BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro usou como plataforma de campanha a promessa de que a Lei Rouanet seria redirecionada a artistas de menor porte, ou seja, que cobram menos. Para isso, o incentivo também seria afastado dos nomes famosos, que emplacam as propostas mais caras, sintetizado por ele na frase "a mamata acabou". Mas não foi isso que aconteceu na prática.
Sob a gestão do candidato à reeleição, o valor médio captado por projeto em 2021 foi o mais alto dos últimos dez anos, tendo chegado a mais de R$ 644 mil após crescer anualmente desde 2018. As cifras foram corrigidas pela inflação.
Os valores aprovados pela Secretaria Especial de Cultura --ou seja, que foram apresentados inicialmente pelos produtores culturais e tiveram aval da gestão para captar recursos-- caíram 10% de 2020 para 2021. Mas são os montantes que os projetos arrecadaram na prática que mostram o cenário real de onde o dinheiro aprovado pela lei de incentivo foi parar.
Procurada, a Secretaria de Cultura não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Depois de um semestre de lentidão inédita para transformar projetos em propostas, o número dos que foram aprovados pelo governo também caiu 43%. Enquanto 4.640 deles foram aceitos em 2020, só 2.636 passaram em 2021.
Isso acontece no mesmo período em que houve um aumento de arrecadação via lei de incentivo. Cerca de R$ 1,5 bilhão foi captados no primeiro ano da pandemia. O número saltou para R$ 2,1 bilhão no ano passado. Há mais recursos e menos projetos --ou seja, o dinheiro está ainda mais concentrado.
A diminuição no número de projetos aprovados é, em parte, reflexo de menos propostas enviadas à pasta-- o número foi de de 8.002 em 2020 para 6.839 em 2021. Mas a queda percentual entre esses dois anos não chega a 15%, o que sugere que este não é o único motivo.
A paralisia do setor na pandemia é outra razão. Mas Henilton Menezes, gestor cultural e ex-secretário responsável por fomento em parte dos governos Lula e Dilma Rousseff, diz que se trata principalmente de uma má gestão. "Eu mesmo estou acompanhando dois projetos no Salic e eles estão há quase 60 dias no mesmo estado de avaliação inicial", diz ele.
Na pandemia, afirma o gestor, ainda havia a possibilidade de inscrever projetos virtuais, o que reforça a responsabilidade da própria Secretaria de Cultura nesses números. "À medida que propostas não andam e não são avaliadas, há uma falta de estímulo por parte da produção cultural."
Já Aline Akemi Freitas, advogada especializada no setor cultural, avalia que a pandemia interferiu, sim, ainda que em parte, nesse quadro.
"Alguns projetos não tinham sido executados na pandemia e passaram a ser no ano passado, mas há casos de regras novas que inviabilizaram a apresentação de projetos", diz.
Ela cita como exemplos os planos anuais. "Fizeram com que os proponentes pensassem alternativas", diz a especialista.
Especial Cortinas Fechadas: leia série de reportagens e análises que destrincham o impacto de um ano da pandemia na cultural Outro dado que aponta para essa concentração é que, entre 2020 e 2021, a faixa de valor que teve a maior queda na quantidade de projetos aprovados foi a com valores entre R$ 100 mil e 200 mil. Esta é a segunda categoria de projetos mais baratos do sistema da Rouanet, que começa nos de até R$ 100 mil e chega aos de acima de R$ 10 milhões.
A gestão de Bolsonaro também não diminuiu efetivamente os projetos mais caros. Entre os de mais de R$ 10 milhões, a queda foi de 44%, similar a da média geral de 43%.
Já a concentração geográfica da Rouanet nos três primeiros anos do governo atual ainda não foi alterada, como o presidente havia prometido durante a campanha. Ela permaneceu estável.
A região Sudeste concentrou 74,8% do dinheiro captado em 2020. Em 2021, 70,95% se concentrou em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Já a região Nordeste teve 7,82% dos recursos em 2020, e 7,05% em 2021.
Os valores, porém, ainda são menores do que a concentração em 2016, quando a região Sudeste concentrava 80,48% dos recursos da Rouanet.
Produtores culturais vêm apontando uma série de problemas na lei nos últimos anos. Eles relatam um caminho cada vez mais pedregoso para conseguir aprovação neste que é o principal mecanismo de fomento às artes.
Além de mudar estruturalmente a lei, com definição de um teto para cachês de artistas, por exemplo, o governo definiu novas exigências para a admissão de propostas.
São perguntas gerais sobre o projeto consideradas comuns em mecanismos do mundo todo. Mas a demora com que o processo tem sido feito não é considerada aceitável por especialistas da área.
Num quadro geral, a Secretaria de Cultura também enfrenta uma diminuição do orçamento nos últimos. O primeiro ano do governo atual reservou R$ 2,1 bilhões para a pasta, número que caiu para R$ 1,67 bilhão neste ano.
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