BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A divulgação de 27 depoimentos dados por militares, políticos e ex-assessores de Jair Bolsonaro (PL) reforçou a suspeita investigada pela Polícia Federal sobre a atuação do ex-presidente no comando de uma trama no final de 2022 para mantê-lo no poder e evitar a posse de Lula (PT).

Duas figuras-chave, os então comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior, fizeram afirmações à PF que implicam não só Bolsonaro, mas também seu ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira, e o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos.

Os depoimentos dos dois comandantes trazem mais detalhes de reuniões e pressões que apontam para uma discussão na alta cúpula da gestão Bolsonaro para a adoção de medidas de exceção que incluiriam a prisão de autoridades, como o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes.

O saldo da investigação da PF até o momento aponta para indícios de que, sob o comando de Bolsonaro, alguns ministros, assessores, militares de alta patente e até pessoas de fora do governo participaram de entendimentos com vistas a um golpe de Estado.

Entre outros, Paulo Sérgio e seu antecessor na função, o também general da reserva Walter Braga Netto (que foi vice na chapa de Bolsonaro), o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e o ministro Anderson Torres (Justiça).

O golpe que só não foi para frente, nas palavras do ex-comandante da FAB (Força Aérea Brasileira), porque Freire Gomes não concordou.

"Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta de decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante respondeu: que sim, que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente, a tentativa de golpe de Estado teria se consumado", diz trecho do depoimento de Baptista Júnior à PF.

Baptista Júnior e Freire Gomes prestaram longos depoimentos à PF após serem citados na representação que deu origem à Operação Tempus Veritatis, deflagrada em 8 de fevereiro e que fez buscas contra Bolsonaro e prendeu militares apontados como integrantes da trama golpista.

No documento, a PF afirmava que os elementos colhidos até aquele momento indicavam que os dois resistiram "às investidas do grupo golpista".

Baptista Júnior também afirmou à PF que Freire Gomes chegou a comunicar que teria que prender Bolsonaro caso ele tentasse colocar em prática um golpe de Estado.

"Depois de o presidente da República Jair Bolsonaro aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático por meio de alguns institutos previstos na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio), o então comandante do Exército, General Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República", disse o ex-comandante da FAB.

As defesas dos principais citados evitaram comentar os depoimentos ou não responderam aos pedidos de entrevista. Fabio Wajngarten, advogado de Bolsonaro, criticou nas redes sociais o general Marco Antônio Freire Gomes, mas sem responder diretamente ao que foi falado à PF.

Em seu depoimentos, os ex-comandantes da FAB e do Exército dizem que Paulo Sérgio Nogueira convocou um encontro no próprio Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022, para apresentar uma minuta de golpe " para conhecimento e revisão" dos comandantes.

O então comandante da Aeronáutica disse ter deixado o gabinete do ministro antes do término do encontro.

"O depoente [Baptista Júnior] entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; que, diante disso, o depoente disse ao ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; que a Força Aérea não admitiria tal hipótese (golpe de Estado)", diz trecho da transcrição do depoimento.

Freire Gomes, por sua vez, afirmou que a minuta levada pelo ministro era "mais abrangente" do que a apresentada dias antes pelo ex-presidente Bolsonaro.

O texto também decretava o estado de defesa e criava a Comissão de Regularidade Eleitoral --medidas previstas no texto encontrado na casa de Anderson Torres.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, Freire Gomes também afirmou à PF que a minuta golpista encontrada na casa de Torres é a mesma versão que foi apresentada por Bolsonaro aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

Paulo Sérgio chegou à Defesa quando o governo Bolsonaro já realizava uma cruzada contra o sistema eleitoral. Foi sob sua responsabilidade que foi criada uma equipe de militares para fiscalizar o processo eleitoral e foram intensificadas as críticas a supostas vulnerabilidades das urnas eletrônicas.

Mesmo sem a equipe das Forças Armadas ter identificado nenhuma fraude ou suspeita no processo eleitoral, o ex-ministro divulgou nota dizendo que o trabalho dos militares não poderia nem confirmar nem negar a lisura da eleição.

Os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica também seguiram a mesma versão quando questionados sobre a participação Garnier Santos. Freire Gomes disse que o almirante teria se colocado "à disposição" de Bolsonaro durante uma das reuniões em que foi discutida uma das versões da minuta golpista.

Baptista Júnior não só afirmou que o comandante da Marinha sinalizou apoio como disse que ele colocou tropas à disposição de Bolsonaro ao discutir planos para tentar impedir a posse de Lula.

Também em depoimento à PF, o presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, afirmou que apresentou ação à Justiça Eleitoral questionando o resultado das eleições apenas devido a pressão do ex-presidente.

Bolsonaro já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é alvo de diferentes outras investigações no STF. Neste momento, ele está inelegível ao menos até 2030.

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.

O inquérito que investiga a participação de Bolsonaro, ex-ministros e militares na trama golpista está na fase final. A PF deve concluir a investigação e decidir sobre o indiciamento dos envolvidos.

Em seguida, caberá ao Ministério Público Federal analisar a investigação e decidir se apresenta denúncia contra os suspeitos. Caso seja aceita pelo Judiciário, os denunciados se tornam réus e respondem ao STF pelos crimes imputados.


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