Casos de ameaça à segurança de escolas públicas e privadas vêm aumentando desde 2002, quando foi registrado um caso de disparo de arma de fogo envolvendo um adolescente em uma escola particular de Salvador. Segundo um mapeamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há 22 ocorrências de natureza semelhante registradas desde então. Ao todo, 13 casos ocorreram apenas no período dos últimos dois anos. Medidas de segurança foram anunciadas por diferentes atores das redes de segurança em todo o Estado de Minas Gerais. No entanto, conforme o professor de História Contemporânea e do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF, Odilon Caldeira Neto, que também é coordenador do Observatório da Extrema Direita (OED), também é necessário investir em um mapeamento qualificado das estratégias e objetivos das redes da extrema direita no Brasil, por meio de políticas públicas.


Depois do assassinato de uma professora em São Paulo em março e um ataque a uma creche em Blumenal, no dia 5 de abril, ameaças e listas com instituições que poderiam ser alvo de ações violentas vêm sendo espalhadas e causam preocupação às famílias de estudantes. Em comunicado emitido nessa quarta-feira (12), a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) destacou políticas públicas de segurança adotadas no âmbito do município.


Inicialmente, a Prefeitura reforçou que não há qualquer registro de tentativa de ato de violência nas escolas da cidade. Todos os dados coletados pelas forças de segurança reportam apenas à prática de trotes e fake news. O segundo ponto tratado pela Prefeitura é a realização de rondas escolares, que é atribuição da Guarda Municipal de Juiz de Fora, sendo realizada no município. “A corporação ainda atua em interface com a Secretaria de Educação no sentido de implementar diretrizes para uma cultura de paz nas escolas.”


O terceiro ponto ressaltado pelo Município é a contratação de trabalhadores para exercer a função de porteiro, que atuarão em todas as escolas municipais, ação que está em fase final. O Executivo ainda instalou um grupo de trabalho específico para a definição de um protocolo de operação padrão, com o objetivo de preparar as escolas para saberem como atuar em eventuais casos de violência. Esse protocolo ainda deverá prever estrutura e iniciativas para prevenir esses episódios. O quinto e último ponto é a constante articulação com as demais forças de segurança que operam em Juiz de Fora, em esforço para empreender outras iniciativas de prevenção e monitoramento.


Nesse sentido, a Polícia Civil orienta que a divulgação de mensagens com supostas ameaças direcionadas a pessoas específicas ou a instituições públicas e/ou privadas (como unidades de ensino), deve ser levada ao conhecimento dos policiais. As vítimas devem comparecer à delegacia mais próxima de sua residência para o devido registro dos fatos e receber demais orientações. A Polícia Militar reforçou a presença ostensiva das equipes no entorno das instituições desde a última segunda-feira (10), por meio da Operação Escola Segura.


O Governo de Minas apresentou nessa quarta-feira (12) novas medidas para o combate às ameaças. Entre elas, a adoção de um novo protocolo de acesso aos prédios escolares, que vai tornar obrigatória a identificação e autorização para a entrada de visitantes nos espaços. Além do reforço no fluxo a ser seguido pelos gestores escolares, da rede pública ou privada, para a ocorrência de violência ou ameaças.


Aprofundar e buscar as raízes

A partir de 2002 o Brasil passou por um processo de radicalização política, conforme pontua o professor de História Contemporânea e do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF, Odilon Caldeira Neto. “Não diria de polarização, diria de radicalização política. O discurso de apelo às armas, o discurso da misoginia, a ideia de segurança para atacar as minorias, passou a ser normalizado no cotidiano político brasileiro. Esse é um lado”, explica. Além disso, o fortalecimento global da extrema direita, estabeleceu formas novas que foram apropriadas pela extrema direita local.

O professor ministrou a aula magna “A extrema direita e os desafios para a educação democrática”, para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) na noite desta quarta-feira (12).

Conforme Odilon, em certa medida, existe uma dinâmica de naturalização do discurso de extremismo na extrema direita brasileira em sua grande diversidade constituinte. Há também uma atualização de mecanismos e das tendências extremistas, que se apropriam tanto dos símbolos e características dos movimentos de extrema direita do passado do Brasil, quanto das novas formas que esses diversos grupos assumem na atualidade.

