LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) - Nos primeiros 15 minutos de "Babilônia", novo filme do premiado diretor e roteirista Damien Chazelle, de "La La Land", que estreia em 19 de janeiro no Brasil, um elefante despeja um jato de cocô em cima de um homem que tenta transportar o animal para uma festa cuja lista de convidados abrange toda a nata de Hollywood.
No local da celebração, uma amante brinda o risonho anfitrião com um "golden shower" ao mesmo tempo em que cheira cocaína. No andar de baixo, uma big band de jazz serve de trilha sonora para dançarinas seminuas, uma multidão em delírio, um pênis gigante de borracha no palco e uma energia sexual de dar inveja aos antigos bailes de Carnaval no Brasil.
Estamos na Los Angeles de 1926. Mais precisamente em Bel-Air, que ainda era um deserto sem estradas pavimentadas, jardins verdes com piscinas ou mansões intransponíveis, mas já respirava sexo, drogas e música aos borbotões. Um cenário bem distinto do que costumamos ver deste período do cinema, quando os filmes mudos começaram a entrar em declínio com a chegada do som ao cinema numa revolução que mudou a arte para sempre.
"Achava que a Hollywood de cem anos atrás fosse muito tediosa e regrada, mas não era nem um pouco assim. Era um velho oeste. Não havia regras, todo mundo era insano, usava toneladas de drogas e fazia filmes incríveis", diz a atriz Margot Robbie.
Ela é protagonista do longa no papel de Nellie LaRoy, uma hiperativa, bonita e talentosa aspirante a atriz com inspiração em Clara Bow (1905-1965), que teve uma infância problemática antes de ser estrela do cinema mudo. "A ideia era tão fascinante e aterrorizante que não via a hora de mergulhar nela."
O mergulho de Robbie lhe rendeu uma de suas melhores atuações desde sua aparição inesquecível em "O Lobo de Wall Street", de 2013. Sob o ponto de vista de LaRoy, que começa a trabalhar como atriz do cinema mudo, somos apresentados a um período de Hollywood tratado como muito encanto e pouca verdade.
"A ideia era contar o lado sombrio de quando o som surgiu e o fim da era dos filmes mudos, uma transição que gerou uma série de mortes prematuras, suicídios e carreiras destruídas, além de ter mudado Los Angeles inteira da noite para o dia", afirma Chazelle, em seu primeiro projeto como diretor e roteirista desde "La La Land", de 2016.
A ideia surgiu para o cineasta em 2008, quando ele tinha acabado de se mudar para a Califórnia. O problema é que a mudança do cinema no fim da década de 1920 não foi tão documentada quanto outras eras de Hollywood, apesar do livro "Hollywood Babylon", de 1959, de Kenneth Anger, certamente ser uma fonte.
"A história daquele tempo é orgânica, muda o tempo todo. É repleta de enfeites e fabricações, pois vem da história oral. Tentei capturar esse espírito, então parece que você está lendo um tabloide daquela época ao ver o filme", explica o cineasta de 37 anos, o mais jovem vencedor do Oscar de melhor direção.
Desta maneira, Chazelle criou uma vasta gama de personagens para tentar passar, em mais de três horas de duração, os excessos e as mudanças sofridas por Hollywood naquela época. Brad Pitt faz Jack Conrad, um astro do cinema mudo inspirado em Douglas Fairbanks (1883-1939), que viu a carreira entrar em declínio com a chegada dos filmes falados.
Já Manuel "Manny" Torres, interpretado por Diego Calva ("Narcos"), é um imigrante mexicano que trabalha nos empregos mais ordinários até subir nos degraus de Hollywood. E Jean Smart ("Hacks") vive Elinor St. John, a colunista social temida por todos no cinema.
"A maioria é baseada em figuras reais", diz Chazelle. "Se você é familiar com aquela época, reconhecerá alguns personagens. Até os eventos vêm de fatos, rumores e lendas urbanas que saíram nos tabloides daquela época. Hollywood adora varrer as coisas para debaixo do tapete, mas queria ser fiel ao sangue, suor e lágrimas de quem fazia cinema naqueles anos.
