Vivemos um tempo em que estar cansado se tornou normal. Não o cansaço bom, aquele que vem depois de um dia de trabalho produtivo, mas um cansaço que parece não ter fim: o cansaço de fazer demais, de pensar em demasia e de querer em excesso. É como se estivéssemos todos presos a uma engrenagem invisível que exige movimento constante, mesmo quando o corpo e a alma pedem pausa. Nesse cenário, já não é preciso que ninguém nos cobre: nós mesmos fazemos isso o tempo todo. Acordamos com a sensação de estar atrasados, mesmo sem saber exatamente para o quê. Tentamos dar conta de tudo: do trabalho, da família, dos estudos, das redes, da vida e, no final do dia, sentimos que não demos conta de nada. É um cansaço que não se resolve dormindo, porque não vem do corpo, mas de uma alma saturada de exigência.

A sociedade moderna transformou a produtividade em virtude. Valemos pelo que fazemos, não pelo que somos. O tempo livre virou sinônimo de preguiça. Descansar virou luxo. Até o lazer foi capturado pela lógica do desempenho: se não for “produtivo”, não serve. O que antes era espaço de respiro, agora é mais uma tarefa na agenda. Vivemos ocupados em tempo integral e nos orgulhamos disso, como se a pressa fosse sinal de sucesso. Mas há uma sabedoria no ato de parar. Há um tipo de inteligência que só nasce no silêncio, quando o barulho do mundo se aquieta e conseguimos ouvir a nós mesmos. O descanso não é desistência: é condição para recomeçar. Aprender a parar é aprender a cuidar. Cuidar da mente, do corpo, dos outros, do que realmente importa.

Na educação, essa pressa também se faz sentir. Queremos resultados imediatos, avaliações rápidas, eficiência em tudo. Mas aprender é um processo que pede parcimônia. Exige tempo, escuta, tentativa, problematização e um movimento dialógico. Compreender é demorar-se nas coisas, permitir que elas nos atravessem e transformem. Por isso, ensinar e aprender são gestos profundamente humanos: não por sua técnica, mas por sua abertura ao inacabado. A lógica da produtividade, quando aplicada à educação, transforma o saber em desempenho e o aluno em número. Esquecemos que o conhecimento não floresce sob a pressão da urgência, mas no terreno fértil da escuta e da curiosidade. Educar é habitar o intervalo entre o perguntar e o responder, é reconhecer que o sentido não se impõe, acontece no encontro. Por isso, toda verdadeira aprendizagem nasce do diálogo: quando o educador se faz presença e o educando se descobre autor de sua própria busca.

Aprender, no fundo, é um exercício de humildade. É admitir que o saber não é posse, mas travessia. Que compreender não é acumular informações, mas deixar-se afetar por aquilo que se aprende. A educação que se faz apressada não forma seres pensantes, mas repetidores do já dito. E o que a escola (e a vida) mais precisam são de seres que pensem, que escutem, que demorem o olhar. Porque compreender, antes de tudo, é estar disposto a permanecer com as perguntas, sem a ânsia imediata de respostas.

Desse modo, entre ser e fazer, movemo-nos como quem busca, no meio da pressa, um sentido que se dissolve na própria corrida. O tempo nos escapa porque esquecemos de habitá-lo. Tornamo-nos especialistas em agir, mas incapacitados em sentir. E, no entanto, talvez a sabedoria consista em reconciliar o ritmo da vida com o ritmo da alma. Aprender a estar, e não apenas a produzir. Que a educação, esse ofício de cuidar do sentido, nos devolva o direito à calmaria, à temperança, à escuta e à delicadeza de existir. Porque, quando o mundo urge em demasia, (re)pensar já é um ato de resistência.

Divulgação/Pixabay - Reflexões entre ser e fazer: o cansaço de uma vida que urge em demasia
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Jungley Torres

Filosofia

É professor com formação em Filosofia, História, Ciência da Religião e Pedagogia. Suas principais áreas de atuação e pesquisa abrangem Filosofia da Educação e Hermenêutica Filosófica, com ênfase em desdobramentos ontológicos, existenciais e fenomenológicos. Destaca-se, sobretudo, o interesse por temas relacionados à intersubjetividade, aos saberes que orientam as práticas pedagógicas e ao discurso pedagógico contemporâneo. Suas pesquisas concentram-se na linguagem como eixo central da relação entre ser humano e mundo, bem como no diálogo, concebido como fundamento da práxis pedagógica.

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