O belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado...
E, no entanto, acredite
Quase morreu de bronquite
Salvou-o o Rum Creosotado"...
Eram assim os reclames expostos nos bondes que, rom?nticos e barulhentos, trafegavam pelas ruas de Juiz de Fora.
Segundo Caldas Aulete, bonde ? uma palavra que veio do ingl?s bond (liga??o el?trica) e que d? nome ao carro de tra??o el?trica sobre trilhos para transporte urbano de passageiros ou carga. Figuradamente, significa mau neg?cio, logro, preju?zo e comprar bonde ? cair no conto do vig?rio, assim como tomar o bonde errado quer dizer enganar-se e ver frustrados seus intentos...
Nosso bonde juizforano teve uma representa??o especial no imagin?rio de nossos poetas a ponto de muitos deles remeterem ao ve?culo de transporte coletivo e extremamente democr?tico como parte de uma saudade nost?lgica, cheia de lembran?as. De acordo com a ordem cronol?gica, vamos encontrar Ant?nio Bernardes Fraga (l? pelos idos de1918), um autor fl?neur baudelairiano, que toma um bonde para fazer suas cr?nicas e public?-las na coluna "Mazelas sociais". Usa ironia, misturando linguagem informal com erudita, narra fatos cotidianos, apurados no bonde e denuncia problemas de ?poca que, infelizmente, persistem at? hoje:
Ao sair de casa, preparado para fazer a excurs?o de investiga??o pela cidade, avistei com prazer um dos meus poucos leitores, a quem expus meu plano e convidei-o a acompanhar-me no giro por estas ruas... a? vem o bonde, eu lhe disse; tomemo-lo e vamos at? o Alto dos Passos; de l? come?aremos nossas observa?es. - Agrade?o-lhe muito a distin??o que me concede, entretanto... naquele bonde n?o entro: ? o manquetola. Aquele balan?o me faz mal aos nervos; iremos noutro. N?o pude esperar o meu amigo; segui s?. |
Paulino de Oliveira, o cronista da cidade, considerado por Cosete de Alencar como "o mais credenciado historiador local, sobretudo porque, al?m da fidelidade documentada do texto de seu trabalho, enriquece-o com uma corre??o vocabular muito rara hoje em dia, at? mesmo entre escritores profissionais de renome", fotografa a paisagem urbana, n?o se esquecendo de seus t?o decorativos bondes:
Do Z? Weiss ao Lama?al era a linha principal dos bondes el?tricos de Juiz de Fora, quando aqui cheguei, em abril de 1916, para trabalhar, como tip?grafo, no "Guia Geral de Indica?es ?teis", editado por Aristides Maldonado. Mas s? chega ? Santa Casa. O lama?al ficava mais adiante, em frente ao Asilo Jo?o Em?lio, no local onde est? hoje o Bairro Bom Pastor. A passagem custava duzentos r?is e dava direito a "fazer o n?", isto ?, descer pela rua do Esp?rito Santo, passar pela Esta??o e subir a Marechal Deodoro, ganhando de novo a Avenida Rio Branco. Isto para quem vinha do Z? Weiss. Quem vinha em sentido contr?rio descia pela Marechal Deodoro e contemplava o "n?" subindo pela Esp?rito Santo. (...) Jos? Weiss e Lama?al eram considerados ent?o os dois extremos da cidade. |
Mais para a frente, Rachel Jardim resgata o bonde, como marco de ?poca, que deixa no imagin?rio da cidade uma representa??o nost?lgica de tempos que n?o voltam mais:
Amava tamb?m o bonde, o seu trajeto, curt?ssimo, na ?poca me parecia enorme. Costumava vagar nele pela cidade. Passava em frente ao Museu Mariano Proc?pio. Essa casa, gra?as a Deus, conservaram. |
