Neste 8 de março é celebrado, mundialmente, o Dia da Mulher. Nos últimos tempos, essa data é lembrada apenas para parabenizar as mulheres pelo dia e durante o resto do ano as mulheres sofrem com preconceitos e vítimas de diversos crimes. Mas existe um termo que muitos já ouviram falar, mas não sabem o significado,  e que é o elo entre as mulheres que não se deixam abater e lutam em conjunto com uma parcela da sociedade, por um mundo mais justo: a sororidade. 

O termo é usado para indicar a ideia de comunhão e irmandade entre as mulheres e tem mais de meio século de vida, desde que foi proposto pela primeira vez pela escritora Kate Millett em 1970. A ideia era de que essa forma de olhar para outra mulher fosse independente de marcadores como classe social, etnia, religiões, entre outros, para que elas se organizassem em uma luta conjunta contra a opressão de gênero.

No caminhar das décadas, a luta avançou e as mulheres construíram pontes que levam a sororidade para práticas muito presentes no cotidiano, embora a rapidez e instantaneidade das redes sociais tenham favorecido, muitas vezes, a distorção desse conceito.

Para a jornalista e doutoranda em Ciências Sociais, pesquisadora do grupo Família, Emoções, Gênero e Sexualidades (Fegs) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Júlia Pessôa, há uma falsa percepção de que a sororidade e, em última análise, os feminismos, determinam que as mulheres devem ser favoráveis à posturas, ações e comportamentos. Que devem sempre se posicionar, em qualquer situação, ao lado de outras mulheres.

“Na lógica acelerada da atualidade, e das redes sociais, isso facilmente se transforma numa noção de que as mulheres devem todas ‘se amar’, ‘ser amigas’, por uma pretensa afinidade de gênero. É algo virtualmente impossível, e não apenas deturpa as propostas feministas, mas afasta muitas pessoas delas. Dito de maneira simplificada, a ideia do termo sororidade é compreender que mulheres são submetidas às mesmas opressões e violências, e a consciência disso possibilita um enfrentamento coletivo mais forte e efetivo enquanto grupo social”.

Muito além de um conceito

Júlia ressalta que é preciso compreender que as opressões se abatem em mulheres de contextos diferentes de formas extremamente distintas. Ela pontua, por exemplo, a existência de correntes teóricas que defendem a ideia de que a sororidade é um conceito inalcançável na prática.

“A feminista negra Vilma Piedade propõe o termo 'dororidade', que expressa a solidariedade entre mulheres negras e a compreensão de suas dores e vivências únicas. Isso implica reconhecer que as experiências das mulheres negras são frequentemente marginalizadas ou invisibilizadas dentro dos movimentos feministas”.


Para criar um ambiente que seja mais favorável a relações que permita que as mulheres consigam enxergar essa irmandade, para além de todas as suas diferenças e especificidades, a pesquisadora comenta a necessidade de criar fissuras nas estruturas patriarcais da sociedade.

“A rivalidade feminina é um dos combustíveis que alimenta as opressões patriarcais, e um especialmente triste porque encontra reverberação entre pares. Contrariar a sua lógica desestabiliza as estruturas de opressões tidas como estabelecidas”.


E acrescenta: “Posto de maneira muito simplória, é quase matemática, são mulheres fazendo frente, ainda que inconscientemente, a um sistema que as oprime, violenta e limita de muitas formas, em vez de estarem umas contra as outras, dessa forma, ‘trabalhando’ a favor desse sistema. Não se muda um conjunto de valores, normas e condutas da noite para o dia, o patriarcado, secular, não vai ‘cair’ de uma hora para outra. Mas criar essas fissuras em seu funcionamento abala seu status como algo estabelecido e permite que outros conjuntos, de valores, normas e condutas mais igualitários, possam operar”.


Para Júlia, estarem abertas à escuta de diferentes experiências e dores, e reconhecer que não existe essa noção universal de “ser mulher” tem permitido que muitas mulheres, que poderiam estar em um sofrimento silencioso e solitário, encontrem acolhimento e apoio em vivências semelhantes.