“Nas últimas duas décadas, ela se transformou em uma extrema direita muito mais plural, muito mais conectada, efetivamente transnacional e radicalizada. Existe uma disputa por hegemonias dentro do campo do extremismo de direita. Essas tendências também devem ser lidas como esse fenômeno de transformação e aprofundamento do extremismo de direita nos noticiários e na realidade brasileira. Não somente política formal mas também em outros âmbitos, inclusive escolares como a gente pode notar”, analisa o professor.

Sobre as medidas de segurança, Odilon aponta que é possível entender o apelo em relação à questão da segurança e a instalação de mecanismos que tornem o ambiente escolar mais seguro do que ele efetivamente é. No entanto, ele alerta que é preciso ter cuidado, para que essas ações não impulsionem ainda mais um discurso armamentista, muito reivindicado em alguns dos grupos extremistas.

“Na realidade, além desses elementos mais pontuais, em relação à segurança e, para além desses elementos, é necessário que se estabeleça uma discussão profunda na sociedade brasileira e que isso se reflita em políticas públicas, no sentido de mapeamento sobre diversidade do extremismo de direita no Brasil. Como instrumentos de decupagem desse extremismo, quais são as suas estratégias? Quais são os seus argumentos? Quais são os seus mitos políticos? Quais os seus objetivos? Quais são os perfis sociais desses grupos? É preciso investir nesse processo de mapeamento. Claro, mas é um mapeamento que tem que ser qualificado.”

O coordenador do OED frisa que o armamentismo se mostrou ineficiente. “Se olharmos para a sociedade que é a grande referência pelo armamentismo como um processo de solução para um problema, que é os Estados Unidos, isso se manifesta como um grande fracasso. É necessário complexificar melhor essas questões na realidade brasileira”, afirma.

O caminho a trilhar, segundo ele, envolve identificar e pensar o discurso do extremismo de direita brasileiro dentro da sua dimensão formativa. ”São indivíduos que são formados em torno da ótica e do discurso de ódio. É necessário esmiuçar quais são esses mecanismos, quais são essas redes e implicar também juridicamente e legalmente a leniência das redes sociais nessas questões”, Odilon exemplifica a questão usando o caso do Twitter mais recentemente, mas também outros aplicativos e redes, como Telegram e Discord, onde há ocorrências e muitas evidências do uso de mensageiros como elemento de mobilização e disseminação do discurso do ódio.“Mas também me parece necessário estabelecer uma discussão sobre o ensino do extremismo de direita no Brasil histórico, mas também suas novas facetas, suas novas simbologias e discursos”, reflete.

Ele também considera importante levar em consideração os processos históricos e políticos pelos quais o Brasil passou nos últimos anos, em que houve um acirramento e incentivo para o discurso da extrema direita. “É um discurso que teve um grau de penetração muito grande na sociedade brasileira. Não somente do ponto de vista do discurso político mais ou menos organizado. Mas que se dissemina na sociedade de uma maneira mais ampla. O que eu quero dizer com isso, é que o problema se manifesta de uma maneira muito variada, muito diversificada. Em certa medida, a grande profundidade do problema do extremismo de direita no Brasil implica na necessidade de pensar ações conjuntas. Não é apenas o Ministério da Justiça que vai estabelecer medidas para romper ou colapsar o extremismo de direita e o ataque às escolas. Não apenas o Ministério dos Direitos Humanos. Talvez, o grande tripé esteja, justamente, na interface entre o Ministério da Educação, o Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério da Justiça.”

Odilon reitera que é preciso mapear, ensinar e entender medidas para dirimir a disseminação desses grupos. “É necessário também que, realmente, o Governo brasileiro seja rápido nessas respostas. Gostaria de insistir, dizendo que é necessário ir além e não usar apenas os mecanismos já presentes na legislação brasileira. Como, por exemplo, a suástica como um mecanismo de disseminação do ódio. Os grupos de extrema direita utilizam uma simbologia, mitos mobilizadores que ultrapassam qualquer centralidade da suástica e outros símbolos clássicos digamos da experiência do nazifascismo. É necessário rediscutir essas questões”

O pesquisador cita o trabalho do grupo de transição do Governo, liderado pelo professor de Educação (USP) e mestre em Ciência Política (USP), Daniel Cara, que apontou indícios da complexidade e da necessidade de atualizar e pensar novos mecanismos. “Nesse trabalho há bons indícios de como lidar e o que fazer sobre o extremismo de direita no Brasil.”

Divulgação Polícia Militar - Equipes da Polícia Militar intensificam presença no entorno das escolas

Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!

COMENTÁRIOS: