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       N?o sabia onde estava.
       ? sa?da do bosque sagrado encontrou Iracema: a virgem reclina-
va num tronco ?spero do arvoredo; tinha os olhos no ch?o; o sangue
fugira das faces; o cora??o lhe tremia nos l?bios, como gota de orva-

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lho nas folhas do bambu.
       N?o tinha sorrisos, nem cores, a virgem indiana; n?o tem borbu-
lhas, nem rosas, a ac?cia que o sol crestou; n?o tem azul nem estrelas,
a noite que enlutam os ventos.
       — As flores da mata j? abriram aos raios do sol; as aves j? can-

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taram — disse o guerreiro. — Por que s? Iracema curva a fronte e
emudece?
       A filha do paj? estremeceu. Assim estremece a verde palma,
quando a haste fr?gil foi abalada; rorejam do espato as l?grimas da
chuva e os leques ciciam brandamente.

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       — O guerreiro Caubi vai chegar ? taba de seus irm?os. O estran-
geiro poder? partir com o sol que vem nascendo.
       — Iracema quer ver o estrangeiro fora dos campos dos tabajaras;
ent?o a alegria voltar? a seu seio. A juriti, quando a ?rvore seca, foge
do ninho em que nasceu. Nunca mais a alegria voltar? ao seio de Ira-

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cema: ela vai ficar, como o tronco nu, sem ramas, nem sombras.
       Martim amparou o corpo tr?mulo da virgem; ela reclinou l?ngui-
da sobre o peito do guerreiro, como o tenro p?mpano da baunilha que
enla?a o rijo galho do angico.
       O mancebo murmurou:

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       — Teu h?spede fica, virgem dos olhos negros: ele fica para ver
abrir em tuas faces a flor da alegria e para sorver, como o colibri, o
mel de teus l?bios.
       Iracema soltou-se dos bra?os do mancebo e olhou-o com tristeza:
       — Guerreiro branco, Iracema ? filha do paj?, e guarda o segredo

30 da jurema. O guerreiro que possu?sse a virgem de Tup? morreria.
       — E Iracema?
       — Pois que tu morrias!…

 

a) Explique, com suas palavras, qual o papel deste di?logo entre Iracema e Martim dentro da est?ria.

Iracema e Martim conversam sobre seu necess?rio afastamento. Martim, que ? inimigo dos tabajaras, povo de Iracema, deve deixar a aldeia onde est? hospedado, fazendo uma viagem em que seria guiado por Caubi (irm?o de Iracema). Os dois jovens sofrem porque est?o apaixonados e conhecem as grandes dificuldades postas para o seu amor: da parte de Martim, raz?es pol?ticas; da parte de Iracema, o seu voto religioso de castidade.

 

b) No romance, Iracema e Martim s?o dois jovens que namoram e muitas vezes conversam sobre seu amor e sobre os obst?culos a este amor. Quais as principais diferen?as que voc? observa entre a maneira como Iracema e Martim conversam e uma conversa normal, contempor?nea?

Em primeiro lugar, Iracema e Martim empregam um vocabul?rio raro, com muitas imagens po?ticas, e constru?es frasais pr?prias da escrita. Numa conversa normal, as pessoas se interromperiam, gaguejariam, hesitariam, usariam palavras comuns e g?rias.

Em segundo lugar, Iracema e Martim nunca usam EU ou TU/VOC?: referem-se sempre a si mesmos, ou a seu interlocutor, na 3? pessoa do singular.

 

Quest?o 02

Ant?nio C?ndido, um dos maiores pensadores brasileiros deste s?culo, diz sobre Iracema que

"(…) brota no limite da poesia, como o exemplar mais perfeito da prosa po?tica na fic??o rom?ntica — realizando o ideal t?o acariciado de integrar a express?o liter?ria numa ordem mais plena da evoca??o pl?stica e musical. M?sica figurativa ao gosto do tempo e do meio. (…)"

(C?NDIDO, Ant?nio. Forma??o da literatura brasileira.)

