendimento da Executiva Nacional.
Em Fortaleza, por exemplo, existe a possibilidade de a ex-prefeita Luizianne Lins, embora popular com a militância petista, não ter apoio da maioria do diretório local para ser candidata.
"Estamos defendendo o direito de a maioria dos filiados escolherem", disse Pietá.
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