O Projeto de Lei 482/2017 que visa a tornar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no país, a ser celebrado no dia 20 de novembro foi aprovado na Câmara dos Deputados nessa quarta-feira (29). O texto é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e segue para a sanção presidencial. Ao contrário do que ocorreu em Juiz de Fora, com a rejeição da proposta de tornar a data um feriado municipal por dez votos a sete na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Na cidade celebrações encerram o mês.
A data já é feriado em seis estados e em 1,2 mil cidades brasileiras. A ideia é que a data será marcada como um dia de reflexão e combate a todas as formas de preconceito. A mobilização pela aprovação do projeto em Juiz de Fora, contou com a reunião de uma série de coletivos e movimentos negros, concentrados no Comitê 20 de Novembro, que contou com o Movimento Negro Unificado (MNU), a União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) e o Quilombo Raça e Classe.
Embora a votação tenha não tenha terminado em aprovação na cidade, o integrante do Comitê 20 de Novembro, Cristhiano Silva, avalia o resultado como positivo. “Mesmo que a gente não tenha tido a vitória institucional, eu acho que a mobilização política e a construção política teve um impacto grande, um impacto surpreendente até, eu diria. “
Ele explica que o Comitê realizou intervenções em feiras espalhadas pela cidade, como a do Bairro Santa Luzia, a Feira da Avenida Brasil, escolas, portas de fábricas e até na abordagem de trabalhadores do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). “Foi muito gratificante para a gente, nas várias sessões que ocorreram na Câmara, ver pessoas que encontramos nos territórios, nas comunidades. A gente viu essas pessoas da sociedade civil, entre aspas, ‘não organizada’, vindo para dentro da Câmara, fazendo parte do comitê ali, em loco, na hora da ação. Então, eu fiquei muito tocado, inclusive, de ver garotos, de ver garotas, novos e novas, ali, sentado no banco da plenária, junto com a gente. Esse foi um exemplo que eu considero bem positivo”.
Ele destaca também, que na última panfletagem do grupo, antes da votação, as pessoas questionavam se já não era para o feriado ter sido aprovado. “Vimos que parte da população estava acompanhando, estava ligada no que está acontecendo.” Ouve relatos de vereadores que viram motos com comunicados sobre a temática passando pelas comunidades. “Nós conseguimos fazer esse tensionamento”, avaliou.
“No dia 20, fizemos um ato maravilhoso, com três batuques, música. Mesmo debaixo de chuva, foi, provavelmente, a maior manifestação antirracista que Juiz de Fora já viu. Foi muito bonito. Os trabalhadores das periferias, das comunidades, dos territórios vieram com a gente. Poderiam ter ido para casa, mas vieram com a gente. O saldo é positivo, porque na organização, nas reuniões do Comitê, a gente tinha o Movimento Negro Unificado, dos sindicatos, dos partidos, da população civil, assessorias parlamentares, todos falando em uníssono”, pontua Cristhiano.
Mês de celebração da Cultura Negra
A pluralidade, excelência e as tecnologias da Cultura Negra foram exaltadas dentro da programação da Agenda Novembro Negro em Juiz de Fora. A diversidade de abordagens artísticas e conceituais integrou diversos grupos e destacou a relevância da contribuição da Cultura Negra para a construção da cidade.
A diretora executiva do Grupo Makamba, Aline Oliveira, destaca, por exemplo, a vivência dentro do grupo, do trabalho social com o Jongo, o Samba de roda, o Maracatu e o Zouk, destacando o ensinamento de que ‘antes de ensinar, é preciso sentar e aprender. Na Cultura Preta, a gente só aprende vivenciando.’
“É uma vivência de resistência! Dentro do contesto social da nossa população preta. Porque não é só uma dancinha! É vivência diária, história, resgate, memória e semear.” O grupo participou da abertura da exposição ‘Deu preto na Memória’. “É um marco na história dentro da nossa cidade. Onde, ainda hoje, muitos acham que foi construída por brancos. Nossa cidade tem uma apagada histórico que estamos em busca e a dança é uma delas, fazer com que história e memória corporal ancestral preta resista e sobreviva aos anos é um trabalho de formiguinha. E precisamos semear para colher no futuro.”
O projeto que encerrou a programação, titulado “Entre Passos e Toques” compôs um espetáculo construído em conjunto com 17 mulheres. A atriz e pesquisadora Caroline Gerhein, em parceria com o percussionista e mestre do Bloco Afro Muvuka, tinham como objetivo criar um projeto de dança afro, que foi inscrito e contemplado pelo edital Quilombagens da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, que viabilizou aulas que ocorreram entre abril e outubro na Casa da Mulher e culminaram no Espetáculo Egunitá, apresentado no Teatro Paschoal Carlos Magno, no domingo (26).
