Sábado, 26 de outubro de 2013, atualizada às 10h

Um homem que sabe contar histórias

O professor Rodrigo Barbosa foi indicado ao prêmio São Paulo de Literatura com o romance O homem que não sabia contar histórias

Eduardo Maia
Repórter
rodrigo

"Estava em determinado dia tomando um chope em um bar no Rio de Janeiro e vi uma roda de homens e um sujeito sentado no centro, contando casos de uma forma muito preponderante. Pensei: esse é um cara que sabe contar história. E, ao mesmo tempo, me questionei: qual seria o contraponto? Como seria um homem que não saberia contar nenhuma história? E comecei a pensar algo nessa linha."

O relato acima é do professor e jornalista Rodrigo Barbosa (foto ao lado), considerado o ponto inicial para seu romance O homem que não sabia contar histórias, publicado pela Editora Record em 2012. O livro ganhou o gosto da crítica e está entre os 20 finalistas do prêmio São Paulo de Literatura na categoria de autores estreantes, com mais de 40 anos. "A indicação foi uma surpresa. O escritor Mário Prata me disse, depois ter lido: pena que no Brasil não tem um prêmio como na Europa e nos Estados Unidos para autores estreantes. Dois dias depois, ele me ele disse que tinha sim. Quando vi, a editora estava inscrita nesse prêmio", conta.

Rodrigo é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) há 26 anos. Construiu uma carreira sólida, no ofício de jornalista e chefe de reportagem da Folha de São Paulo, em sua sucursal do Rio de Janeiro. Atuou também na comunicação institucional da Prefeitura de Juiz de Fora, da MRS Logística e, mais recentemente, da Secretaria de Comunicação da UFJF. "Sempre gostei de estar no mercado e na academia, de fazer este casamento. Jornalismo é um curso que forma profissionais para lidar com a informação e estar na sala de aula é uma grande oportunidade de compartilhar o conhecimento com gente jovem", avalia.

A paixão pelo Jornalismo nasceu quando, na adolescência, Rodrigo assistiu ao longa Todos os homens do presidente (1976) no Cine Art Palace. No filme, dois repórteres do jornal americano The Washington Post levaram o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, a renunciar por esquema de lavagem de dinheiro e espionagem. O roteiro fez com que o garoto colocasse a desenvoltura dos jornalistas como um exemplo para a sua vida.

Além disso, o ambiente familiar também foi um grande propulsor de sua carreira, pela aproximação da cultura e das artes desde a sua infância. Seu pai, José Carlos Barbosa, é médico, professor, foi pró-reitor da UFJF. A mãe, Leila Barbosa, é professora e escritora. "Esse ambiente familiar foi certamente um estímulo a entrar na vida cultural, de escrever, de gostar de música, de ler. Meu pai tem uma convivência cultural da cidade e minha mãe escreve um livro sobre resgate cultural de Juiz de Fora", relembra.

O homem que não sabia contar histórias

rodrigoO romance é protagonizado por José Brás, meteorologista do Centro de Climatologia da Universidade. Ele se percebe na condição de não saber contar histórias e busca forma de relatar o caso de uma paixão na adolescência, à qual não conseguiu se entregar. O livro ainda resgata uma história do imaginário popular, ao relatar uma lenda do aparecimento de luzes na serra do Matumbi, em Juiz de Fora. Na obra, o autor ainda destaca importantes momentos políticos da história do país como "pano de fundo", entre eles, alguns momentos do período militar e das diretas. 

"Eu relacionei o romance a alguns pontos que acho que são marcantes, esse conjunto de coisas foi a espinha dorsal. Tudo com o objetivo de dar à história esse caráter de realidade. Fiz isso também com a música, ela está muito presente no livro que traz uma história de amor. Uma história de um amor não realizado, que foi fantasiado, ao mesmo tempo que acontecia uma coisa de verdade com o personagem", relata.

Sobre o fato de se entregar à produção do primeiro romance, Rodrigo descreve o seu amplo envolvimento durante a escrita. "Eu tive a coragem de encarar o romance, que acaba se tornando pesado e desgastante. Você acaba sendo dominado por ele, ele entra na sua vida, você dorme com o personagem, toma banho, sai com eles, eles te provocam, tem dias que você fica frustrado, tem dias que você fica super feliz que você conseguiu dar um encaminhamento", diz.

Dentro da obra, Barbosa consegue, ainda, imprimir a ardência de um desejo não realizado de José Brás. A paixão de adolescente por Juliana ganha vida por meio da admiração do protagonista por outra personagem, Cecília. "Aquela mulher é criada por ele. Ela tem um dupla identidade. Ela vai se tornando real, à medida que vai avançando, mas ao mesmo tempo ela é o fruto de criação do José Brás com o seu caderno, tentando acertar as contas com o seu passado e a sua frustração."

A obra tem como cenário a cidade de Juiz de Fora. A alusão aos locais conhecidos da cidade da Zona da Mata exprimem a paixão do autor pela cidade. "Existe aquele clichê de "quando você canta a sua aldeia, estará cantando o mundo." A possibilidade de ser mais autêntico, mais verdadeiro e passar essa ideia ao leitor é falar de uma coisa que você conhece. Mas a partir do momento que a gente entra na nossa realidade e tenta traduzi-la numa narrativa ficcional, você tem a oportunidade de vestir essa narrativa de humanidade, de realidade."

Entre os locais destacados estão a própria universidade, algumas ruas do Centro da cidade, como a Halfeld e a Santo Antônio e o tradicional carnaval juiz-forano, materializado nos ensaios da Escola de Samba Turunas do Riachuelo. "O Carnaval me interessa muito. Já desfilei em escola de samba. Meu pai foi presidente de agremiação, vivenciei muito esse ambiente que me ajudou a compor a figura do Coronel Leão (personagem do livro que era carnavalesco, após se tornar militar reformado). Este livro tem muito de fantasia, de imaginação, e de situações que já ocorreram."

Rodrigo recebeu opiniões de escritores sobre o seu romance. "Recebi um e-mail do Mário Prata que dizia: 'suas mulheres são sensacionais'. Ele é um escritor de mulheres. É sinal que há uma verdade", avalia. Ele também foi elogiado pela escritora Rachel Jardim, que assina a orelha do livro. "Um dia a minha mãe deixou uma cópia com a Rachel, grande escritora juiz-forana. Até que ela me ligou encantada e fez elogios que achei exagerados", brinca.

Exagerados ou não, Barbosa não esconde a sua satisfação pela experiência e já rascunha projetos futuros. "A indicação ao prêmio não sei se motiva ou se cria a obrigação a fazer um novo romance. Comecei com uma ideia despretensiosa, queria experimentar. Sempre estive motivado e tenho dois projetos. Mas exige dedicação, agora eu tenho o mestrado, a sala de aula, a Secom, portanto tenho analisar a viabilidade", prevê.

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