SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nunca escondeu sua proximidade com o setor agro desde a época da campanha eleitoral.

Prestes a completar um ano no cargo, o bolsonarista tem intensificado os elos com o setor. Os movimentos vão desde lançamento de pacotão para o agro, passando por ampliação de entregas de terras a fazendeiros até um discurso duro que tem como alvo movimentos de trabalhadores rurais sem terra.

Em evento recente de anúncio do "maior pacote já lançado de ações para o agro paulista", por exemplo, ele afirmou que não haverá invasões de terras no estado e ameaçou os grupos de prisão.

"No tal do fevereiro vermelho, tentaram invadir algumas propriedades, foram 19 tentativas, todas imediatamente debeladas. E aqueles criminosos que procuraram extorquir proprietários rurais, levar vantagem indevida, foram presos, foram para a cadeia. Esse é o tratamento que nós vamos dar a quem não respeita o direito de propriedade no nosso estado", afirmou, em discurso.

A cobrança por segurança, inclusive contra invasões, é uma das demandas do agro.

Nesse contexto, o programa Rotas Rurais, que promove endereçamento das propriedades, deve facilitar a chegada da polícia mais rapidamente para atender ocorrências --além da questão da segurança, o programa visa melhorar o acesso a serviços e fluxo do comércio.

O caso policial lembrado pelo governador e por membros do governo com frequência se refere à prisão em março de José Rainha Júnior e Luciano de Lima, que lideram a FNL (Frente Nacional de Luta Campo e Cidade). Eles são suspeitos de extorquir fazendeiros. A FNL diz que a prisão teve "cunho político".

A ameaça de prisão a invasores de terras afaga uma parte da base de apoio com a qual Tarcísio anda em baixa, o bolsonarismo raiz.

Atualmente, o governador sofre críticas do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e vê um bloco de deputados próximo a ele se insurgir para criar um bloco na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), em movimentos motivados por uma suposta falta de conservadorismo de Tarcísio.

A administração também dobrou a aposta em outra iniciativa que se choca com movimentos de sem-terra, o programa que dá desconto de até 90% na entrega de terras a fazendeiros.

A legislação beneficia aqueles que estão em terras ocupadas de maneira irregular, o que inclui áreas julgadas devolutas (áreas públicas que nunca receberam uma destinação específica por parte do poder público e jamais foram propriedade particular).

Tarcísio enviou à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) um projeto de lei que estende de janeiro de 2024 para o fim de 2026 o prazo para que os fazendeiros possam aderir a acordos para a compra de terras com descontos. O objetivo é que mais gente seja beneficiada pela lei.

A legislação é questionada pelo PT no STF (Supremo Tribunal Federal), sob o argumento de que repassa a preços módicos terras que deveriam ser usadas na reforma agrária.

Tarcísio, porém, tem gastado sola de sapato e usado o próprio capital político para falar com ministros em favor da legislação --após conversa dele com membros da corte, o julgamento do assunto acabou adiado.

Conforme a Folha revelou em maio, um vídeo anexado na ação proposta pelo PT mostra o então diretor-executivo do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Guilherme Piai, orientando pela agilização de processos antes que a lei caia.

Desde que o vídeo veio à tona, Piai ganhou pontos com Tarcísio e foi promovido a Secretário de Agricultura e Abastecimento, com a missão de destravar promessas ao agro.

O novo titular da pasta tem ganhado elogios públicos de Tarcísio. Piai chegou a ser cotado para disputar o cargo de prefeito de Presidente Prudente no ano que vem, mas deve ficar na pasta e usar o protagonismo que adquiriu no governo em favor de algum candidato que indicará.

Diferentemente de outras pastas da gestão, a de Agricultura teve o orçamento de sua secretaria ampliado neste ano --de R$ 1,092 bilhão para R$ 1,135 bilhão, segundo o site do governo. De acordo com a secretaria, isso se deve à incorporação do Itesp, que antes ficava sob o guarda-chuva da pasta da Justiça.

Entre as políticas da pasta, está o recém-lançado SP Agro, um pacote que inclui diversas políticas ao setor. Entre elas estão a sanção da lei que oficializa as Rotas Rurais, um comitê para combater praga que afeta a produção de laranjas (Greening) e ampliação da frota para fazer controle sanitário rural. Outra prioridade será a conectividade na zona rural.

Ao passo que acenam aos fazendeiros, as políticas desenvolvidas pelo governo são alvo de críticas dos militantes sem-terra, que veem a tensão crescer no campo junto a uma falta de soluções para resolver os problemas na agricultura paulista.

Entre os relatos ouvidos pela reportagem, está o de viaturas policiais passando com frequência próximo a assentamentos, como se a ameaça velada do governador estivesse sempre à porta.

Membro da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em São Paulo, Gilmar Mauro afirma que a postura do governo Tarcísio acirra os ânimos no campo.

"Esse discurso ideológico [do governo], de alguma forma empodera esse público [fazendeiros] que é belicista, que se arma, que quer matar, que não quer resolver os problemas sociais", diz Mauro.

O movimento critica a lei que entrega a terras aos fazendeiros por impossibilitar a reforma agrária e também por supostamente ir na contramão de preocupações ambientais em relação à agricultura.

"São Paulo já está tendo que irrigar a cana-de-açúcar, a produtividade da laranja está caindo, ou seja, nós precisamos de política pública de reflorestamento, precisaríamos de créditos para a produção de comida e resolver o problema da fome, e o que a gente está tendo é viaturas, ou seja, não faz o menor sentido. Os problemas sociais não vão ser resolvidos com repressão", diz.

O movimento propõe uma política de assentamentos com reflorestamento, em oposição ao modelo tradicional de latifundiários paulistas.

Apesar do discurso duro do governo com movimentos, a reportagem apurou que há conversas com a administração intermediadas pelo secretário de Governo de Tarcísio, Gilberto Kassab (PSD), que tem bom trânsito com a esquerda.

Procurado sobre o assunto, o governo afirmou que "a atuação firme contra invasões ilegais de terras produtivas não pode ser interpretada como crítica ou repressão a movimentos que agem dentro da lei".

"Somente em 2023, 1.737 produtores rurais de assentamentos receberam títulos de regularização fundiária do Estado, condição básica para que sejam formalizados como pequenas propriedades rurais com acesso a crédito e políticas públicas de fomento à agricultura. Ao priorizar a regularização de terras e a paz no campo, o Estado põe fim a conflitos rurais e fomenta o desenvolvimento social e econômico de todo o território paulista", diz o governo.


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