CENA 6 Clareia o quadro. Entram os sogros e se posicionam lado a lado, frente ao paciente. Por um tempo, apenas observam. A express?o de ambos ? de profundo abatimento: a dele, ? severa; a dela, dolorida. |
A sogra - Eu ainda n?o acredito que isto esteja acontecendo, j? passados
seis meses. ? um pesadelo longo demais.
O sogro - De pesadelo a gente desperta. N?s perdemos nossa filha e isso n?o
? nenhum pesadelo: ? uma realidade. O pesadelo ? ele continuar a?... um
morto-vivo.
A sogra - Tudo por causa de um segundo... E pronto! Duas vidas destru?das. E
o sofrimento dos que ficam. Eu n?o me conformo... e n?o vou me conformar
nunca...
O sogro - Eu nunca gostei... Sempre escondi isso, mas agora revelo... Nunca
gostei desse jeito dele ser... Ousado, adorava tudo que ? perigoso:
motocicleta, asa delta, lanchas velozes. Ele gostava de correr, isso ?
ineg?vel, e agora... olha a?. Foi esse esp?rito dele, de?m o nome que
quiser, esse esp?rito meio maluco que levou a minha filha querida embora. E
isso eu n?o perd?o... Oh, meu Deus... n?o perd?o nunca!
Os dois choram sem se conter. A enfermeira retorna, observa penalizada a cena por um instante e os encaminha para a sa?da. Escurece a tela. |
O sogro (off) - N?o perdoarei nunca!
CENA 9 Clareia a imagem quando a enfermeira conduz o velho amigo at? a cabeceira. Ele demonstra que est? levemente embriagado - acabou de entornar umas com uns amigos e decidiu fazer uma visitinha em nome de todos. Mais descontra?da do que na cena anterior, a enfermeira aponta o paciente com o queixo. |
Enfermeira - Olha ele a?. Que pena, t?o bonito. Fui dizer isso pro meu namorado e ele ficou com ci?mes. Ele, o meu namorado, ? assim mesmo: se acha o cara mais lindo do mundo. E o pior ? que ele ? mesmo bonit?o. Mas dizer que ? o mais bonito... ? ruim, hein! (Tom) Olha, eu estou aqui do lado. Se houver necessidade, ? s? tocar essa campanhia. Vou te deixar a? cinco minutinhos com ele. T? legal?
A enfermeira sai, enquanto o amigo observa as curvas insinuantes do belo corpo dela at? sair do quarto. Volta aten??o para o paciente, e permanece im?vel um longo tempo. As p?lpebras come?am a pesar, indicando sonol?ncia. Numa terceira tentativa de resistir, balan?a a cabe?a para espantar o sono, e encara o paciente. |
Amigo - E a?? T? gostando da minha visita? (Faz um gesto com a m?o como quem diz "olha eu aqui") Bem, quem cala consente. (Tom) Resolvi te ver hoje, porque essa noite passada sonhei com voc? e o Guto. No dia em que fizemos a aposta: o ?ltimo dos tr?s que morresse, passaria o resto da vida bebendo a parte dos que se foram. A gente tinha uns vinte anos e est?vamos num porre daqueles, cantando "I can't get know, satisfaction..." Lembra? (Pausa) E confesso pra voc? que venho cumprindo religiosamente o trato com o Guto... aquele merda... desde que a Aids acabou com ele, h? dois anos. Logo ele, comedor do jeito que era... Aids em heterossexual, eu n?o vou entender nunca... E agora, voc?, seu idiota, metido a fod?o em tudo mais que os outros. E o pior, ? que voc? era mesmo o mais boa pinta, o mais espirituoso, o mais inteligente... E agora voc? nesse vai-n?o-vai...
O amigo interrompe disfar?a a emo??o, quando a enfermeira retorna. O clima f?nebre vai dando lugar ao g?nero "atra??o fatal" entre ambas as partes. |
O amigo (limpa a garganta) - Voc? trabalha aqui h? muito tempo?
Enfermeira - H? doze anos. Mas sou enfermeira h? mais de vinte. ? tempo pra
caramba.
O amigo - E o seu namorado? Ele tamb?m trabalha aqui?
Enfermeira - N?o. Ele ? tem uma loja de celulares. J? fui casada, mas acabou
e nunca mais quero saber de casamento.
O amigo - Cada um na sua.... ? bem melhor assim. Eu tamb?m sou descasado e
hoje... (faz um gesto que exprime liberdade) sou livre feito um
passarinho. (Sorriso de conquistador) Mas com voc? at? que eu pensaria outra
vez...
Enfermeira - Hum, quem v? assim...
Amigo - Assim como?
Enfermeira - Voc? nem me conhece...
Amigo - Mas o pouco que conhe?o j? d? pra ver que a gente ia se dar
bem.
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