RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - À beira de um fogão de seis bocas, uma mulher de meia-idade serve-se de uma panela de bife acebolado. Ela parece animada ao botar a comida no prato e faz uma narração cheia de entusiasmo sobre o que está vendo ali, naquele canto da cozinha. "Gente, olha o arroz: soltinho! Feijão desmanchando...Bife acebolado, que eu adoro. Mandioca temperada maravilhosa, olha que delícia!". O ambiente é simples, a comida também.

Não há maiores preocupações com a iluminação ou com o figurino de Eleni Moretti, a protagonista de vídeos caseiros que viralizaram nas redes sociais e viraram um case de sucesso de conteúdo digital voltado para a gastronomia. Só no Tiktok a conta "Delícias da Eleni" acumula mais de 55 milhões de visualizações, com 2,5 milhões de seguidores.

O interesse de tanta gente por vídeos como o do bife acebolado desta cozinheira da cidade de Franca, em São Paulo, tem explicações sociológicas, mercadológicas e afetivas, até. "Em tempos de influenciadores vendendo lifestyle, roupas de luxo, experimentando comidas extravagantes num universo muito distante do cidadão comum, Eleni nos transporta para a vida como ela é", afirma Elis Monteiro, consultora e professora de marketing digital da FGV, Ibmec e PUC-RS.

Multinacionais, fabricantes de produtos alimentícios e varejistas da região não demoraram a perceber o poder de alcance e de engajamento do conteúdo criado por dona Eleni, 68 (parece menos), junto ao filho, Danilo, 39. Ele é o responsável pela filmagem e edição dos vídeos em que a matriarca dos Moretti mostra o resultado final e ensina o passo a passo de receitas cotidianas, sempre de forma coloquial e didática -mais um trunfo da cozinheira. "Ela cria receitas que qualquer um de nós poderia fazer, e o 'faça você mesmo' tem a cara da nova onda das mídias sociais", assegura Monteiro.

Danilo, o mais novo dos três filhos de Eleni, é quem faz também o meio de campo entre a mãe e as empresas interessadas em se associar à simpática imagem da senhorinha, seja em parcerias fixas (são sete contratos assinados atualmente, o que assegura cachês mensais e matéria-prima para os pratos), ou em publis e filmetes nas redes.

Na mais recente das três ações já filmadas para o Burger King, a cozinheira prepara seu sanduíche dentro de uma das lojas da rede, fazendo a mesma narração gulosa dos vídeos em sua cozinha ("Cebola salteada! Carne alta e suculenta!"). Apesar de um evidente nível mais profissional da produção, o padrão tosquinho-mas-com-carinho ainda está lá. É uma das marcas de Eleni, e ai de quem quiser mudar isso. "Nunca me pediram para fazer nada diferente. E acho que eu nem mudaria, é tudo do meu jeitinho mesmo", diz.

Para o Burger King, é justamente esse jeitinho que faz com que a cozinheira consiga um grande feito: "Ela dialoga com diversos públicos", resume Daniel Packness, um dos responsáveis pelo marketing da hamburgueria americana no Brasil. Ele não hesita em classificá-la como "um fenômeno" das redes sociais. "A Eleni tem uma linguagem própria, e é muito autêntica", elogia.

Ex-empresária do ramo de calçados, a hoje influenciadora digital começou a ensinar a cozinhar de frente para as câmeras quase por acaso. Sua conta no Instagram foi criada há cerca de cinco anos por insistência de uma amiga e, a princípio, era abastecida apenas com fotos dos pratos. "Eu não falava nada", lembra. Por sugestão de Danilo, resolveu publicar o vídeo de uma despretensiosa lasanha recheada de requeijão. O queijo escorrendo no prato, a fumaça, aquela pinta de comidinha caseira... Touché.

De menos de mil seguidores, rapidamente pulou para quase dez mil. "Foi do nada, gente. De uma hora para a outra", conta a cozinheira, com seu sotaque do interior e o "gente" usado como vírgula em suas frases, o que a aproxima ainda mais do interlocutor. Hoje mais de quatro milhões de pessoas a seguem nas redes, onde ela conseguiu imprimir seu estilo e emplacou de forma espontânea alguns bordões -um recurso antigo e bastante utilizado para aproximar a marca do público, o suprassumo do que orientam os profissionais de marketing. "Fui falando e foi pegando", conta, garantindo que nada foi de caso pensado.

Uma de suas frases que pegaram faz piada com a presença de saudáveis saladas em meio aos pratões de massas, frituras e carnes, quase sempre ladeados por colheres e mais colheres de "arroz soltinho" (outra marca de seu repertório) e "feijão desmanchado" (mais uma).

Eleni conta que, pouco depois de entrar para o Tiktok, em 2020, preparou um bife à parmegiana "enorme" e o colocou ao lado do "arroz soltinho" e de um bocado de batata frita, uma de suas obsessões. "Gente, tem salada mas eu não vou botar", anunciou. Pronto. A falta de espaço no prato fez nascer o bordão, com direito a variações do tipo "Tem salada mas eu não vou querer". Por sugestão de Danilo, sempre ele, a mãe passou a repetir o comentário ao final dos vídeos. Folhas, legumes e verduras estão quase sempre em cena, fazendo escada para suas graçolas.

A cozinheira garante que "não tem nada contra" saladas. Ela diz que gosta, sim, sabe fazê-las, mas não queria perder a piada nem temeu uma possível patrulha de veganos ou vegetarianos mais radicais. "É tudo brincadeira, as pessoas entenderam", acredita Eleni, que é autodidata e diz ter aprendido a cozinhar aos sete anos, quando a mãe ficou doente.

Os legumes costumam entrar em suas receitas não só nas saladas cenográficas, rejeitadas para entreter seus seguidores, mas também como acompanhamento ou em sopas. Foi a receita de uma delas que fisgou Irmã Maria Mônica, uma das 21 freiras do mosteiro de Nossa Senhora dos Anjos, no bairro da Gávea, na zona sul do Rio, onde vivem enclausuradas as irmãs da ordem das Clarissas. "A Eleni faz uma comida simples, que dá para a gente copiar", resume Irmã Maria Mirtes, espécie de porta-voz das freiras.

Seguida por religiosas idosas assim como por millenials que a fizeram virar meme nas redes, a cozinheira vai fazendo o que gosta, sem deixar de faturar. Dia desses, preparou tutu de feijão ("Olha que deliciaaaa!") e frango caipira acebolado. Logo depois de se servir, já emendou na publicidade de uma fabricante de lava-louças e também do sabão usado na máquina.

Depois de tudo limpinho, tirou uma caçarola de dentro da máquina e disse, olhando para a câmera: "Gente, pra quem achava que ela não lava panela, olha aí, lava sim". Nesse aparente papo de comadre, lá se foram 38 milhões de visualizações no Tiktok. "Esse vídeo fez sucesso mesmo mas estava bonitinho, não estava?", pergunta, com aquele jeitinho que a transformou numa sensação das redes sociais.


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