A trovadora Vera Maria de Lima Bastos, em s?ntese po?tica, usa um recurso estil?stico que se aproxima do haicai nip?nico, exigindo t?cnica e sensibilidade. As redondilhas maiores, nas trovas a respeito de Juiz de Fora, cont?m o lirismo e a mem?ria dos tempos felizes da inf?ncia ing?nua e simples que permitem vislumbrar o grande encantamento com a terra natal, hoje alterada pelo progresso:
Nasci nesta Juiz de Fora das f?bricas e cultura. Feliz de quem aqui mora vivendo tanta ventura! Teus bondinhos, Juiz de Fora, |
Profissional m?ltiplo, j? atuou em v?rios setores, e ? hoje jornalista e advogado, Renato Mattosinhos publicou, na s?rie "Juiz de Fora de outrora - Cr?nica urbana", do jornal Correio da Mata em 1987, com aguda percep??o, tra?os liter?rios e boa dose de humor, a hist?ria a cidade, desde as revoltas no pres?dio, at? o processo de constru??o-desconstru??o em camadas da cidade que se transmuta rapidamente atrav?s do tempo, guardando sempre seu car?ter pioneiro:
No dia 15 de novembro de 1881, Juiz de Fora j? possu?a os seus bondes. Melhoramento que nem mesmo Ouro Preto, a Capital da Prov?ncia, podia se
orgulhar de ter. Tamb?m, pudera, l?, subindo e descendo montanhas, s? mesmo
cabrito os puxando. VII - 04/02/87 |
Maur?cio Hugo Gama de Menezes, cirurgi?o-dentista, produziu grande n?mero de cr?nicas, com circula??o restrita, versando sobre fic??o e coisas do cotidiano. Em A briga na padaria, publicado em 1997, t?tulo que, segundo o autor, foi inspirado em pequena hist?ria de fic??o acontecida, envolvendo p?es e pessoas, Maur?cio remete ao carnaval, aos logradouros antigos e novos da cidade, ? hist?ria dos imigrantes, aos m?sicos populares. Seu texto ? ir?nico, leve, ?gil, uma nova forma de escrever mem?rias, uma vez que, apesar de as descri?es serem muito detalhadas e ricas, o texto movimenta-se dinamicamente entre os casos e as pessoas:
Na Andradas, o tr?nsito j? era intenso naquela ?poca: carros de passeio, ?nibus, bondes, caminh?es, carro?as e carrocinhas. Os bondes, devagar e balou?antes, passavam levando passageiros ecl?ticos: oficiais do Ex?rcito, professores, estudantes, trabalhadores, policiais militares... O trajeto era do Centro para os bairros de Manoel Hon?rio, Bonfim, Mariano Proc?pio, F?brica e Santa Teresinha, ou vice-versa. p.137-9 |
O escritor Carlos Roberto Pimenta possui, como letrista, v?rias m?sicas gravadas e j? publicou diversos artigos espec?ficos, em jornais paulistas, e o livro Noite passada pela Lei Murilo Mendes de Incentivo ? Cultura, edi??o, 2000. Para retratar Juiz de Fora, o autor imagina uma hist?ria em que a personagem principal - a Noite - ? raptada e, em sua procura, aparecem dois detetives que percorrem os espa?os mais significativos, em uma rememora??o on?rica e atemporal. O t?o famoso carnaval juizforano e seu marco dos desfiles das escolas de samba, a ?ltima viagem no ?ltimo bonde, encerrando o ciclo "pr?-moderno", comp?em a mem?ria reconstru?da:
