Luiz Eduardo Soares
Benef?cios do desarmamento
por Luiz Eduardo Soares,
Valor Econ?mico/Gramsci e o Brasil
A pergunta chave, cuja resposta deve orientar o voto no referendo, ? a seguinte: h? raz?es e evid?ncias consistentes que justifiquem a suposi??o de que haja elevada probabilidade de que a eventual proibi??o do com?rcio de armas e muni??o contribua para salvar vidas e preservar a integridade f?sica de cidad?s e cidad?os, os quais, de outro modo, estariam submetidos a graves riscos? Minha resposta ? sim.
Para fundament?-la, vou tratar dos quatro usos das armas de fogo, por n?o profissionais da seguran?a p?blica e das For?as Armadas: o uso criminoso planejado; o uso criminoso n?o-planejado; o uso involunt?rio ou acidental; e o uso defensivo e leg?timo. A quest?o b?sica est? em saber se a proibi??o incidir?, significativamente, sobre os tr?s primeiros usos, inibindo-os, e se os benef?cios deste efeito ser?o maiores do que as eventuais perdas advindas da inviabiliza??o do uso defensivo. Respondo tamb?m afirmativamente a essas duas perguntas.
Com base nos dados do IBGE (SIM/DATASUS), Waiselfisz demonstrou que, entre 1979 e 2003, mais de 550 mil pessoas morreram no Brasil por disparos de arma de fogo ? 44,1% das v?timas eram jovens, entre 15 e 24 anos, os quais, entretanto, n?o passam de 20% da popula??o. O aumento do n?mero de v?timas de homic?dios dolosos, com armas de fogo, entre os jovens desta faixa et?ria, foi de 742,9%, no mesmo per?odo. Estamos falando, portanto, de uma trag?dia nacional, que atinge, sobretudo, os jovens do sexo masculino, em geral pobres e freq?entemente negros.
Estudo de Dreyfus e Nascimento estima que h? 17.325.704 de armas de fogo, no pa?s: 1.031.386 com integrantes das For?as Armadas (na ativa e na reserva); 715.224 com profissionais da seguran?a p?blica, magistrados, oficiais de justi?a e categorias vinculadas ao sistema judici?rio; 6.815.445 com civis, incluindo-se colecionadores e esportistas; e 8.763.614 de armas ilegais, nas m?os de civis (das quais 3.995.970 estariam com criminosos).
Ao contr?rio das drogas, cujo processo ? ilegal do in?cio ao fim - isto ?, da produ??o ? distribui??o, at? o consumo -, as armas ilegais a servi?o do crime come?am seu percurso dentro da lei e s?o desviadas, em algum ponto do caminho. A migra??o de armas para o circuito ilegal decorre de furtos, roubos ou negocia?es informais. No Rio de Janeiro, 25,6% das armas de fogo que foram apreendidas pelas pol?cias entre 1981 e 2003 tinham sido registradas por propriet?rios legais ? pesquisas de Dreyfus, Rivera e Cano confirmam esses n?meros. Em S?o Paulo, esses casos corresponderam a 52% das armas apreendidas entre 2000 e 2003. Em Bras?lia, foram 29%, no per?odo 2001 a 2003 (fontes: DFAE, RJ; SSP, SP; DAME, DF).
Com que armas atuam os criminosos? N?o nos iludamos com os mitos das armas de guerra, contrabandeadas do exterior. Elas existem em um n?mero muito alto, mas nem de longe constituem o principal problema. Tomando-se os casos dos estados do Rio e de S?o Paulo, que, no ano 2000, foram respons?veis por metade (50,5%) dos homic?dios que ocorreram no Brasil, inclusive daqueles cometidos com armas de fogo (51%), descobriremos dados surpreendentes: das 44.437 armas apreendidas, no Rio, entre novembro de 1996 e abril de 1999, Cano demonstra que 72,9% eram nacionais. Cerca de 80% eram rev?lveres e pistolas. Em S?o Paulo, em 2003, apenas 4% das armas apreendidas n?o se originaram do mercado legal e nacional. Al?m disso, observe-se que 66% eram rev?lveres; 20%, pistolas; 10% armas de brinquedo. Grande parte do armamento pesado tamb?m era de fabrica??o nacional.
Eis a?, portanto, a resposta ? primeira pergunta: como entre 25% e 96% - conforme a regi?o - das armas do crime t?m origem legal e s?o roubadas ou renegociadas, ? racional deduzir que a proibi??o do com?rcio pode reduzir o arsenal criminoso significativamente, o que incidiria sobre o n?mero de crimes letais planejados.
N?o s? as armas ilegais oferecem perigo. H? os crimes letais n?o planejados: s?o os atos passionais cometidos por quem n?o tem carreira criminal; s?o casos que s? ensejam o desfecho tr?gico porque h? uma arma dispon?vel. A quantidade dessa modalidade de crime, no Brasil, varia conforme as regi?es, mas nunca ? menor que um sexto ou maior que a metade do total de homic?dios: ? poss?vel afirmar que, dos 40 mil homic?dios dolosos que ocorrem por ano, no Brasil, correspondam a pelo menos 10 mil. O bloqueio ao acesso ? arma de fogo salvaria, certamente, a maioria dessas vidas. Desse universo fazem parte as mulheres, principais v?timas de viol?ncia dom?stica, cujos perpetradores s?o, em dois ter?os dos casos, maridos, ex-maridos e conhecidos. Al?m disso, note-se que hospitais brasileiros internam tr?s crian?as por dia, lesionadas por arma de fogo: uma por agress?o e duas por acidente. Segundo Kellermann e Reay, quem possui armas em casa tem 43 vezes mais chances de ter sua arma envolvida na morte de algum conhecido do que usada para matar algu?m em leg?tima defesa. Como se v?, as armas tornam o conflito interpessoal potencialmente letal e s?o vetor importante nos acidentes e atos involunt?rios, tamb?m de graves conseq??ncias.
Finalmente, assinale-se que o uso de armas por n?o profissionais n?o ? fator eficiente de autodefesa. Pelo contr?rio, in?meros estudos, nacionais e internacionais (cf. Cook, May, Rolim, Cano, Bueno, Lima), comprovam que, em casa ou na rua, quem reage a um crime com arma tende a tornar-se mais vulner?vel a viol?ncia ainda mais intensa do que a evit?-la. Portanto, n?o faz sequer sentido indagar se todos os benef?cios da proibi??o j? referidos, que incidem sobre crimes planejados, passionais e acidentes, compensam ou n?o a perda das supostas vantagens proporcionadas pelo uso defensivo das armas de fogo.
Temos muito a aprender com canadenses, australianos, ingleses e japoneses, que proibiram o com?rcio de armas e tiveram ?xito. A situa??o catastr?fica da seguran?a p?blica, no Brasil, n?o autoriza hesita?es. O problema n?o ? ideol?gico. O compromisso com a vida determina o voto sim, no referendo.
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