FOLHAPRESS - Foi na década de 1990 que o cinema iraniano explodiu para além das fronteiras da rígida autocracia sediada em Teerã. Muitos dos melhores filmes do país, aliás, só conseguiram ser exibidos fora dali, estando ainda hoje proscritos em território persa.
O diretor Ali Abbasi até tentou filmar "Holy Spider" em seu país natal, mas apesar de as autoridades nunca terem exatamente proibido que o filme fosse rodado no Irã, tampouco chegaram a liberar oficialmente as filmagens.
Por via das dúvidas, o cineasta decidiu fazer o filme na Jordânia, com dinheiro principalmente de origem escandinava -o longa, aliás, é o representante da Dinamarca entre os 15 finalistas na categoria melhor filme internacional do Oscar deste ano, ainda que falado em persa e tratando de questões fundamentalmente iranianas.
A história é inspirada em fatos ocorridos no começo do século 21, quando um assassino em série levou pânico à cidade de Mexede, a segunda maior do país, ao estrangular diversas prostitutas, a maior parte usuária de drogas. A motivação, a priori, seria para defender valores morais religiosos -o homicida se sentia na messiânica função de exterminar uma por uma, purificando, assim, as ruas de sua cidade.
Uma jornalista vinda de Teerã começa a investigar o caso, mas vê resistências de autoridades locais. Afinal, ter um louco "limpando" a metrópole daquelas mulheres dissolutas e que, ainda por cima, movimentam o mercado ilícito de opiáceos, não parecia algo tão ruim aos olhos deles. A repórter decide, então, esquadrinhar a história por conta própria.
Se era apenas o fanatismo islâmico que motivava o serial killer da vida real, não se sabe ao certo, mas o filme nos traz sugestões de que ele provavelmente agia por algo mais do que simplesmente achar o meretrício um estilo de vida degradante e desrespeitoso com o Alcorão. Há um evidente elemento fetichista no interesse desse sujeito por matar aquelas mulheres.
Mas o longa não perde muito tempo psicologizando o personagem. Aliás, os aspectos sociais da vida no Irã urbano e moderno também parecem interessar ao cineasta apenas limitadamente.
Não no trecho final, porque ali, sim, o filme se dedica a abordar verdadeiramente questões importantes sobre a Justiça, a misoginia e o funcionamento social do país. Mas por quase uma hora e meia de filme, Abbasi parece apenas dedicado a realizar um thriller policial corriqueiro, meio mal feito, cujo interesse se restringe ao exotismo de se passar em um país tão repressor.
Em entrevistas, Abbasi diz que, no fundo, nunca foi lá muito fã de cinema policial, e talvez isso explique porque ele às vezes seja tão sem imaginação -e inábil- ao trabalhar com as convenções do gênero. Mas se esse tipo de thriller não interessa a ele, por que fazer um filme justamente moldado sobre alguns de seus maiores clichês?
Abbasi revela que sua grande vontade com o longa era mostrar um Irã que poucas vezes foi visto no cinema, sobretudo por questões de censura. Isso ele já faz melhor -de fato, o filme mantém o interesse quando, por exemplo, nos mostra como se dá a prostituição nas ruas iranianas. Vemos garotas de programa ultramaquiadas, esperando os clientes no meio da noite, como em qualquer lugar do mundo -mas, ali, mesmo elas precisam usar o véu.
Mas, para além de satisfazer nossa curiosidade, não parece existir um aspecto mais enfático de denúncia social nessas imagens de cotidiano. As cenas de violência contra a mulher, sobretudo, parecem existir antes para servir às necessidades da trama e do gênero do thriller do que propriamente para delatar uma situação ou sequer servir como registros da opressão feminina no Irã. Têm uma função instrumental, não reflexiva.
Abbasi ganhou notoriedade com o insólito "Border", de 2018, que filmou na Suécia -a produção é ainda hoje lembrada pela estranha maquiagem dos protagonistas, portadores de uma alteração cromossômica. Era um filme também com um caráter exploratório e voyeurista, mas havia também ternura e um humanismo do cineasta diante de seus personagens.
Também trazia a promessa de uma filmografia ousada e inventiva em termos formais. Mas "Holy Spider", apesar do desfecho impactante, mostra que Abbasi ainda tem muito a burilar em seu cinema.
HOLY SPIDER
Avaliação: Regular
Quando: Estreia na quinta (19) nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Mehdi Bajestani, Zar Amir-Ebrahimi, Arash Ashtiani
Produção: Dinamarca, 2022
Direção: Ali Abassi
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