Juliano Nery Juliano Nery 4/2/2011

A dinâmica do comércio

vitrine com peças em promoçãoComo explicar que aquela calça jeans transada sai pela metade do preço agora em fevereiro? Quase dei minha vida por ela em dezembro, quando custava o valor integral e que vem sendo paga religiosamente na fatura do cartão de crédito, fazendo com que me lembre com certo rancor do último Natal. Engraçado é que a bola da vez no mercado é o material escolar. Variação de até 200% nas prateleiras de Juiz de Fora e a expectativa de venda é tão grande que as papelarias estão funcionando até em horário alternativo... E nessas metades e dobros de preço tento manter a vida em dia. No consumo e na compra, regido pela lógica do mercado.

Legal seria se a calça não saísse de moda com tanta fugacidade. A coleção outono/inverno logo abarrotará as prateleiras e as vitrines das lojas com preços mais salgados. E encontrará nosso pleno apoio e acolhida, já que, como diria o Belchior, na canção “Velha roupa colorida”, ainda na década de 1970, que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Neste caso, literalmente. Já com o material escolar, a dinâmica é diferente: não posso comprar em abril, se já preciso dos cadernos em fevereiro. “Desejo, necessidade, vontade”, como manifestava, já na década de 1980, na canção “Comida”, dos Titãs. Fica a pergunta, “Você tem fome de quê?”

A fome do nosso tempo é mais instantânea e contraditória do que nunca. Estamos expostos e desejosos pelos novos hits do verão, que devem ser consumidos e consumados antes da próxima estação e suas novas peculiaridades. O calendário de consumo é bem definido, mas não queremos e não vamos nunca nos preparar para algo tão longínquo, como um ano. Eu poderia ter comprado o material escolar em novembro do ano passado, a calça jeans em fevereiro e o carro zero quilômetro já no fim da edição, quando a indústria automobilística prepara os modelos do ano seguinte. Mas, o que acontece é que ninguém quer nadar em uma onda que já quebrou na praia. Onda boa é sempre a próxima. Aquela que a gente avista de longe, bonita, desafiadora, inédita... Novinha em folha.

Faz parte dessa dinâmica do mercado, é bem verdade, a queima de estoque e vamos participar juntos, de mãos dadas com o comércio local, levando para casa tudo o que pudermos pagar daqui uns noventa dias no cheque, cartão ou carnê. Mesmo que embole o meio de campo, com o presente de Dia das Mães ou dos Namorados. Consumir também é uma arte e o malabarismo que envolve a relação salário e o pagamento das contas é algo digno de pelo menos uns três ministérios, como o da Fazenda, da Casa Civil e do Planejamento. E nada nos faltará, amém!

Como o mercado é ativo e plural, existe muito mais coisa do que aquela calça, do que aquele automóvel e daquele material escolar pra consumir. Tem TV de LCD, Smart phone, móveis e eletrodomésticos à disposição. Com todas as variações de preço, cores e afetos que podemos desenvolver e elencar em um produto. Prateleiras, atacar! – Alguns, logicamente, acabam por se perderem ou se excederem. Para estes, existe a purificação de 03 a 05 anos no SPC e no Serasa. E para aqueles que têm muito pouco, torça para que um microcrédito caia na sua mão. “Dinheiro na mão é vendaval”, já dizia o Paulinho da Viola. O importante é que ninguém passe incólume ao cada vez mais importante círculo do mercado.

Juliano Nery pretende controlar suas saídas ao centro comercial de Juiz de Fora, já que é incapaz de ver defunto sem chorar.    



Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz. 


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