Literatura e cinema: narrativas

A literatura sempre foi uma das influ?ncias do cinema, desde os prim?rdios da chamada s?tima arte. A aproxima??o destes dois setores deu-se, basicamente, pela quest?o da narrativa, que impulsionou tanto um como outro. Hist?rias s?o a base de grande parte da fic??o liter?ria e cinematogr?fica.

Apesar desta identifica??o antiga e de a narrativa ainda ser marca importante nos dois campos, desde o final do s?culo passado h? um movimento que est? mostrando um outro lado da quest?o. A grande narrativa, que marcou principalmente o romance e o filme de fic??o dito cl?ssico, passou a ser deslocada do centro. Outros tipos de narrativa e tamb?m aqueles que n?o s?o narrativos come?aram a ter maior espa?o e a ser trazidos tamb?m para a regi?o central tanto do cinema quanto da literatura.

Isso marca uma nova maneira de entender o que est? acontecendo hoje no cen?rio cultural. J? no in?cio do s?culo passado, na d?cada de 30, Walter Benjamin chamava a aten??o para o decl?nio das grandes narrativas. O fil?sofo Fran?ois Lyotard refor?ou este ponto de vista anos depois, j? na d?cada de 80. Hoje, isso j? est? mais claro, nem sendo preciso um discurso articulado para mostrar o que se passa. ? vis?vel que a narrativa cl?ssica vem perdendo espa?o para narrativas mais fragmentadas, menores e tamb?m para o que n?o tem car?ter narrativo.

A literatura contempor?nea est? vendo surgir um movimento j? bastante forte, em que o conto vem tomando espa?os, em alguns momentos se aproximando da cr?nica, em outros retomando caracter?sticas mais pr?ximas da novela, mas onde o grande romance de fic??o n?o ? mais a fonte nem o rumo a ser seguido.

No caso do cinema, o filme de fic??o de modelo hollywoodiano, que tamb?m ? inspirado, de certa maneira, no romance liter?rio e com caracter?sticas como estrutura linear, a figura do her?i e o final feliz, tamb?m vem perdendo espa?o. Desde a chamada Nouvelle Vague, principalmente, o cinema narrativo vem sendo questionado, e as pequenas narrativas ou os filmes em que os personagens t?m mais peso do que a hist?ria v?o tomando espa?o nas telas.

Um outro aspecto desta mesma quest?o est? na maneira como se produz hoje. H? muitos escritores se dedicando menos ao grande romance e abrindo espa?o para as pequenas hist?rias, para o olhar sobre o cotidiano, para tem?ticas ditas ?menores?, ou mesmo para quest?es que se aproximam mais da disserta??o ou da descri??o e menos da narra??o. O conto tamb?m ? uma forma dita ?menor? e acaba impulsionando este tipo de reflex?o mais sobre as coisas mais banais e de dimens?es reduzidas e n?o sobre o grandioso, o ?pico.

Ainda sobre o conto, h? forte influ?ncia hoje de um pensamento que discute as micronarrativas, onde existem autores produzindo textos de algumas linhas apenas, em que apenas uma id?ia ? colocada, com a maior for?a e o maior impacto poss?veis. A?, n?o h? espa?o para grandes hist?rias ou caracteriza??o de personagens. Tudo se passa em um pequeno espa?o. ? quase que uma narrativa de um fragmento, um momento, por vezes o mais marcante, de uma hist?ria maior que n?o ? contada, apenas subentendida.

O cinema tamb?m tem estado pr?ximo destas quest?es. A grande narrativa tem sido colocada de lado ao se levar em conta um outro aspecto da quest?o, que j? esteve mais em voga na literatura e que agora est? sendo real?ado no cinema: o caso da mistura entre fic??o e realidade. O espa?o do documental est? sendo rediscutido e h? muitos filmes levantando aspectos desta liga??o entre o que ? real e o que ficcional, por vezes transformando a pr?pria id?ia da exist?ncia de uma linha clara que separa um do outro.

