O recente debate em torno da exposição de crianças a conteúdos impróprios nas redes digitais aponta um traço inquietante de nossa época: a ausência de regulamentação cria um terreno fértil para que a vulnerabilidade seja explorada como recurso de mercado. A chamada “adultização da infância” não pode ser vista apenas como um desvio cultural, mas como sintoma de uma lógica que transforma a inocência em mercadoria. É nesse contexto que as plataformas digitais acabam, em nome do lucro, oferecendo aquilo que mais fragiliza a formação humana: estímulos imediatos, narrativas violentas, sexualização precoce e discursos manipuladores que corroem a dignidade, anestesiam a crítica e naturalizam a lógica do medo. Assim, ao capturar precocemente a infância com conteúdo violentos, sexualizados e manipuladores, não apenas se viola a dignidade, mas também se forja uma geração educada sob o signo da ameaça permanente. Em outros termos, a desinformação e a manipulação emocional deixam de ser fenômenos ocasionais e tornam-se “pedagogias ocultas”, moldando sujeitos menos críticos e cada vez mais dóceis à obediência cega tecnológica, na qual algoritmos decidem o que ver, pensar e até desejar.
Nesse contexto, torna-se urgente afirmar que regular não significa censurar, mas estabelecer condições para que a liberdade não seja confundida com manipulação. Em uma sociedade democrática, a ausência de regras claras abre espaço para que a vulnerabilidade humana seja explorada e para que o medo se converta em instrumento de governo invisível. Quando cidadãos, desde a infância, são bombardeados por narrativas que fabricam ameaças ou distorcem fatos, instala-se uma “pedagogia do medo” que enfraquece a crítica e naturaliza a obediência cega. O medo, nesse sentido, deixa de ser apenas experiência existencial e passa a operar como engrenagem de controle social, sustentando um poder difuso que age justamente porque se apresenta como neutro.
Nesse cenário, a educação ocupa um papel decisivo. Mais do que transmitir conteúdos, ela precisa formar consciências capazes de distinguir informação de manipulação, opinião de fato, liberdade de arbitrariedade. Não é exagero afirmar que a vitalidade da democracia depende da existência de sujeitos críticos, aptos a questionar tanto os poderes instituídos quanto os discursos fáceis que se espalham em ritmo acelerado pelas redes. O desafio, portanto, não é apenas político ou jurídico, mas também ético. É preciso resgatar o sentido profundo da liberdade, que não se reduz à escolha individual, mas implica responsabilidade diante do outro. Outrossim, é necessário defender uma esfera pública que não se limite à troca de ofensas ou ao consumo rápido de opiniões, mas que favoreça a reflexão e o diálogo.
Se a política do medo e a manipulação digital corroem silenciosamente a democracia, a saída só pode ser a retomada do pensamento crítico como prática cotidiana. Mais do que um direito, pensar é um dever ético diante de um mundo que insiste em nos reduzir a consumidores obedientes. A educação, nesse horizonte, não pode se limitar a transmitir informações, mas deve cultivar consciências capazes de discernir entre liberdade e manipulação, entre diálogo e ruído, entre democracia e seu simulacro.
Portanto, é necessário (re)existir como criança em meio ao cenário da adultização precoce e do domínio dos algoritmos, mesmo diante de um mundo que insiste em reduzir a vida ao cálculo e ao consumo.
Que se fortaleçam a democracia, a liberdade, a educação e o exercício filosófico, pois só assim poderemos (re)existir, desmascarar as desinformações e afirmar a soberania nacional diante das forças que tentam usurpá-la.