BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os ministérios da Defesa e da Justiça se opuseram em discussões internas sobre quem deveria comandar a operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) determinada pelo presidente Lula (PT) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo, mostram documentos obtidos pela Folha de S.Paulo.

O embate, cujo pano de fundo é a desconfiança do governo Lula com os militares, foi tratado em pareceres técnicos e jurídicos internos que embasaram o decreto da GLO.

Durante as discussões, oficiais do Ministério da Defesa escreveram que, logo após a assinatura do decreto, o Estado deveria "transferir, mediante ato formal, o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações".

Na prática, a pasta comandada pelo ministro José Múcio Monteiro defendia que o oficial-general responsável pela operação de GLO assumisse o controle das agências no local que participam da operação, como a Polícia Federal e a Receita Federal.

"O Decreto deve prever de forma clara e expressa a ocorrência do controle operacional, o qual consiste no poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais", prossegue o documento chamado de "Exposição de Motivos".

A defesa de uma subordinação entre os órgãos na GLO, com oficial-general no comando, é ainda reforçada em parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, produzido pela advogada da União Carolina Cardoso.

"A decretação de GLO é essencial para que as Forças Armadas assumam o controle operacional dos órgãos de segurança pública, bem como para configurar tais ações de policiamento ostensivo como atividades de natureza militar", escreveu Cardoso no documento.

A minuta de decreto escrita por militares no Ministério da Defesa ainda destacou que a "atividade desempenhada em cumprimento ao disposto neste Decreto é considerada de natureza militar e por determinação presidencial".

O texto lista ainda uma série de artigos de leis e decretos que tratam sobre a proeminência de oficiais nesse tipo de operação.

Como a Folha mostrou, a cúpula do Ministério da Justiça e da Polícia Federal foram contra a relação de subordinação aos militares na operação de GLO. Durante as discussões do decreto, decidiram escrever o texto na medida para prever uma atuação articulada, e não sob coordenação militar.

No documento final que justificava a atuação da GLO, os ministros José Múcio e Flávio Dino (Justiça) ainda fizeram afagos à Polícia Federal e à Receita.

"O emprego das Forças Armadas sugerido por meio do decreto em comento ocorrerá em articulação com os órgãos de segurança pública, a fim de que possa haver contribuição recíproca dos serviços de inteligência e dos órgãos operacionais do Sistema Único de Segurança Pública e das Forças Armadas", diz trecho do documento assinado pelos ministros.

"Não se ignora o relevante trabalho efetuado pela Polícia Federal e pela Receita Federal em portos e aeroportos, que terá prosseguimento, desta feita em coordenação com as Forças Armadas [...]. O presente decreto irá contribuir para a atuação dos referidos órgãos federais, na medida em que os seus efetivos serão empregados com maior eficiência, suprindo ou minimizando carência de meios", conclui.

A Polícia Federal e o Exército acumulam atritos desde o período de transição do governo Lula, que envolveram a segurança do presidente e as investigações do 8 de janeiro, além da participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de militares em atos que questionaram o resultado eleitoral de 2022.

Os desgastes aumentaram na disputa entre militares e policiais pela segurança presidencial e com operações da PF contra oficiais.

Para evitar que o impasse do comando da operação militar fosse elevado a nova crise entre as instituições, o governo Lula criou, informalmente, um comitê composto por membros da Defesa e da Justiça para acompanhar as ações da GLO e discutir os rumos da operação.

A primeira reunião do grupo, porém, já foi marcada por tensão. O vice-almirante Paulo Renato Rohwer, do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, e o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, trocaram farpas. As reclamações sobre a postura do militar chegaram a Múcio, que o retirou do colegiado.

Em nota, o Ministério da Defesa disse que "o comando da operação [de GLO] é militar" e que leis e decretos "preveem a transferência do controle operacional dos órgãos de segurança pública quando necessário ao desenvolvimento das ações".

A pasta da Justiça, por outro lado, refutou a proeminência militar na operação. "A coordenação é compartilhada, com reuniões semanais entre as equipes", rebateu.

Os documentos obtidos pela Folha ainda mostram que as equipes técnicas dos dois ministérios discutiram sobre dois artigos que tratavam de temas tecnicamente desnecessários para a redação do decreto.

Um desses artigos tratava sobre o fortalecimento do emprego de militares na faixa de fronteira, o que já ocorre mediante decisão dos comandos militares; outro estabelecia prazo para que o governo criasse plano para modernizar a tecnologia usada nas operações contra o tráfico de drogas.

Uma nota técnica da SAJ (Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos) concluiu que os dois pontos eram considerados "tecnicamente dispensáveis" para o decreto, mas foram incluídos pela Presidência da República por "opção política".


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