SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Recém-empossado como diretor do Centro Cultural São Paulo, o CCSP, Rodolfo Beltrão quer deixar a instituição do jeito que ela é.
"O que eu quero é não imprimir uma marca que seja minha na gestão. Tenho pensado muito em como fazer a manutenção dessa liberdade que tem aqui dentro, como cuidar desse espaço para que as pessoas possam vir aqui, ser livres no que elas quiserem fazer, porque foi um espaço criado para isso", ele afirma.
Dar continuidade a uma das principais vocações do centro cultural inaugurado no final da ditadura -o de ser um local de encontro e convivência de diferentes públicos, proporcionado em boa parte por seus espaços abertos- é a tarefa a que se propõe o paulistano de 34 anos que acaba de assumir um dos maiores equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Os 46,5 mil metros quadrados do prédio colado ao metrô Vergueiro, mantidos com um orçamento de R$ 17 milhões neste ano, recebem cerca de 30 mil pessoas por mês para participar de oficinas de vogue e capoeira, cantar em aulas de coro, ver exposições de novos nomes das artes plásticas ou assistir a um show de Maria Gadú, para citar só uma parte da programação de fevereiro. Também é possível jogar xadrez, dançar k-pop em frente às vidraças, pegar livros emprestados da biblioteca ou não fazer nada.
Diretor mais jovem a comandar o espaço, Beltrão recebeu a Folha de S.Paulo para uma conversa em seu escritório, no subsolo do CCSP. O gabinete em nada lembra uma repartição pública anódina, pois é cercado por paredes de vidro -uma assinatura da arquitetura do prédio-, aberto para um jardim interno, mobiliado com peças minimalistas de madeira e decorado com um pequeno cartaz onde se lê "terra indígena", afixado atrás da mesa de trabalho.
Com uma carreira de dez anos como produtor e stylist de moda, Beltrão é também o primeiro chefe em anos da instituição menos conhecido do público -antes dele vieram Leandro Lehart, do grupo de pagode Art Popular, e a jornalista Erika Palomino.
Foi ela que, ao assumir a direção do equipamento em 2019, levou Beltrão para lá, com a função de supervisionar as curadorias de artes visuais, música, literatura, teatro, dança e moda, as áreas de atuação do centro cultural. Nestes quatro anos, ele acompanhou mudanças internas na gestão do CCSP e virou diretor interino durante alguns meses, no ano passado, antes de ser oficializado.
Apesar do histórico de nomes estrelados no cargo que hoje está, Beltrão diz se sentir "menos pressionado" para ocupar o posto. Quando pessoas mais conhecidas são convidadas para chefiar o CCSP, há uma expectativa de que elas reproduzam ali dentro o que faziam fora, ele afirma, e no seu caso isto não houve porque ele já fazia parte do quadro de funcionários da casa.
Além de já conhecer os meandros do centro cultural e de seu funcionamento na máquina pública, sua ascensão, claro, se deu também por sua relação com a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, com quem ele diz manter "total diálogo", diferentemente do antigo diretor Leandro Lehart, que afirmava não conseguir nem falar com a secretária.
"O que eu tenho feito desde que entrei é aproximar um pouco mais o CCSP da secretaria no sentido administrativo, porque a gente está longe fisicamente deles, mas tem setores lá que atendem a gente. Tinha um pouco a cultura que a gente era quase um outro órgão."
Beltrão afirma querer fazer reformas estruturais no CCSP, como por exemplo cuidar da rede elétrica -a luz caiu por poucos minutos em determinado momento da entrevista. Há mais revitalizações a serem feitas no prédio, mas ele não disse quais.
Independente disso, na visita da reportagem os espaços públicos estavam bem mantidos e os banheiros, que por bastante tempo tiveram aspecto degradado, com suas divisórias riscadas de cima a baixo, foram pintados.
Quem frequenta o CCSP deve ter notado uma mudança na programação da pandemia para cá -há menos shows internacionais de rock e mais música brasileira. A moda ganhou espaço, tanto num desfile com os figurinos do acervo do Theatro Municipal de São Paulo, feito na gestão de Erika Palomino, quanto com as oficinas de confecção de roupas do ateliê Transmoras, projeto voltado a transexuais e travestis que faz parte da agenda fixa do centro cultural.
Isto tudo é parcialmente decidido pelo diretor, que mantém reuniões semanais com os chefes das áreas culturais. Para este ano, ele diz, estão previstos um projeto com a Fundação Japão e uma ação, em parceria com a Biblioteca Mário de Andrade, relativa aos 85 anos das pesquisas que o escritor modernista empreendeu em viagens pelo interior do país.
São atividades que dialogam com São Paulo, assim como a própria estrutura do centro cultural, imiscuída à vida na cidade. Quem assiste a shows na sala Adoniran Barbosa sabe que barulhos do exterior podem "vazar" para a apresentação, mas para o diretor isto não é uma falha, mas parte do charme do CCSP.
"Aqui é um espaço como a cidade, barulhento. Quando eu entrei, estava tendo um show da Anelis Assumpção, e aí, na última música, a música foi baixando, foi baixando, e o barulho em torno da sala começou a entrar na sala. Foi tão bonito. Arrepiei todo."
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