Encerrada a festa de entrega do disco, um outro momento come?ava, j? agora com um misto de alegria e tristeza. O ?ltimo bonde de Juiz de Fora ia ser definitivamente recolhido ?s oficinas da Prefeitura, no Alto dos Passos. No ponto central da Rua Direita, de frente para o Restaurante Rio Lima: - l? estava o velho e querido bonde, pronto para sua ?ltima viagem! Na mesma dire??o, do outro lado da Rua Direita, com portas de madeira vai-e-vem, bem ao estilo dos "saloons de far-west", ficava outro bar e restaurante de primeira linha, com um vistoso "Gato Preto" em sua placa de identifica??o. Suas tulipas guardavam um disputado chope e sua comida alem? j? era estrela em Juiz de Fora, guiada pelos Gomes, Jaime e Geraldo, propriet?rios do estabelecimento. Seu famoso e condimentado chouri?o, quem quisesse que comesse sem tardan?a, porque ?s 24 horas em ponto, impreterivelmente, a voz de Geraldo Cara-de-Cavalo ecoaria por todos os cantos da casa: -"meia-noite: hora de fechar as portas e n?o servir a mais ningu?m!". Naquele dia o recado de Geraldo foi dado bem mais cedo, mas nem precisava. Porque como ele, os fregueses do Gato Preto tamb?m queriam participar da festa de despedida do derradeiro ve?culo el?trico sobre trilhos de Juiz de Fora. Na dire??o do bonde, como motorneiro, Pedro Ferreira n?o conseguia esconder a l?grima que teimava em molhar sua face. Ao seu lado, no banco dianteiro, Roberto Medeiros e Dormevilly fundiam sentimentos, sem qualquer preocupa??o com a indisfar??vel tristeza que os embalava naquele momento hist?rico. (...) O progresso pedia passagem. A Rua Direita, com suas ?rvores do fruto jal?o pelas cal?adas, colorindo o ch?o sob sua copa, e tamb?m a roupa dos descuidados, com n?doas da cor violeta, tornara-se pequena para as modern?ssimas e possantes m?quinas que por ali trafegavam. p.74-5 |
O poeta Paulo de Tarso Andrade fotografa o bonde, lembran?a constante na mem?ria dos juizforanos, mesmo passando dialeticamente pelas transforma?es modernas, registra em sua leitura seu trajeto da inf?ncia ao agora:
Bonde de S?o Mateus Passo para o estribo, De frente ao desvio, Onde os bondes Subiam... desciam... (...) Acordo suado. N?o h? trilhos! H? canteiros Fa?o a curva Emocionado Padre Caf? "? vista" Onde mora?
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Luc?lia de Almeida Neves Delgado, como literata, prestigia a terra das margens do Paraibuna, onde revisita a inf?ncia com seus perfumes, sabores e sons e em "Bonde", continua o resgate da inf?ncia e juventude perdidas:
Tra?ado de trilhos lineares, lembran?as de tempos alados. Estribos e inf?ncia. Firmamento em movimento, namorados e descobertas. |
Professora de Hist?ria da Arte do Departamento de Hist?ria da UFJF, Maraliz de Castro Vieira Christo escreveu e ilustrou o livro infantil Juiz de Fora de dentro da gente. Juiz de Fora: EDUFJF, 1996, um resgate memorial?stico de tempos felizes:
- Era o Bonde do Jardim de Inf?ncia. Ele levava os alunos do pr?-escolar, como se fala hoje. O bonde sa?a de S?o Mateus, andava pela cidade toda at? chegar no Mariano Proc?pio. Era uma festa. Para a gente n?o cair no meio daquela bagun?a toda, o bonde era fechado nos lados, por uma cerquinha de madeira. |
Marcos Neves, em seu texto publicado pela Tribuna de Minas, "Juiz de Fora em dois tempos" conta no editorial l?tero-po?tico-hist?rico que "A luz que movimentou as ind?strias trouxe, tamb?m, os rom?nticos bondinhos el?tricos".
Enfim, o bonde - elemento de transi??o das transmuta?es sociais provocadas pelo avan?o tecnol?gico - possui fun??o relacional na fabula??o po?tica, presentificando-se muito mais como um espa?o l?dico da inf?ncia do que como meio de locomo??o e transporte. |
Peguemo-lo, ent?o, para n?o perdemos o "bonde" da Hist?ria!...
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