A pesquisadora considera que a rede municipal tem bons resultados e se destaca em relação às demais capitais, mesmo com condições de trabalho piores do que as de uma década atrás. Como resultado, os docentes têm ido para redes próximas, na própria região metropolitana, pois "a rede acaba não sendo atrativa para buscar profissionais". "Se você não consegue recrutar e manter os professores que você tem, acaba comprometendo, pela rotatividade e precariedade, esse lugar de referência e a formação, nesse processo de qualificação e formação continuada, que vem de muitos anos", diz ela.
Letícia destacou também que a questão de acessibilidade é presente na rede, principalmente para crianças com dificuldade de locomoção. Ela destaca que equipamentos mais recentes, como os centros municipais de Educação Infantil (Cemeis), tem condições melhores, com estruturas mais adaptadas às deficiências, mas as escolas municipais, em geral, são muito antigas, com crescimento intenso nos anos 1970 e 1980 e redução no ritmo de expansão a partir da década de 1990.
"Nessas escolas mais antigas não se tinha essa preocupação e não existe um plano de acessibilidade que faça frente a esse investimento necessário. As escolas recebem esporadicamente recursos, inclusive de repasse federal, para pequenas obras de acessibilidade, mas isso fica muito aquém do que a gente precisa. Não existe um plano de acessibilidade que encare essa questão como uma urgência, e as ações que são feitas são muito pontuais", pondera Letícia, ao apontar que o desafio tem se tornado mais urgente com o aumento da procura das famílias pela educação inclusiva em escola regular.
Outro ponto importante e ignorado na discussão da inclusão é a regularização do atendimento pelos profissionais de apoio, categoria inexistente na rede municipal. O acompanhamento das crianças com demandas específicas advindas de deficiências é feito por meio de convênios, por estagiários, que criam um vínculo mais frágil com esse público.
Letícia Mara avalia que a campanha eleitoral não aprofunda o debate público sobre educação, e eventuais mudanças só devem vir com o novo Plano Municipal de Educação, que deve ser debatido em 2025. "A cidade tem recursos, com aumento de arrecadação nos últimos anos, e esses pontos precisam ser considerados como prioridade para que o direito à educação seja plenamente garantido", completa a pesquisadora.
A saúde também é tema de destaque na cidade e um forte indutor de desigualdades. No caso da mortalidade infantil, segundo dados do IBGE, Curitiba tem taxa de 8,59 óbitos por mil nascidos vivos e ocupa a 3.355º posição no país, de um total de 5.570 municípios. O ODS 2, de erradicação da fome, no qual estão compilados indicadores como a obesidade infantil e o baixo peso ao nascer, tem pontuação de 56,25 (de 100), e há desafios na cobertura vacinal e na cobertura de unidades básicas de saúde, presentes no ODS 3.
Segundo o professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR Deivisson Vianna, membro da atual gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, apenas 17% da população da cidade tem agentes comunitários de saúde (ACSs) de referência, profissionais considerados cruciais para a manutenção de bons índices de vacinação e de outras estratégias de promoção de saúde, como as necessárias para promover o atendimento pré-natal e pediátrico na primeira infância.
"O ACS verifica a situação da criança ao sair do hospital, a amamentação, a cobertura vacinal, que também está abaixo do ideal no município. A cidade está pagando a conta do baixo investimento na atenção primária. Isso é um tema marginal, de alguns candidatos, na campanha, um assunto que passa desapercebido da população, focada em hospitais e ambulâncias, mas que não percebe o impacto real do atendimento básico", diz Vianna.
De acordo com o professor, a rede de saúde foi duramente impactada pela pandemia, por uma opção da gestão municipal. Segundo ele, na época do pico da pandemia, cerca de metade das unidades básicas de saúde (UBSs) foram fechadas temporariamente. Quando reabertas, perderam muito de sua capacidade de resolver problemas das populações que as tinham por referência, após a diminuição no investimento nessas estratégias.
"A atenção primária, e toda sua capilaridade [por estarem descentralizadas nos bairros], tem papel fundamental para evitar as desigualdades de acesso, principalmente de populações mais vulnerabilizadas, que sofrem mais com o acesso às estruturas de saúde. A gente não vê no município políticas específicas de saúde com cortes raciais, e a cidade aparentemente entende que isso não é uma questão", completa Vianna.
"O aumento da demanda tende a piorar o cuidado prestado a essas populações, pois para as populações vulnerabilizadas se exige maior intensidade de tecnologias leves de cuidado, com presença de mais equipes e a capacidade de compreender os problemas de forma intersetorial, articular o cuidado com outras políticas públicas, como a busca ativa", acrescenta o pesquisador, para quem momentos de maior demanda invertem a lógica de atendimento, que passa a ser de resoluções sintomáticas, para a qual esses grupos sociais acabam escanteados.
Vianna destacou ainda que, na campanha eleitoral curitibana, hoje, a saúde não está no foco principal. As soluções propostas nos programas de governo são genéricas e poucas mencionam a importância do fortalecimento da atenção primária. Os hospital, pronto-atendimento e a urgência e emergência são o foco das propostas.
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