“Há um processo de fortalecimento nisso, uma militância que se constrói organicamente e forma, além de redes de apoio, premissas importantes para a transformação social, como a formulação de políticas públicas, por exemplo. Vemos isso acontecer com as mulheres negras, as mães, as mulheres trans e travestis, que embora ainda sejam permeadas de opressões muito específicas, violentas e solitárias, têm se fortalecido no eco de suas vozes com suas semelhantes. E claro, cabe às mulheres com mais privilégios validar também – e talvez principalmente – as lutas contra opressões que não as atingem, nenhuma mulher é livre enquanto não formos todas. Há uma frase da Audre Lorde, uma das maiores pensadoras do feminismo negro, que resume isso: 'Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas'”.

As mulheres e a sororidade no dia a dia


CIÇA LIBERDADE

FOTO: Arquivo pessoal - Ciça se apresenta no Ato Unificado neste 8 de Março


A atriz Ciça Liberdade apresentará a intervenção “Escreviver” no Ato Unificado Pelo Dia Internacional de Luta pelas Mulheres, um “Chamado para desvelar as camadas do apagamento e revelar a riqueza de suas narrativas, para que a sociedade possa, finalmente enxergar e apreciar a força e a diversidade que emanam dessas mulheres, iluminando o placo com vida e com cores vibrantes de igualdade e Justiça”.

A cena trabalha a invisibilidade de mulheres pretas por meio de uma narrativa que transcende gerações, de uma população que, apesar de maioria no país, é apagada e invisibilizada.


Nos espaços em que transita, Ciça consegue ver a sororidade.

“A mulher preta ainda é invisível nessa luta. Creio que, quando a sororidade acontece de verdade, é sobre se apoiar mesmo quando vem a discordância. Na minha vivência como mulher preta, ainda estamos quebrando essa barreira e cocriando afeto , laços e confiança, criando um espaço onde nós, mulheres, nos fortalecemos mutuamente, mesmo com diferenças”.

A atriz afirma: “O feminismo é carente de presença negra”.

Para ela, quebrar essa ideia de concordância obrigatória, é liberar as mulheres negras pra serem autênticas.

“É desmontar aquela rivalidade criada pelo patriarcado e racismo, permitindo que a união feminina, especialmente entre mulheres pretas, seja uma força poderosa, capaz de impactar a sociedade de maneira positiva. Sem dúvida, essa competição e rivalidade foram fabricadas. É urgente unir forças para derrubar essa opressão, promovendo uma igualdade de gênero inclusiva. O entendimento é a base para empoderar mulheres e, assim, construir uma sociedade mais justa”.


Segundo Ciça, imaginar uma sociedade onde as mulheres se apropriam do conceito e da prática da sonoridade no dia a dia envolve reconhecer e valorizar as vozes diversas das mulheres negras, promovendo espaços inclusivos para expressão cultural e artística. Isso pode incluir apoio a projetos musicais, eventos que celebram a diversidade sonora e o fortalecimento dessa visão promove a igualdade e a riqueza das diferentes narrativas femininas.

 

RUTH FLORES E LARISSA GARCIA

FOTO: Arquivo Pessoal - Ruth Flores e Larissa Garcia dividem a amizade, o trabalho e a experiência de enfrentar o machismo dentro da sociedade e da profissão, com um modelo de negócio com protagonismo feminino na prática

Ruth e Larissa fizeram cursaram Comunicação na mesma turma, se tornaram grandes amigas e, depois de formadas e algumas experiências no mercado de trabalho depois, tornaram-se sócias de uma empresa formada por mulheres.

“Aprendemos muito das piores maneiras possíveis. Infelizmente o mercado pra nossa área criativa, de marketing, comunicação como um todo, é EXTREMAMENTE machista. Foram diversas experiências negativas, aqueles projetos que em que pensávamos o aprendizado aqui é o famoso saber o que 'não fazer'. Sabemos que a nossa estrutura atual ainda pode melhorar, qualquer modelo precisa de melhorias constantes, mas o nosso foco é sempre o ser humano em primeiro lugar”, conta Ruth.


Larissa vai mais longe, busca na ancestralidade o conhecimento e, também, a sabedoria do que elas buscavam e do que elas não estavam dispostas a encarar.

“A gente se espelha hoje nas mulheres da nossa vida, nas nossas mães, nas nossas avós, que são exemplos de força pra gente. Muita coisa nasceu da cabecinha delas, que nos ensinaram muito a ser independentes, a não se sujeitar a determinadas coisas, a não baixar a cabeça pra determinadas falas, não aceitar abusos. Então, muita coisa vem delas e a gente vem aprendendo isso desde pequenininha. Além disso, elas também nos ensinaram, sem querer, a buscar escrever uma história diferente, porque a gente sabe também que mesmo conscientes disso tudo, elas já sofreram muito e a gente sabia que não queria isso, não”.