O que não deixa de ser uma mudança para o próprio diretor. Seu "La La Land" era um tributo quase utópico às personagens por trás dos filmes, enquanto "Babilônia" trata seus protagonistas com um veneno tão amargo quanto fascinante. "É uma carta de amor ao cinema, mas o longa mostra como as pessoas não mudam mesmo quando há uma transição", afirma Diego Calva. "São as raízes do que estamos vivendo hoje".
De certa forma, o diretor não está errado. A cultura de esconder a sujeira de abusos e da dinâmica de poder em Hollywood existe até hoje, mas sem a mesma intensidade. "Não dá para comparar com a Hollywood atual. As pessoas não conseguem se dar bem ao fazer esse tipo de coisa", acredita Margot Robbie. "É bom que esse tipo de comportamento não seja mais aceitável, pois ainda temos pessoas fazendo coisas terríveis, mas ninguém tolera mais."
Na primeira exibição mundial do filme, em Los Angeles, Margot Robbie é questionada novamente sobre a diferença entre a indústria atual e a do fim da década de 1920. "Bem, tem bem menos drogas hoje em dia", dispara a estrela. "Infelizmente, é verdade", completa Brad Pitt arrancando gargalhadas de todos os presentes.
"Babilônia" tenta também englobar questões como o racismo na Hollywood do início do século passado ao utilizar o personagem de Jovan Adepo, um trompetista de jazz que começa a ascender na carreira com a utilização do som no cinema ?mas ao custo de se submeter a pedidos de produtores racistas, como passar graxa no rosto durante certa filmagem. "Queria mostrar o quão sujo era por trás das câmeras, que Hollywood não era tão limpinha assim quanto muita gente pensava", ressalta o diretor e roteirista.
Ao mesmo tempo, Nellie e Conrad começam a enfrentar as dificuldades geradas pela nova tecnologia do cinema. Em uma cena, a atriz tenta exaustivamente interpretar uma simples frase, enquanto o câmera, trancado em um caixão de madeira para abafar o barulho do aparelho, morre ?literalmente? de calor. Já o maior astro do cinema mudo vira alvo de piadas ao lançar seu primeiro trabalho com falas e testemunha uma plateia rindo dos seus diálogos dramáticos em um romance.
"Essa transição já foi dramatizada antes, mas sinto que não havíamos visto ainda o tamanho da catástrofe para tantas pessoas trabalhando nos filmes", diz Damien Chazelle. "Existiram pessoas que conseguiram suportar a transição e outros que não sobreviveram ao novo cenário. Você assiste a elas se adaptando ou se destruindo", explica Robbie, que teve dúvidas ao aceitar o papel no longa.
"Quando li o roteiro e as cenas da minha personagem, pensei: 'Isso é muito insano. Como diabos vou fazer isso?' Era aterrorizante e fascinante, tanto que não via a hora de mergulhar no papel", confessa a atriz, que, entre vômitos e linhas de cocaína, precisou encenar uma briga de Nellie bêbada contra uma cascavel.
"Tive de confiar cegamente no meu diretor. Pensei neste papel como uma trapezista que sabia da existência de uma rede de segurança. Podia fazer todos os números, pois sabia que ele me seguraria e me ajudaria a melhorar minha atuação."
Mas essa dedicação teve um preço. "Nellie me deixou em frangalhos", diz Robbie. "Ela exigiu muito de mim física, mental e emocionalmente. Parece que passei três meses turbinada com açúcar e, depois disso, fiquei destruída". Por sorte, a atriz teve dois meses entre o fim das filmagens de "Babilônia" e o início dos trabalhos na frente da câmera em "Barbie", no qual trabalha também como produtora.
"Consegui me recompor antes de começar a filmar. Ainda bem, pois Barbie é uma personagem diferente de Nellie em todos os sentidos".
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