Zygmunt Bauman certa vez advertiu que “a arte de viver num mundo hipersaturado de informação ainda não foi aprendida, e o mesmo vale para a arte, ainda mais difícil, de preparar os seres humanos para esse tipo de vida”. Não se trata apenas de uma constatação sociológica, mas de uma provocação ética, que nos desloca para o centro da experiência contemporânea.

Vivemos numa época em que a informação se tornou abundante, veloz, instantânea e, paradoxalmente, mais confusa. O excesso, longe de nos esclarecer, muitas vezes nos paralisa. Não por falta de dados, mas por ausência de critérios. Não por escassez de possibilidades, mas pela dificuldade de escolher com responsabilidade aquilo que realmente importa. A hipersaturação informacional, típica da modernidade líquida descrita por Bauman, cria sujeitos cansados, dispersos, ansiosos, expostos a uma avalanche contínua de estímulos e opiniões.

Mas há algo ainda mais complexo: não aprendemos a viver nesse novo mundo, e tampouco aprendemos a educar para ele. E aqui reside o desafio que atravessa a escola, a formação docente e a própria vida pública.

Educar em tempos líquidos exige muito mais do que transmitir conteúdos; exige ensinar a filtrar, interpretar, dialogar. Exige formar pessoas capazes de discernir, de sustentar perguntas, de reconhecer aquilo que merece atenção no meio do barulho. Uma educação que apenas adiciona mais informações ao caos não prepara ninguém para viver. Pelo contrário: amplia a confusão.

FOTO: Divulgação - A arte de viver em um mundo hipersaturado

A verdadeira tarefa educativa hoje é ensinar a desacelerar, a estabelecer vínculos, a criar sentido. É reconstruir a capacidade de diálogo: essa arte que, como nos lembra Hans-Georg Gadamer, não se controla, não se calcula, mas acontece quando duas consciências se arriscam a ouvir-se mutuamente. Em um mundo saturado de dados, o diálogo tornou-se subversivo. A escuta tornou-se revolucionária. Viver bem, nesta era, é aprender a não se dissolver no fluxo interminável de notificações. É recuperar a coragem de pensar e de duvidar das múltiplas certezas da razão algorítmica.

A arte de viver, e a arte de educar, continua em aberto. É uma arte inacabada, que se refaz a cada dia, nos encontros, nas escolhas, nas brechas silenciosas que resistem ao volume da informação. E talvez seja justamente aí, nesse intervalo frágil e humano, que ainda possamos encontrar o que Bauman chamava de responsabilidade: a capacidade de responder ao mundo sem nos perdermos de nós mesmos.

Divulgação - A arte de viver em um mundo hipersaturado
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Jungley Torres

Filosofia

É professor com formação em Filosofia, História, Ciência da Religião e Pedagogia. Suas principais áreas de atuação e pesquisa abrangem Filosofia da Educação e Hermenêutica Filosófica, com ênfase em desdobramentos ontológicos, existenciais e fenomenológicos. Destaca-se, sobretudo, o interesse por temas relacionados à intersubjetividade, aos saberes que orientam as práticas pedagógicas e ao discurso pedagógico contemporâneo. Suas pesquisas concentram-se na linguagem como eixo central da relação entre ser humano e mundo, bem como no diálogo, concebido como fundamento da práxis pedagógica.

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