No início, tendo passado por espaços em que a criatividade delas era podada, em que a expressão dos pensamentos era diminuída e não havia espaço para crescimento, elas viram que seria necessário fazer diferente e decidiram empreender. O que levou tempo, muito esforço e muito estudo.


A De Minas, empresa de Larissa e Ruth, trabalha prioritariamente com mulheres, isto é, o time é composto, quase em sua totalidade por mulheres.

“A gente não abre mão disso e para fazer diferente também a gente sabia que não poderia ficar só no discurso que é o que muitos projetos e empresas fazem, no dia das mulheres tem um monte de coisa, então no dia a dia o que a gente busca fazer, aprender sempre, porque por mais que nós sejamos mulheres a gente tem muito para aprender, escutando as mulheres que estão a nossa volta, na empresa, nossas colegas, as parceiras, não permitindo que exista disputa feminina pelo contrário a gente apoia os projetos”.


Ruth diz que a recompensa é deitar a cabeça no travesseiro e saber que todos os dias elas fizeram o melhor. No dia a dia, a sororidade vai para além das escolhas.

“Na nossa empresa o foco é a valorização da mulher, nas últimas vezes em que abrimos vagas pra equipe, foram vagas afirmativas: apenas para mulheres. Temos muito orgulho nisso, em mesmo que minimamente, tentar equiparar os postos de trabalho. Existem tantas mulheres fantásticas por aí, o desafio é não conseguir abraçar todas”. 


“Eu e Larissa, além de sócias, e acima disso, somos amigas. Já nós apoiávamos em tudo desde muito antes do conceito da empresa nascer, e com a existência da De Minas a nossa amizade só fortaleceu. Empreender no Brasil não é fácil, nós que somos ainda bem pequenas, temos muitos obstáculos. Mas a cada problema que surge, ouvimos uma a outra. Acho que a liderança feminina tem essa diferença: decisões são pensadas, repensadas, analisadas e revistas, para o bem de todos”, afirma Ruth.


Para Larissa, a escuta é fundamental para criar o laço que vai amparar a sororidade.

“A gente sabe que todas as pessoas têm particularidades, mas a gente busca muito ter a escuta atenta, tanto para os clientes, que é uma premissa, escutar cada pessoa, mas também de quem trabalha conosco, das pessoas que estão ao nosso redor, antes de fazer qualquer análise, julgamento, porque quando a gente escuta a gente tem mais chance de ter empatia, de viver a empatia que é tão necessária. Porque eu acho que quando a gente se dispõe a apoiar outras pessoas, a incentivá-las e a permitir que elas cresçam, a gente precisa antes de tudo se despir das ideias, de julgamentos e escutar. Eu acho que é um dos verbos que eu gosto. Eu gosto bastante, porque sou faladeira, mas com a escuta, eu percebo que eu consigo praticar mais a sororidade”.


O Mundo que Ruth quer ver inclui mais mulheres comandando seus próprios negócios, em equipes repletas de mulheres.

“Ninguém aguenta essa 'lenda' de que somente profissionais homens são bons - muito pelo contrário. A mulher possui uma assertividade, uma clareza e competências singulares. Quero ver muitas outras mulheres líderes por aí!”.

Larissa, quer ver uma sociedade em que as mulheres pudessem ecoar mais suas vozes, que possam se expressar com mais liberdade sobre tudo que em que acreditam, querem e sonham.


“Gostaria de ver mais a união feminina na prática também, porque eu percebo que muitas vezes ainda existe uma certa rivalidade, competitividade, e tem espaço para todo mundo, principalmente se estivermos juntas. Eu, por exemplo, não andaria nem metade do que eu conseguia andar. Então, sou muito feliz por ter a minha sócia, as meninas, as minhas parceiras, todas as mulheres que já fizeram parte da nossa vida nos apoiando E, para fechar, mas parece óbvio, mas como nem sempre acontece, eu gostaria muito de ver os nossos direitos sendo respeitados. E eu queria deixar uma dica. Para as empresas que quiserem repensar o seu jeito de tratar as mulheres dentro das empresas. Desenvolverem na prática a igualdade de gênero, contratem uma mulher que chama Camila Rufato, que ela vai fazer uma transformação por aí”.

