Algumas cenas de novela dizem mais sobre a realidade do que a própria ficção. Foi o que pensei, como psicóloga, ao rever um trecho de Vale Tudo. O personagem Marco Aurélio, um
executivo arrogante, critica com deboche a nova funcionária por sua estatura. Antes disso, já havia humilhado outra colaboradora, a personagem Aldeíde, chamando-a de “monocromática”. Pode parecer só uma piada de roteiro. Mas é assim, com pequenas frases, que muitos ambientes de trabalho se tornam emocionalmente insalubres.

Por trás da ironia, existe um tipo de violência sutil — e persistente. Marco Aurélio representa aquele chefe que esconde o desrespeito por trás da “sinceridade”. Mas quem está do outro lado, recebendo críticas disfarçadas de humor, sabe o quanto isso corrói. Não é só incômodo. É desgaste. É desvalorização. É sofrimento psíquico que se acumula até o corpo gritar. Como psicóloga, vejo isso com frequência: profissionais que chegam à terapia completamente inseguros, ansiosos, com sintomas físicos de estresse, tudo por causa de ambientes onde o respeito virou exceção. A crítica pública, o deboche constante, o tom desqualificador — tudo isso mina a autoestima, gera medo de errar e paralisa a criatividade.

Infelizmente, muitas pessoas aprendem a engolir tudo para “não criar caso”. Fingem que está tudo bem. Chamam isso de maturidade. Mas o nome verdadeiro disso é sobrecarga emocional. E ela cobra caro: cansaço, apatia, insônia, somatizações.

E o mais cruel: em muitos casos, quem sofre ainda se culpa. Acha que está sendo sensível demais. Que deveria aguentar. Que precisa “provar valor” o tempo todo. Mas respeito não é gentileza — é necessidade básica em qualquer relação.

Impor limites não é grosseria. É autocuidado. Dizer “isso me machucou” ou “prefiro que você não fale assim comigo” é uma forma de se proteger. É colocar um contorno entre você e o que te faz mal. E isso vale no trabalho também.

E vale frisar: relação saudável não é a que evita conflitos a todo custo, mas a que sabe atravessá-los sem silenciar ninguém. Isso vale para famílias, casais — e também para relações profissionais.

Se você só é valorizada quando se cala, talvez esteja num ambiente que não merece sua entrega. A saúde mental começa quando você entende que sua voz também tem lugar à mesa. E que se não tiver, talvez seja hora de puxar sua própria cadeira e sair desse ambiente, que já está te adoecendo. Fica a dica!

Foto: Rede Globo - Alexandre Nero é Marco Aurélio em Vale Tudo (2025)
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Telma Elisa

Saúde Mental

Psicóloga e também jornalista, formada pela UFJF, Telma Elisa é especialista em comunicação assertiva e não-violenta, também pós-graduanda em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) pela PUC. Tem competência para te ajudar a lidar com ansiedade, relacionamentos, transtornos, e a desenvolver habilidades sociais para que seja possível levar uma vida mais plena.

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