Esta liga??o tamb?m acaba por trazer outra, sobre o que n?o ? ficcional e que acaba indicando para o n?o narrativo, para momentos em que se ressalta uma interrup??o da trama. Sobre isso tamb?m ? discutida uma poss?vel est?tica mais pr?xima do v?deo e tamb?m de um certo tipo de se fazer televis?o, onde a hist?ria n?o ? o principal. O videoclipe tamb?m seria uma influ?ncia desta tend?ncia.

Apesar de tudo isso, h? que se verificar uma outra id?ia que come?a a surgir por agora. A possibilidade de pequenas narrativas no cinema, as ditas micronarrativas, tamb?m come?am a ser exploradas. O espa?o para isso n?o ? o cinema comercial e, por vezes, nem mesmo o cinema em pel?cula, mas antes o cinema digital e, em alguns momentos, feito mais como v?deo em curta metragem.

Alguns mais apressados v?o mostrar logo a influ?ncia da publicidade e apontar a vinda de profissionais desta ?rea para a atividade cinematogr?fica como o impulsionador deste tipo de tend?ncia. No entanto, o que existe, de fato, ainda ? uma tend?ncia e n?o algo j? incorporado a uma maneira de se fazer cinema e que se tornou corrente.

Por este motivo, o cinema em micronarrativa ? menos reconhecido do que, por exemplo, a exist?ncia de pequenas narrativas dentro das fic?es e mesmo dos document?rios mais longos e tamb?m a de interrup?es em tramas nas quais a hist?ria parece parar por um curto espa?o de tempo para ser retomada logo depois.

A quest?o da micronarrativa apareceria, portanto, como algo que come?a a ser pensado a partir da linguagem que incorpora o digital, a edi??o n?o-linear, elementos do v?deo e come?a a se espelhar no conto muito curto. Se isso lembra, por vezes, a publicidade, pode ser at? natural, pela necessidade desta de trabalhar com curtos espa?os de tempo. No entanto, trata-se menos de vender um produto ou id?ia e, muito mais, de refor?ar um momento ou mesmo uma id?ia numa hist?ria que quase n?o em tempo de ser contada.

Hist?ria esta em que, ao mesmo tempo que se apresenta, j? se desenrola e tamb?m ? um desfecho. Formato dif?cil de ser trabalhado, mas instigantemente audiovisual, j? que se pode descrever rapidamente com as imagens, acrescentar certas id?ias com um som ou mesmo uma refer?ncia sonora - sejam ru?dos, sejam m?sicas - e tamb?m encontrar em palavras um texto que funciona como legenda ou como um tipo de refer?ncia ao espectador. Isso pode dar a entender uma micronarrativa.

Ali?s, algumas cenas de cinema t?m exatamente este tipo de organiza??o. Ou por que lembramos de certas seq??ncias e n?o de outras em determinados filmes? Por que h? fortes lembran?as sobre Hitchcock e a c?lebre seq??ncia do chuveiro em ?Psicose? ou sobre o aparecimento do grande peixe em ?Tubar?o?, de Steven Spielberg?

V?-se a? as caracter?sticas colocadas anteriormente: ambiente rapidamente colocado pelo posicionamento da c?mera, som incidental que marca diretamente o acontecimento e uma micronarrativa que se d? rapidamente, come?o, meio e fim. N?o h? nem tempo de se compreender detidamente o que est? acontecendo, j? que acontece enquanto a compreens?o vai se adequando a tudo aquilo. E o resultado ?, na maioria das vezes, marcante.

Nem todas as seq??ncias, por?m, s?o assim, nem todos os filmes s?o assim. Mesmo o espa?o para filmes que sejam, num todo, uma micronarrativa ainda n?o existe fora de eventos alternativos e alguns sites da Internet. Do mesmo modo que est?o neste tipo de lugar tamb?m as micronarrativas da literatura, que tamb?m est?o encontrando nas mensagens de texto do celular algum espa?o de divulga??o.

Talvez os filmes produzidos no celular venham a se constituir, num futuro pr?ximo, tamb?m local para micronarrativas, mas isso ainda n?o d? para se saber no momento. Resta poder observar este movimento, esta tend?ncia, e encontrar a? novos olhares e novas possibilidades de se entender a contemporaneidade.

Carlos Pernisa Junior
Luzes da Cidade - Grupo de Cin?filos e Produtores Culturais


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