Nesta coluna de agosto, vamos deslocar nosso foco para o folclore (do ingl?s folk: povo e lore: ci?ncia), e resgatar dois de seus folcloristas, o poeta Lindolfo Gomes - t?o importante em sua ?poca e que figura nos livros dos grandes estudiosos da literatura brasileira como Antonio Candido e Afr?nio Coutinho - e o pesquisador e professor Ant?nio Henrique Weitzel - t?o importante hoje por sua participa??o no registro da cultura popular brasileira. Ao propormos o tema, comungamos com os que provocam deslizamentos subversivos nos templos acad?micos, ao mesmo tempo que abalamos as estruturas neste jogo identit?rio.
Lindolfo Gomes (12/03/1875 - 15/05/1953), com a erudi??o ling??stica requintada, como comprova seu livro Nihil novi, tem o cuidado em explicar minuciosamente as lendas, os mitos, as supersti?es. Al?m de erudito, Lindolfo era extremamente arguto e engenhoso, pois, atrav?s de pesquisas e estudos, correlacionou cenas discursivas as mais diversas em busca das identidades e, conforme Jo?o Ribeiro, das "simetrias ps?quicas do g?nero humano". Em "O ap?logo do feixe de varas", desse livro citado, recupera Plutarco, La Fontaine, o C?nego Schmid e at? Tom?s Ant?nio Gonzaga, permitindo emergir a perman?ncia tautol?gica das narrativas folcl?ricas.
Junto a C?mara Cascudo, Lindolfo ? citado como cr?tico perspicaz e coletor dos contos populares, plenos de conte?do filos?fico, de simbolismo humano, de mal?cia e de finalidade moralizante. Entre eles, destaca-se "A lenda do Morro da Boiada", presa ? funda??o e ao antigo nome da cidade de Juiz de Fora e a seu padroeiro Santo Ant?nio:
L? no Morro da Boiada, onde era antigamente o arraial de Santo Ant?nio, que existia antes de se fundar Juiz de Fora, havia uma capelinha do santo e um cemit?rio. Quando a popula??o do Morro desprezou o local e veio c? para a vargem, onde est? agora a cidade, trouxeram em prociss?o a imagem para o orat?rio do vig?rio, mas, qual! a imagem voltou para a sua capelinha. Tornaram a trazer o santo, mas ele tornou a voltar. Era mesmo uma teima sem rem?dio. Santo Ant?nio da Boiada era milagroso deveras, e o povo tinha com ele muita devo??o! Valha-me, Santo Ant?nio da Boiada! e estava logo tudo arranjado, desde que fosse para bem, que para mal n?o h? santo que ajude. O Morro da Boiada de primeiro era tamb?m habitado por uma quadrilha de salteadores e ganhou fama de perigoso e assombrado. Dizem que tem l? um china seco, que aparece fora de horas aos viajantes. ?s vezes passam correndo bolas de fogo, galinhas de todas as cores, int? verdes, com seus pintinhos da mesma forma; topam-se fantasmas que v?o crescendo, crescendo por essas alturas a riba, e cruzes de fogo, que aparecem e desaparecem n?o se sabe como. Ih! quem vai de noite no Morro da Boiada tem muito que ver e que contar. Mas quem ? que se atreve a passar ali ? meia-noite? S? se tiver ora??o das Almas Benditas, que ent?o sim! (Contada por um caboclo velho, antigo morador de Juiz de Fora, onde ? muito vulgar esta lenda, entremeada de diversos epis?dios).
A lenda do Morro da Boiada, em Juiz de Fora.
|
O escritor foi tamb?m o autor da letra do hino "Marcha de Juiz de Fora", com
m?sica de Duque Bicalho:
Viva a Princesa de Minas, Viva a bela Juiz de Fora, Que caminha na vanguarda, Do progresso estrada fora! Coro Das cidades brasileiras, Sendo a mais industrial, Na cultura e no trabalho, N?o receia outra rival!
|
J? Ant?nio Henrique Weitzel (22/04/1932), "professor competente, pontual,
respons?vel, seguidor convicto da ordem e da organiza??o, ? o mesmo autor,
que trabalha a cultura popular com zelo igual ?quele com que transmite a
cultura erudita", conforme t?o bem apresenta-o N?bia Pereira de Magalh?es
Gomes, saudosa professora da UFJF, pesquisadora das tradi?es do povo
mineiro. De sua obra, destacamos trechos relativos aos prov?rbios e ?s
adivinhas:
Uma outra cr?tica que se faz aos prov?rbios ? a de que eles s?o receita pronta, e o mundo moderno repudia tais li?es predeterminadas como obst?culo ? livre tomada de consci?ncia dos problemas atuais, conformando o indiv?duo ? sua pr?pria sorte e induzindo-o a erros. ? preciso que se atente para a verdadeira li??o exarada no prov?rbio. Tudo fruto de longa experi?ncia. H? prov?rbio para tudo. ? s? conhec?-lo para aplic?-lo no momento certo com efeito conclusivo. Depois dele nada mais a acrescentar. E aqui me calo. Como dizia minha av?: "Quem fala demais d? bom-dia a cavalo". E eu n?o estou aqui para isso. Melhor dizendo: "Quem fala semeia; quem escuta recolhe".
|
Al?m do trabalho de coleta de prov?rbios, Weitzel aponta as fun?es das
adivinhas, sua estrutura e estilo, tipifica-as, classifica-as e recupera sua
hist?ria:
Exemplo curioso de vencer o tempo e o espa?o encontrei, entre outros mais,
na seguinte adivinha que foi colhida no Col?gio de Santa Catarina, em Juiz
de Fora (MG), em pesquisa ali realizada em 1985: -"O que ?? o que ?? Terra mimosa, Semente preta; Salta a semente, Fica uma rosa?" Analisando esta adivinha, fui encontr?-la, surpreso, na obra de Te?filo Braga "O Povo Portugu?s nos seus Costumes, Can?es e Tradi?es" (1986), cuja edi??o original data de 1885, sendo seu registro primeiro, portanto, de 100 anos antes. L? estava ela recolhida e registrada com todos os efes e erres, variando apenas a posi??o inicial dos dois primeiros versos:
-"Semente preta,
Adivinha o que ??: adivinha?es, brincadeiras e perguntas. p. 28 |
|
|||
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!