SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma vez, enquanto colocava louça suja na máquina lava-louças, a escritora americana Elizabeth Strout, de 67 anos, viu uma mulher estranha. A autora teve sua mente invadida pela imagem de uma desconhecida grande, próxima a uma mesa de piquenique, aliviada por estar sozinha ali.
Olive Kitteridge, uma professora aposentada da cidadezinha fictícia de Crosby, no estado do Maine, foi insistente até Strout dar corpo a ela no romance homônimo. O livro tornou-se um elogiado best-seller e foi adaptado para uma minissérie da HBO, protagonizada por Frances McDormand e vencedora de um prêmio Emmy.
Mas a personagem queria mais. Olive, a adorável rabugenta, apareceu novamente, agora mais velha. Ela andava de bengala em um estacionamento enquanto Strout respondia emails em um café em Oslo. Foi assim que surgiu "Mais uma Vez, Olive", sequência de "Olive Kitteridge" recém-lançada pela Companhia das Letras.
"Pensei comigo mesma: 'ah, aí está ela de novo'", diz a escritora. "Passei o fim de semana esboçando uma história. Tinha de escrever outro livro sobre Olive, embora eu nunca tivesse estabelecido isso."
Strout, que também é autora de "Oh William!", ainda inédito no Brasil, e "Meu Nome É Lucy Barton" --ambos finalistas do Booker Prize--, afirma que seus personagens geralmente chegam assim. "Eu os visualizo ou os ouço dizer alguma coisa. É um rápido vislumbre deles fazendo alguma coisa. Sinto isso com força, e então escrevo."
No novo livro, a autora lança mão da mesma estrutura do primeiro -contos autônomos, que podem ser lidos em qualquer ordem, escritos em terceira pessoa e em contato direto com o mundo interior dos personagens.
Cada conto aborda um episódio da vida de Olive ou dos habitantes de Crosby; quando não protagoniza, Olive aparece de alguma maneira neles. É uma estratégia eficiente para Strout, que se diz interessada na discrepância entre a percepção que as pessoas têm umas das outras e o que de fato transcorre no íntimo delas.
"Esse é o ponto central do meu trabalho. Escrevo ficção para vermos o mundo interior uns dos outros", conta.
No caso de Olive, os leitores já a conheciam pela carranca, por subjugar o marido, Henry, farmacêutico bonzinho, e por ter uma relação arredia com o filho, Christopher, que a acusa de ter abusado emocionalmente dele. Depois de Henry ter um derrame e precisar ir para uma casa de repouso, Olive cogita o suicídio. Henry morre e ela fica sozinha; o filho mora longe e evita a mãe.
Doenças e transtornos mentais -o pai de Olive se matou-, bem como a solidão, são recorrentes no universo da personagem. "Quando escrevo sobre pessoas, tento fazê-lo da maneira mais verdadeira possível, pois o interior da cabeça das pessoas é privado. Acredito que muitas têm uma certa solidão na vida delas. Vivemos uma crise de saúde mental", conta.
Em "Mais uma Vez, Olive", a protagonista vê sua rotina solitária ser agitada pelo complicado romance com Jack, ele também aposentado e viúvo, além de distante de sua filha lésbica. Jack sente-se culpado por não aceitar a sexualidade dela.
Para o horror de Olive, o envelhecimento a força a usar fraldas geriátricas, o que se soma a caminhar com uma bengala e ter de buscar uma cuidadora. Jack, por sua vez, tem de usar cuecas com absorventes após uma cirurgia de próstata.
Se as limitações impostas pela idade os unem de alguma maneira, a política, de outra, causa fricção. Olive, que é uma democrata, tem dificuldades de se acertar com Jack por ele ser republicano.
Em uma cena, ela se refere a Donald Trump como "aquele homem horrível de cabelo laranja", após ver um adesivo com a figura do ex-presidente no carro da cuidadora. "Escute aqui. Nós não vamos falar de política", Olive esbraveja para a mulher. "Você está aqui para ser minha babá."
Segundo a autora, a protagonista não é burra, mas o centro da história não é esse. "A questão é que ela termina com Olive se sentindo amada por alguém que é apoiador de Trump. Essa sim é a verdadeira questão", diz.
MAIS UMA VEZ, OLIVE
Preço R$ 94,90 (328 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Autor Elizabeth Strout
Editora Companhia das Letras
Tradução Sara Grünhagen
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