Carol conta que pesquisa a construção de performances a partir de Itãs- as histórias dos Orixás. A primeira performance ocorreu na Casa Absurda, em 2017 e abordava o Itã Oxum Opará. Em Egunitá, houve o resgate do Itã Oyá, na qualidade de Egunitá. A criação envolve o trabalho com as histórias pessoais das participantes, com teatro, contação de histórias, música e dança. A atividade se dedicou a mostrar a cultura afro-brasileira, a cultura dos povos de terreiro, que ainda não muito desvalorizadas e alvo de intolerância religiosa. “Colocar 17 mulheres no palco contando e falando sobre a sua história, sobre a sua realidade, sobre a sua cultura vem carregado desse simbolismo e desse lugar de colocar em cena, de colocar em visibilidade algo que é sempre jogado à margem, algo que é sempre excluído, algo que é sempre criticado e perseguido na sociedade. Mas, para além da apresentação, né, as oficinas que eu dei ao longo desses meses, as aulas que eu dei ao longo desses meses serviu para empoderar essas mulheres, para reconectar elas às suas raízes, reconectar elas aos seus familiares, né, à sua família e empoderá-las mesmo nesse lugar.”
“Para mim é uma grande felicidade, uma grande realização e uma honra, eu dedico sempre toda a minha trajetória. Minha trajetória artística, que se iniciou quando eu tinha só 11 anos, a esse compromisso mesmo de falar sobre a minha cultura, de falar sobre a minha origem, de falar sobre a minha religiosidade dentro da arte. Fico feliz de contribuir mesclando o teatro com a dança afro, com a performance, com a música, com a religiosidade, falando sobre mim, falando sobre as pessoas como eu, as pessoas que passam pelo mesmo que eu na sociedade”, pontua Caroline.
Ela defende que esse tipo de ação não deve ficar restrita ao mês de novembro. “Eu trabalho a minha vida inteira em prol disso. Apesar de no novembro, e às vezes só no novembro que essas questões são discutidas e que nós somos procurados para poder falar sobre isso, nós não existimos e a nossa cultura, as nossas práticas, o nosso trabalho, ele não existe só em novembro. Esse é só mais um mês. Talvez é um mês que a gente consiga mostrar que as pessoas nos dão essa possibilidade. Mas todos os outros meses nós trabalhamos e trabalhamos muito duro para construir. É algo que leva uma vida inteira. Então, eu gostaria de deixar isso registrado também.”
Para o diretor da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), Wellington Alves, a amostra da riqueza cultural promovida pelo movimento “21 Dias de Ativismo” e o Novembro Negro, integra uma série de experiências que só reforçam a relevância fundamental da Cultura Negra na construção da cidade.
“Tivemos a Feira Preta Ubuntu. Tivemos a Feira Preta de Artesanatos, promovida pela Lixarte, ambas com o apoio da Unegro, elas aconteceram no Espaço Cidade e muitas outras atividades culturais que já acontecem o ano todo, tais como as Feiras da Economia Solidária, as Feiras de Artesanato. E a importância disso, a importância de toda a manifestação cultural que tem na cidade, desde as manifestações artísticas, às aquelas que são relacionadas à geração de emprego e renda, é justamente a gente resgatar, manter vivo a cultura do povo negro”, o que, ele explica, que contribui para a criação e geração de emprego e renda. Que envolve desde o artesanato à economia solidária, tratando de questões fundamentais, como plantio saudável e orgânico, que também está inserido no trabalho com a cultura.
Wellington também ressalta movimentos que são históricos na região, que fazem o trabalho fundamental de resgatar, manter e transmitir saberes tradicionais do povo negro. “Podemos exemplificar esses esforços com a Folia de Reis e Charolas de São Sebastião, que concentra grupos formados majoritariamente por negros e negras das nossas periferias da cidade. Temos também as escolas de samba. Daqui a pouco nós já estamos chegando aí no período da Grande Festa da Cultura, que é o Carnaval, que vem das comunidades, dos territórios, então, isso vai mostrando que a cultura gira muito em torno da população preta. Então, em novembro, foi um mês com muita atividade, a apresentação de capoeira, que é a nossa típica manifestação popular vinda da África e aprimorada nas senzalas, então era uma forma de manifestação do povo preto, o desfile que destaca a beleza da mulher negra, o grupo Sararau Criolo que trabalha a poesia, o teatro, que contou, por exemplo a história do Negro Teófilo. Então foram várias atividades em novembro.”
Em todos esses espaços, como frisou, Wellington, além das rodas de conversas, encontros, palestras, todas essas iniciativas reafirmam o protagonismo da população negra e a necessidade do combate ao racismo, que deve ser abraçado por toda a sociedade.
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