WASHINGTON, ESTADOS UNIDOS (FOLHAPRESS) - Aimée de Jongh se deparou há alguns anos, por acidente, com duas fotografias em preto e branco. Expostas em uma página na internet, as imagens mostravam uma tempestade de areia capaz de enterrar casas sob dunas alaranjadas. Para seu espanto, descobriu que eram registros reais de uma catástrofe climática que devastou o estado americano do Oklahoma nos anos 1930.
De Jongh, de 34 anos, nunca tinha ouvido falar no "dust bowl", ou bacia de areia, como o desastre ficou conhecido. Ela nasceu e cresceu na Holanda. Quando estudou a história daquela década na escola, seus professores falaram sobre a ascensão do fascismo e ignoraram a seca americana. "Parecia uma coisa saída do cinema", diz. Decidiu transformá-la não em um filme, mas num gibi.
Ela publicou a HQ "Dias de Areia" em 2021, em francês. Traduzida ao inglês, foi uma das finalistas do prêmio Eisner, o equivalente ao Oscar no mundo dos gibis. O livro chega agora ao Brasil pela editora Nemo. O lançamento é um dos destaques do ano e coincide com a vinda de De Jongh para o evento de cultura pop CCXP, que começa nesta quinta (1º) em São Paulo.
O gibi conta a história de um fotógrafo fictício chamado John Clark, contratado pelo governo americano para registrar o "dust bowl". Ele viaja de Nova York ao Oklahoma, descobrindo um país que desconhecia.
É pelos olhos solitários e sensíveis de Clark que o leitor enxerga a bacia de areia -traçada em aquarela, no computador, com os traços limpos típicos das HQs europeias. Impressiona, em especial, a textura arenosa do gibi, quase tátil. De Jongh consegue aterrorizar o leitor com uma combinação infernal de vermelho, amarelo e laranja.
O livro é resultado não só da fascinação da quadrinista pelo "dust bowl", mas também de sua intensa pesquisa. "Comecei na minha sala de estar", conta. Devorou livros e documentários para visualizar as cenas. Depois, foi ao Oklahoma. "Se você faz uma busca rápida, encontra apenas os estereótipos. Era importante demais eu estar presente."
A quadrinista descobriu, aos poucos, que o "dust bowl" foi uma das principais catástrofes americanas dos anos 1930. Foi resultado, em parte, da ação humana, que erodiu o solo. Nuvens de areia e poeira destruíram parte da região, incluindo também o Texas e o Colorado. O evento inspirou o clássico da literatura "As Vinhas da Ira", de John Steinbeck, e algumas das fotografias americanas mais celebradas da história.
Mas o gibi "Dias de Areia" não trata só do episódio histórico. Por meio de personagens fictícios, De Jongh explora algumas das questões fundamentais da arte. O protagonista foi contratado para registrar a seca e, com isso, informar as autoridades americanas sobre a catástrofe. Ele sofre, no entanto, com a impressão de que está ali para explorar o sofrimento alheio, e não para ajudar.
Essa preocupação espelha a experiência de De Jongh com o jornalismo. Há alguns anos, ela foi contratada por um jornal para registrar um campo de refugiados na Grécia. "Foi muito difícil", diz. "Aquelas pessoas estavam vivendo o pior de suas vidas, e eu estava ali desenhando. Me perguntava: 'E daí? Vou publicar a HQ, ser paga e sobreviver por outro mês. Mas eles seguirão aqui.'"
Aquele trabalho foi tão duro que De Jongh diz não ter mais vontade de fazer jornalismo em quadrinhos. Ela transmite esse incômodo com eloquência em "Dias de Areia", emprestando suas ideias ao protagonista.
O gibi tem uma mensagem talvez negativa em relação à fotografia, ela afirma. "É um reflexo de como eu me senti", diz. Por outro lado, De Jongh completa, o registro jornalístico do "dust bowl" nos anos 1930 foi fundamental para as políticas públicas -e é uma das razões pelas quais conhecemos tantos detalhes daquele evento. O mesmo vale para seu trabalho na Grécia. "O gibi que desenhei é um documento valioso, porque aqueles campos de refugiados já não existem mais."
Há outra mensagem evidente, além da reflexão sobre a arte. De Jongh trata do "dust bowl" como um alerta aos leitores. Não só de que a bacia de areia pode voltar a afetar os Estados Unidos, algo em que os cientistas acreditam, mas também de que a ação humana tem consequências climáticas.
"O 'dust bowl' foi uma versão em miniatura da catástrofe ambiental que vivemos hoje", diz. "É algo que, quando acontece, não tem volta. Não adianta se arrepender. Como os fazendeiros do Oklahoma, que viam as nuvens de poeira sem poder fazer nada a respeito."
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