Cortejo contra Bolsonaro no 7 de Setembro abre mostra que revê a Independência
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Enquanto em Copacabana o poder oficial celebrava os 200 anos da data que entrou para a história como a Independência do Brasil, no centro do Rio de Janeiro artistas celebravam outra ordem de independência nacional.
Em vez de um desfile marcado pelo ufanismo verde-amarelo, eles ergueram um cortejo, como um bloco de Carnaval, com bandeiras do Brasil em farrapos, girassóis e estandartes com dizeres como "abaixo a ditadura" --sobre a imagem da ex-presidente Dilma Rousseff depondo num tribunal militar em 1970-- e "a luta é ancestral" --com uma mãe indígena amamentando seu filho.
A ação marcou a abertura da exposição "Parada 7: Arte em Resistência", no Centro Cultural Justiça Federal --ponto de partida do cortejo em direção ao Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.
Com organização de César Oiticica Filho, Evandro Salles e Luiza Interlenghi, a exposição reúne obras que procuram refletir as questões sociais e políticas do Brasil contemporâneo, além de sua identidade plural --construída por mulheres, indígenas, negros, LGBTQIA+ e periferias em geral, para muito além das fronteiras de uma "brasilidade" oficial.
"Celebramos aqui a independência da cultura, da arte, que é o que constrói uma nação", define Oiticica Filho. "Ninguém lembra do Império Romano por suas armas, por seu PIB, mas sim por sua arte, por seu pensamento, por seu legado. Não adianta querer calar a cultura, ela sempre vai ser responsável pelo que será lembrado no futuro".
Oiticica Filho fala tendo ao fundo o som de uma banda de blues-rock --nada a ver com o evento, digamos, é apenas parte da fauna de uma praça do centro da cidade, com os moradores de rua que se misturam aos artistas. "A rua é democrática, é isso que queremos evocar. O Carnaval, a alegria, a luta. Forças que se contrapõem ao ódio que vemos agora em Copacabana. É uma afirmação da civilização contra a barbárie".
O Brasil que emerge da exposição se mostra em obras como "Eles Combinaram de Nos Matar, e Nós Combinamos de Não Morrer", de Julia Xavante, que consiste numa faixa de tecido que traz essa frase pintada. Ou "Compensação por Excesso", que traz cassetetes fundidos em bronze com as marcas dos dedos do artista Paul Setubal.
Ou ainda "Palavras no Ventilador", de Lula Wanderley, Gabriel Martinho e Jonas Esteves. A obra consiste num ventilador dos anos 1940 e um áudio que simula um programa de rádio da mesma época dando a notícia da morte de Marielle Franco. "A morte de Marielle foi um marco do início da mudança da política para a cultura do ódio, da indiferença, da violência", diz Wanderley.
A projeção digital do NFT "Marielle Franco", de Cildo Meireles, parece reforçar a percepção do artista. Meireles, aliás, criou uma obra especialmente para a mostra. "Bandeira", que traz a inscrição "democracia, justiça, paz" no lugar do original "ordem e progresso".
Estão na mesma exposição ainda trabalhos de artistas jovens e consagrados, entre eles Anna Maria Maiolino, Maxwell Alexandre, Adriana Varejão, Cabelo, Nuno Ramos, Helena Marques, Ernesto Neto e do coletivo Opavivará.
Uma das obras de Neto na exposição pergunta "em que data celebramos o fim da ditadura?". "Assim como o fim da ditadura, a Independência foi um acordo, e o Brasil vai vivendo desses acordos", diz o artista. "Enquanto um policial entrar na casa de qualquer cidadão brasileiro sem mandado, como aconteceu nas favelas, a ditadura não terá acabado."
"As vozes da cultura e da arte são fundamentais para a soberania de qualquer país", defende Evandro Salles, o curador.
"Num momento crucial como este, é importante que a cultura se manifeste, como nesta exposição. Temos que saber o que a cultura pensa, elabora, condena, critica. Pensarmos que ainda faz sentido uma obra como o 'Monumento à Fome', de Anna Maria Maiolino, que está na mostra."
O trabalho clássico realizado em 1978 pela artista, em destaque no segundo piso do centro cultural carioca, consiste em dois enormes sacos. Um de arroz, outro de feijão.
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PARADA 7: ARTE EM RESISTÊNCIA
Quando: No CCFJ, de ter. a dom., das 11h a 19h. No CMAHO, de seg. a sáb., das 10h às 18h. Até 31 de outubro
Onde: Centro Cultural Justiça Federal - av. Rio Branco, 241, Rio de Janeiro; e Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica - r. Luís de Camões, 68, Rio de Janeiro
Preço: Grátis
Classificação: Livre