A dinâmica do comércio
Como explicar que aquela calça jeans transada sai pela metade do preço agora em fevereiro? Quase dei minha vida por ela em dezembro, quando custava o valor integral e que vem sendo paga religiosamente na fatura do cartão de crédito, fazendo com que me lembre com certo rancor do último Natal. Engraçado é que a bola da vez no mercado é o material escolar. Variação de até 200% nas prateleiras de Juiz de Fora e a expectativa de venda é tão grande que as papelarias estão funcionando até em horário alternativo... E nessas metades e dobros de preço tento manter a vida em dia. No consumo e na compra, regido pela lógica do mercado.
Legal seria se a calça não saísse de moda com tanta fugacidade. A coleção outono/inverno logo abarrotará as prateleiras e as vitrines das lojas com preços mais salgados. E encontrará nosso pleno apoio e acolhida, já que, como diria o Belchior, na canção “Velha roupa colorida”, ainda na década de 1970, que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Neste caso, literalmente. Já com o material escolar, a dinâmica é diferente: não posso comprar em abril, se já preciso dos cadernos em fevereiro. “Desejo, necessidade, vontade”, como manifestava, já na década de 1980, na canção “Comida”, dos Titãs. Fica a pergunta, “Você tem fome de quê?”
A fome do nosso tempo é mais instantânea e contraditória do que nunca. Estamos expostos e desejosos pelos novos hits do verão, que devem ser consumidos e consumados antes da próxima estação e suas novas peculiaridades. O calendário de consumo é bem definido, mas não queremos e não vamos nunca nos preparar para algo tão longínquo, como um ano. Eu poderia ter comprado o material escolar em novembro do ano passado, a calça jeans em fevereiro e o carro zero quilômetro já no fim da edição, quando a indústria automobilística prepara os modelos do ano seguinte. Mas, o que acontece é que ninguém quer nadar em uma onda que já quebrou na praia. Onda boa é sempre a próxima. Aquela que a gente avista de longe, bonita, desafiadora, inédita... Novinha em folha.
Faz parte dessa dinâmica do mercado, é bem verdade, a queima de estoque e vamos participar juntos, de mãos dadas com o comércio local, levando para casa tudo o que pudermos pagar daqui uns noventa dias no cheque, cartão ou carnê. Mesmo que embole o meio de campo, com o presente de Dia das Mães ou dos Namorados. Consumir também é uma arte e o malabarismo que envolve a relação salário e o pagamento das contas é algo digno de pelo menos uns três ministérios, como o da Fazenda, da Casa Civil e do Planejamento. E nada nos faltará, amém!
Como o mercado é ativo e plural, existe muito mais coisa do que aquela calça, do que aquele automóvel e daquele material escolar pra consumir. Tem TV de LCD, Smart phone, móveis e eletrodomésticos à disposição. Com todas as variações de preço, cores e afetos que podemos desenvolver e elencar em um produto. Prateleiras, atacar! – Alguns, logicamente, acabam por se perderem ou se excederem. Para estes, existe a purificação de 03 a 05 anos no SPC e no Serasa. E para aqueles que têm muito pouco, torça para que um microcrédito caia na sua mão. “Dinheiro na mão é vendaval”, já dizia o Paulinho da Viola. O importante é que ninguém passe incólume ao cada vez mais importante círculo do mercado.
Juliano Nery pretende controlar suas saídas ao centro comercial de Juiz de Fora, já que é incapaz de ver defunto sem chorar.
Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.
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