 

LUIZA MIGUEL 


No dia 6 de fevereiro de 2024, o Coletivo Feminista Transiclusivo Xota Éfe- que além de mulheres em suas totalidades (trans e cis), envolve homens trans e pessoas não binárias-que também se apresenta no Ato Unificado desta sexta-feira (8), publicou um texto que traz uma reflexão sobre uma vivência das integrantes do grupo na primeira apresentação do bloco, no Carnaval de 2023, quando o grupo passou por uma situação de machismo e misoginia. No texto, a autora destaca uma fala “quando uma mulher tiver gritando com um homem, vocês nunca se afastem. Nunca deixem essa mulher sozinha.”

A psicóloga e integrante do Xota Éfe, Luiza Miguel, conta que desde a formação passaram por situações onde foi preciso entender que para enfrentá-las se potencializa “quando e se estamos juntes”. “É muito comum presenciarmos misoginia e machismo quando colocamos o bloco na rua. O Xota Éfe não existe por acaso. E isso fica bem explícito quando ocupamos os espaços públicos e mandamos nosso recado. O nosso bloco incomoda e a gente sabe disso. E por isso mesmo vivemos situações onde uma pessoa ou mais de uma é deslegitimada ou desrespeitada. Isso acontece sempre e sabemos que se nos colocamos ao lado dessa pessoa nessas situações, suas falas terão mais força e sua voz será ouvida. O coletivo, não o Xota Éfe, mas o significado pleno que essa palavra carrega, tem sua potência e nós todes precisamos entender que a força para a mudança que a gente quer está no coletivo. Isso não significa que não respeitamos, agora sobre o Xota, as individualidades. Claro que sim. Sabemos que tem pessoas lá dentro com diferentes saberes sobre o feminismo, por exemplo. Algumas nunca leram um livro, outras estão no mestrado, doutorado, e faz parte da convivência caminharmos juntes, entendermos, respeitarmos e acolhermos essas diferenças. "Ninguém solta a mão de ninguém". Confiamos na potência de todes.”


Ela explica que muitas dessas pessoas sequer tinham pegado um instrumento quando iniciaram o projeto e, hoje, essas mesmas pessoas seguram uma apresentação sozinhas. “Isso é muito gostoso de ver e sentir. Temos conflitos? claro que temos, somos humanes. E isso faz parte também da convivência coletiva: Saber respeitar diferentes pontos de vista é o que enriquece as relações”.


É no estar no coletivo, que a força e a potência da sororidade no bloco é vista e sentida. “Cuidamos de nós. Ouvimos e falamos. Tentamos viver em rede, apoiando e acolhendo as dificuldades, necessidades e alegrias de cada. Hoje nos sentimos mais fortes, entendendo cada dia mais que a união nos leva em direção à autonomia e liberdade. Quanto mais trabalhamos em rede, mais conquistas e mais longe vamos. E isso não é só entre nós. Recebemos muitas mensagens de pessoas dizendo suas experiências nos shows foram transformadoras. Teve uma senhora que chegou pra gente no final e contou que tinha acabado de se separar e que aquele show foi libertador pra ela. Que nunca tinha se divertido tanto. Outras já compartilharam que depois do Xota não sentem vergonha de expor seus corpos em suas diversidades. Isso é sororidade também, sabe? Fortalecer as minorias, as pessoas que não seguem o padrão branco, cis, heteronormativo, magro é uma forma potente de acolher e transformar o sistema.”


Colocar o bloco na rua, como pontua Luiza desde o início, é uma forma de resistência. Corpos diversos em suas totalidades se divertindo e ocupando espaços públicos, como ela reafirma: é muito potente. A alegria é outra forma de resistir. “Uma forma bastante forte, inclusive”, ela reforça. “O sistema opressor se incomoda com a nossa expansão, com a nossa maneira livre de se expressar, com a nossa diversidade e diversão, nossa gargalhada alta, nossos gritos e cantos. Tudo isso é resistência e ferramenta de transformação. Quando nos unimos e superamos essa rivalidade, sentimos na prática a força que a gente tem e que juntes vamos melhor e mais longe. Somos somas.”

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Dia Internacional da Mulher | Gênero

Arquivo Pessoal - Ruth Flores e Larissa Garcia dividem a amizade, o trabalho e a experiência de enfrentar o machismo dentro da sociedade e da profissão, com um modelo de negócio com protagonismo feminino na prática

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