O pr?prio Jos? de Alencar, em carta ao Dr. Jaguaribe sobre a 1a. edi??o de seu livro, diz que adotou este estilo para melhor representar os ?ndios, seus personagens. Tanto assim que afirma

"(…) Ocorre-me um exemplo tirado deste livro. Guia, chamavam os ind?genas, ‘senhor do caminho’, pinguara. A beleza da express?o selvagem, em sua tradu??o literal (…) me parece bem saliente.(…) O caminho no estado selvagem n?o existe; n?o ? coisa de saber; faz-se na ocasi?o da marcha atrav?s da floresta ou do campo, e em certa dire??o; aquele que o tem e o d? ? realmente o senhor do caminho.

N?o ? bonito? N?o est? a? uma j?ia da poesia nacional? (…)"

(ALENCAR, Jos? de. Iracema.)

Agora que voc? j? sabe como raciocina Alencar, explique o seguinte conjunto de imagens que voc? leu no fragmento acima (linhas 6-8):

"N?o tinha sorrisos, nem cores, a virgem indiana; n?o tem borbulhas, nem rosas, a ac?cia que o sol crestou; n?o tem azul nem estrelas, a noite que enlutam os ventos."

Iracema, entristecida pela proximidade da viagem de Martim, ? comparada a uma ?rvore ressecada, despojada de seus enfeites, ou a uma noite sombria, em que as nuvens encobrem o c?u e as estrelas. [ Alencar escreve figuradamente para realizar o ideal rom?ntico da pureza e da originalidade da express?o de uma realidade inteiramente nova.]

 

Quest?o 03

Escreve-se por muitas raz?es: para guardar alguma coisa que nos escapa da mem?ria, para mandar uma not?cia para algu?m, para organizar o nosso dia-a-dia (agendas, listas de compras, planos para viagens, etc.). Tamb?m se escreve para criar e disseminar informa?es (este ? o principal papel da m?dia). E escreve-se por raz?es muito nobres como, por exemplo, fundar a nacionalidade. Nestes quinhentos anos de Brasil, Iracema ? o que pode-se chamar de romance de funda??o. N?o ? o ?nico texto com essa ambi??o. Muitos anos depois, os modernistas (no princ?pio deste s?culo) tentaram refundar a P?tria. Entre os modernistas, um nome principal ? o de Carlos Drummond de Andrade. Um de seus poemas mais importantes est? no seu livro Alguma poesia, publicado em 1930. Voc? vai l?-lo a seguir:

NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas t?o fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Responda, agora, a esta pergunta:

A no??o de poesia para Drummond ? a mesma no??o da poesia para Alencar? Voc? considera que o texto de Drummond seja poesia? Por qu??

Claro que n?o. Para Alencar, poesia ? m?sica, idealiza??o, riqueza figurativa. Para Drummond, ? despojamento, ironia, enobrecimento da express?o prosaica. O texto de Drummond ? poesia no sentido modernista da revis?o e reinterpreta??o da linguagem comum, tanto quanto da tradi??o liter?ria mais elevada (no caso, da Divina Com?dia); a literatura modernista ? uma proposta de refunda??o pela cr?tica.

 

Quest?o 04

Leia abaixo o resumo de fatos, publicado na edi??o de 28 de dezembro de 1999 do jornal Folha de S. Paulo (p?gina 3 do Caderno Cotidiano), com o t?tulo "Internos da Febem se rebelam por 12 h, matam um e ferem sete em Santo Andr?".

a) Escreva um par?grafo de cinco linhas, relatando o evento narrado.

Internos da FEBEM, em unidade de Santo Andr?, rebelaram-se na tarde de domingo, no hor?rio de visitas. Cercados pela PM, os rebelados iniciam negocia?es e, nesse per?odo, morre um dos internos. Finalmente, h? a invas?o pela tropa de choque, a rebeli?o ? contida, e resultam sete feridos.

 

b) Explique qual rela??o pode existir entre o Brasil em que sucedem os fatos enunciados, o Brasil de Drummond e o Brasil de Alencar.

O Brasil das rebeli?es da FEBEM est?, de certo modo, previsto na prosa de Alencar (Iracema ? uma hist?ria de guerras) e na poesia social de Drummond (na Rosa do povo, em Sentimento do mundo). A diferen?a entre o horror da not?cia e o grande discurso liter?rio (rom?ntico ou modernista) ? que, neste ?ltimo, cultiva-se a esperan?a.

 


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