SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A volta de Marta Suplicy ao PT para ser a vice de Guilherme Boulos (PSOL) na eleição para a Prefeitura de São Paulo terá impactos sobre a campanha dele e exigirá adaptações de adversários como Ricardo Nunes (MDB), que mira a reeleição e perdeu a ex-secretária para o rival, e Tabata Amaral (PSB).
A costura feita pelo presidente Lula (PT) é celebrada como trunfo do deputado federal e líder nas pesquisas, enquanto há resistências no PT e no PSOL à aliança. Adversários relativizam a influência de Marta e os benefícios para Boulos, mas monitoram o cenário.
Como antecipou a Folha em novembro, a articulação para repatriar Marta incluiu um convite de Lula para ela retornar ao partido com o qual rompeu em 2015, após 33 anos filiada. A ex-prefeita se tornou persona non grata na legenda após as críticas e o voto pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Na terça-feira (9), um dia após se encontrar com o petista no Palácio do Planalto, ela saiu da gestão Nunes, onde era secretária municipal de Relações Internacionais. Neste sábado (13), recebeu Boulos para um almoço em seu apartamento que selou a parceria e pavimentou a refiliação.
Movendo-se pelo pragmatismo para vencer o pleito e barrar qualquer projeto ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), hoje considerado por Nunes como seu apoiador, o campo de Lula e Boulos aposta em legados de quando Marta, pelo PT, governou a cidade (2001-2004).
O arranjo também é justificado por atributos que ela emprestaria à chapa para complementar o perfil do titular e atenuar deficiências dele: trânsito tanto com a população pobre da periferia quanto com elite e setor privado, experiência no Executivo, abertura ao diálogo e uma dose de moderação.
A jogada é semelhante à feita por Lula em 2022 ao atrair para sua vice o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB).
A campanha do psolista vê a dobradinha com Marta como um duplo acerto, por ter ao mesmo tempo fortalecido o deputado e prejudicado seu principal rival --Nunes deixa correr solta a narrativa de que a ex-auxiliar cometeu uma traição e que a ida dela para o outro lado vai expor contradições.
Como foi secretária do prefeito por quase três anos, ela deverá poupá-lo de críticas diretas. "A Marta pode ser um ativo importante para diagnosticar as falhas e ajudar a mostrar as fragilidades do governo de que participou", diz o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT).
Aliados e estrategistas do prefeito minimizam os efeitos da união entre Marta e Boulos, com a análise de que os dois fazem parte do mesmo campo político e, portanto, seus eleitores são sobrepostos.
As derrotas de Marta nas eleições municipais de 2004, 2008 e 2016 são lembradas por interlocutores de Nunes como um indício de que o recall (lembrança do nome) dela não é tão forte e que sua administração não é tão bem avaliada como propaga a esquerda.
Eles admitem, contudo, que Marta agrega aspectos positivos a Boulos, que poderá explorar na campanha a memória de marcas da ex-prefeita como CEUs, Bilhete Único e corredores de ônibus, ao mesmo tempo que ganha uma "vacina" para as críticas à sua inexperiência administrativa.
Membros da equipe de Nunes, no entanto, afirmam que a rejeição a Marta dentro do PT e do PSOL deve gerar munição contra a ex-prefeita. O plano é não responder ou reagir por enquanto à perda da ex-aliada para o campo rival --já que haverá confusão do lado oposto de qualquer maneira.
O envolvimento de Lula na operação tende a neutralizá-las, mas oposições internas já causam ruídos. Líder de uma corrente mais à esquerda no PT, o historiador Valter Pomar fez críticas à reacomodação de Marta e quer que o tema seja votado no diretório nacional.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) defende a realização de prévias para definir o vice. Ex-marido de Marta, ele prega necessidade de debate e consulta aos filiados. A cúpula da sigla vê problemas isolados e nenhuma possibilidade de reviravolta.
No PSOL, as divergências com a ex-prefeita motivaram contestações das deputadas Luiza Erundina e Sâmia Bomfim (ambas de SP). O grupo de Boulos, no entanto, diz que a chance de veto é nula.
Para convencer os militantes avessos à reaproximação, têm sido usado argumentos como o de que Marta sempre combateu Bolsonaro --apoiou Lula mesmo estando no secretariado de Nunes-- e que sua presença na chapa será uma forma de reverenciar as três gestões petistas na capital.
No entorno do prefeito, outra avaliação é a de que a escolha de Marta é, na verdade, um revés para o PT, que abriu mão de ter candidato próprio e agora tampouco teria a vice. Isso porque a ex-prefeita não seria um nome orgânico que representa o partido atualmente, o que poderá desmotivar a militância.
Segundo pesquisas internas que circulam na equipe do emedebista, um terço dos eleitores de Boulos considera positiva a chapa com Marta, mas outro terço a vê como uma traidora em quem não é possível confiar --o terço restante é indiferente.
No lado da direita, a chapa Boulos-Marta deu munição a bolsonaristas contra Nunes --com a versão de que a saída aliada para apoiar o principal rival expõe as deficiências da administração.
Aliados de Ricardo Salles (PL), deputado que busca o apoio de Bolsonaro para concorrer, dizem que o episódio atrapalhou Nunes ao evidenciar a falta de unidade no grupo do prefeito, mas não veem ganho ou prejuízo para o segmento do ex-presidente.
Membros do PT reconhecem a sobreposição, mas negam que isso seja um problema porque, nas palavras de um petista, quanto mais voto melhor. Parte lembra que, em 2020, Boulos perdeu de Bruno Covas (PSDB) mesmo em regiões periféricas, o que indica que Marta deve, sim, somar.
A avaliação é que eleitores dessas áreas poderiam ser atraídos por Nunes, que tem a máquina na mão.
"Marta pode ajudar nos setores com tendência a votar no PT: o eleitor da periferia, mais pobre, que foi beneficiado por políticas dela", diz o deputado estadual Simão Pedro (PT). "Talvez o eleitor não saiba que o Boulos tem o apoio do PT, e ela sempre foi vista como uma pessoa ligada ao partido."
Na candidatura de Tabata, há ceticismo sobre impactos da entrada de Marta. O marqueteiro Pablo Nobel diz que a composição é um erro estratégico. "[Ela] pouco acrescenta à campanha do Boulos. Acontece uma sobreposição do voto e um possível aumento na somatória da rejeição de ambos."
Interlocutores da deputada federal afirmam que a estratégia de se descolar da polarização e priorizar a discussão de propostas para problemas reais do cidadão será preservada. Para conselheiros de Tabata, Boulos será questionado por atacar a atual gestão tendo a seu lado uma ex-secretária municipal.
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