SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após protestos nas redes sociais que acusavam a banda norueguesa de black metal Mayhem de ser associada ao nazismo, o Bar Opinião, em Porto Alegre, cancelou a apresentação do grupo que estava marcada para quarta-feira, dia 21.
O questionamento sobre o show viralizou pela denúncia do professor Renato Levin Borges, ou Judz, como é conhecido no Twitter. As postagens reuniam declarações antigas do baterista Hellhammer contra a "mistura de raças" e os elogios de integrantes da banda ao assassinato de um homem gay cometido por Faust, ex-baterista do grupo Emperor.
Em comunicado enviado pelos produtores do show, a banda diz que é uma entidade não política e que nem o grupo nem seus integrantes apoiam racismo, homofobia ou crimes de ódio.
O episódio traz à tona a complexa relação do metal com a extrema direita. Com uma estética sombria, o estilo musical e seus subgêneros historicamente tocam em assuntos obscuros e extremos.
A performance às vezes cruza a linha do que é usado esteticamente como fator de choque e o que pode ser visto como discurso de ódio, caso de simbologias nazistas.
É o que acontece com o Mayhem, cuja história, no início dos anos 1990, é marcada tanto pelas inovações no metal extremo quanto por uso do choque -suicídio e mortes de integrantes adicionam mais polêmica ao caldo. A última delas foi o assassinato do fundador da banda, Euronymous, por Varg Vikernes, ex-baixista do grupo e declaradamente neonazista.
Empenhados em invocar uma imagem de maldade, os músicos do black metal se diziam satanistas e radicalmente anticristãos, sendo responsáveis por queimar igrejas na Noruega. Segundo o livro "Lords of Chaos", de 1998, eles acreditavam que o cristianismo havia anulado os valores e crenças da Escandinávia. O Estado era um aliado neste apagamento, pois privilegiava os ganhos financeiros ao espólio cultural e abriam as portas para estrangeiros, em sua visão, indesejados.
Juntando essas ideias xenofóbicas a uma estética violenta e agressiva, muitos enveredaram pelo lado do nazismo ligado ao ocultismo, caso de Varg Vikernes, que cumpriu duas décadas de pena pelo assassinato e por queimar igrejas.
Vikernes, porém, não está mais na banda. Ele tocava o projeto solo Burzum, de black metal e ambient, até 2018.
Segundo o deputado estadual Leonel Radde, do PT-RS, produtores culturais ligados à cena do metal costumam denunciar casos suspeitos. "Temos a Operação Bastardos Inglórios desde 2015, e sempre recebemos denúncias por parte de produtores culturais ligados à cena. Foi assim que chegamos à apresentação da banda."
Ele, que atuava como policial civil e tem histórico de monitoramento da extrema direita, havia registrado boletim de ocorrência na última quinta-feira, dia 16, se apoiando no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, que proíbe a prática ou incitação de preconceito racial e étnico.
O cancelamento do show foi anunciado com a alegação de que a apresentação poderia representar "um risco à integridade física de todos os envolvidos". