SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ICOM, o Conselho Internacional de Museus, lança nesta terça-feira (14) no Museu da Língua Portuguesa a Red List Brasil, uma lista vermelha de objetos culturais brasileiros sob risco de serem traficados.
Atualmente, no banco de dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, há 1.643 obras procuradas após terem roubadas ou furtadas. Desse total, apenas 131 já foram recuperadas.
O objetivo da lista vermelha é justamente evitar que o número de obras perdidas aumente. A cartilha inclui cinco categorias mais visadas pelos traficantes: arte sacra, etnologia, arqueologia, paleontologia e obras gráficas ou bibliográficas.
Cada uma dessas áreas é ilustrada por imagens de seus respectivos bens culturais. São objetos que incluem peças de origem indígena, como colares e cocares, urnas funerárias marajoaras, uma escultura do orixá Xangô, pegada de um dinossauro e até a primeira edição de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", clássico de Machado de Assis.
O documento será distribuído às autoridades policiais e alfandegárias do mundo todo para que elas consigam identificar as peças brasileiras mais ameaçadas.
De acordo com um decreto de 2016, bens culturais só podem deixar o país com autorização do Iphan, órgão que tem a atribuição de zelar por objetos protegidos pela legislação federal.
O Iphan, inclusive, tem uma plataforma na qual negociantes de obras de arte e agentes de leilão devem se inscrever caso queiram comercializar antiguidades. Desse modo, o órgão consegue monitorar objetos protegidos que caíram no mercado paralelo.
Já um decreto-lei promulgado em 1937 estabelece uma série de medidas para proteger o patrimônio histórico e artístico nacional.
"Apesar disso, todos os dias bens culturais brasileiros são roubados. Segundo a Interpol, o Brasil está em 26º lugar na lista dos países com o maior número de objetos culturais roubados. É uma posição importante a ser observada, porque poucos deles são recuperados", diz Renata Motta, presidente do ICOM Brasil e diretora-executiva do Museu da Língua Portuguesa.
Ela diz que o tráfico de bens culturais representa um ataque à história e à memória de um país. "São obras únicas e insubstituíveis. Cada perda é irreparável", afirma Motta, acrescentando que bens culturais podem ser traficados para lavar dinheiro, financiar guerras ou gerar lucro no mercado privado de arte.
De acordo com um relatório da Art Basel, maior feira de arte dos Estados Unidos, esse setor movimentou US$ 65 bilhões, cerca de R$ 336 bi, em 2021.
Presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Hermínio Araújo Júnior diz que bens culturais despertam interesse de traficantes porque são valorizados.
Ao contrário do que acontece no Brasil, onde a venda de fósseis é proibida, a comercialização desses itens é permitida em outros países, o que atiça o interesse de colecionadores. "Muitos deles querem tornar suas coleções ricas em termos de quantidade e diversidade de fósseis. Por isso, eles são tratados como pedras preciosos e chegam a valer milhões."
Para evitar que os objetos sejam roubados, o paleontólogo diz ser preciso capacitar os profissionais que trabalham em órgãos de controle e fiscalização. Além disso, ele afirma ser fundamental investir em estratégias que façam a população entender a importância de bens culturais.
"Tem de haver uma divulgação científica maior sobre esse tema. Os próprios órgãos de fiscalização, como o Iphan, deveriam ter uma política de divulgação maior. Se a gente for na rua e perguntar o que são bens culturais, poucas pessoas vão saber responder", diz o especialista.
Perita em obras de arte, Anauene Dias Soares diz que outro gargalo é a falta de integração entre bancos de dados que monitoram obras perdidas.
Segundo ela, o sistema da Polícia Federal e da Interpol não se comunicam com o do Iphan nem com o do Ibram, o Instituto Brasileiro de Museus. "A falta de um banco de dados centralizado dificulta o controle e a atuação do poder público", diz ela, que atuou como coordenadora técnica da Red List Brasil.
Outro complicador, diz Soares, é que o país tem dimensões continentais, o que dificulta o controle das fronteiras. A perita acrescenta ainda que muitos objetos saem do país porque as autoridades alfandegárias pensam que eles são presentes de viagem, algo que reforça a necessidade de capacitação.
"Por isso, colocamos na lista os bens que correm o maior risco, e não aqueles que são mais famosos. A gente quer alertar para objetos que são visados pelos traficantes, mas que não necessariamente todos conhecem", diz ela.
A reportagem entrou em contato com o Iphan, mas não obteve resposta até a conclusão deste texto.
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