RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A produtora cultural Inés Gutirréz, 51, levou um susto em dezembro do ano passado quando entrou nas redes sociais e viu imagens da reforma do Teatro Paiol.

Um dos maiores símbolos de Curitiba, o imóvel de estilo eclético perdeu a tradicional fachada rústica e ganhou uma coloração amarelada que foi alvo de piadas na internet e de críticas no setor cultural.

"Quando eu vi as imagens, quase caí para trás. Não acreditei que alguém pudesse permitir essa mudança. É uma violência contra a história e contra o patrimônio público", diz Gutirréz, que já realizou festivais no teatro e o frequenta desde criança. "Ninguém pensa em pintar o Coliseu. Por que então fazer isso com o Paiol?"

Pergunta parecida se faz Abrão Assad, arquiteto que foi responsável pelo projeto de reciclagem do teatro, em 1971. Até então, a estrutura estava abandonada depois de ter sido usada como depósito de pólvora, no começo do século 20.

A inauguração do espaço foi um dos marcos da renovação cultural de Curitiba e contou com a presença do poeta Vinicius de Moraes e do músico Toquinho.

"Um dos princípios da reciclagem do Paiol foi preservar as características que o prédio tinha, como a textura que o tempo criou. A natureza deu a ele um aspecto que nem o homem conseguiu dar. Foi isso o que a reforma desvirtuou."

Assad diz que deveria ter sido consultado pela Prefeitura sobre a reforma, uma vez que é dele o projeto de reciclagem do imóvel. O arquiteto diz, porém, que ficou sabendo das mudanças só quando foi convidado para participar de uma live sobre o assunto. "Decidi então visitar a obra e constatei um desastre. Uma reforma grotesca."

Não é dessa forma que pensa Silvia Bueno Zilotti, uma das três responsáveis pelo projeto. Arquiteta da Fundação Cultural de Curitiba, órgão vinculado à prefeitura, ela diz que as mudanças foram necessárias para assegurar a integridade do imóvel e a segurança dos frequentadores.

Segundo Zilotti, eram frequentes as reclamações sobre queda de alvenaria em cima do público. Ela diz ainda que havia trincas e fissuras na fachada, o que fragilizava os tijolos e aumentava os riscos de a estrutura colapsar.

Por essa razão, afirma a profissional, foi preciso fazer um novo revestimento na área externa. Depois de refeito e pintado com cal, o revestimento ganhou um tom amarelado, que seria a cor original do prédio quando ele foi construído, em 1906. Essa alteração, porém, deu origem ao imbróglio em torno da reforma.

"O Paiol ficou tanto tempo sem manutenção e sem pintura que, quando isso foi feito, houve um espanto. A verdade é dura, mas é essa", diz a especialista em conservação. "Eu jamais faria qualquer coisa para ofender o imóvel. A nossa expectativa é dar a ele mais segurança e acabar com o risco de colapso da alvenaria."

A Fundação Cultural de Curitiba diz que a reforma era urgente em razão dos problemas estruturais do teatro. Segundo o órgão, o projeto foi aprovado pela Comissão do Patrimônio Histórico e Cultural e pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná.

"As obras no Teatro do Paiol foram feitas para aumentar a durabilidade e melhorar as condições de uso do imóvel que estava com processo de degradação das paredes, graves infiltrações, com risco inclusive de colapso de toda a estrutura."

Apesar disso, críticos afirmam que as mudanças descaracterizaram o teatro. A essa respeito, Silvia Zilotti diz que estruturas envelhecidas podem ser bonitas aos olhos dos leigos, mas são um problema do ponto de vista estrutural.

"O profissional sabe que trincas e fissuras não podem ser comparadas a uma cicatriz, e sim a um corte aberto que vai deteriorando a estrutura", diz ela.

Coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Paraná, Rodrigo Jabur diz que era possível restaurar a estrutura sem mudar as suas feições. Segundo ele, isso poderia ter sido feito por meio da análise de argamassas que não mudassem de forma radical a fachada do imóvel.

"Poderia ser uma reforma mais demorada, mas ela respeitaria a imagem do Paiol", diz ele. A obra demorou seis meses para ficar pronta e custou R$ 646 mil aos cofres públicos.

"Faltou sensibilidade. É importante levar em consideração o aspecto técnico, mas também existem outros pontos a serem considerados, como o caráter simbólico e afetivo que o imóvel causa nas pessoas", diz ele, salientando que o Paiol é fundamental para a cena cultural da capital paranaense. Tanto que a Fundação Cultural de Curitiba carrega em sua logomarca a silhueta do teatro.

"Ele simboliza a tentativa de promover uma renovação cultural na cidade. Esse projeto do Abrão Assad foi pioneiro na área de patrimônio, porque ele manteve as características do prédio, como as marcas do tempo."

Assad diz que a prefeitura sinalizou que poderia realizar uma nova reforma, desta vez com o objetivo de devolver as antigas feições ao Paiol. A Fundação Cultural de fato diz que monitora os efeitos do tempo na pintura da fachada e, caso necessário, irá acelerar o processo para o imóvel voltar a ter a antiga aparência.

"Quero ir até onde for possível para que a textura e a coloração que o tempo deu ao teatro possam voltar", diz Assad.


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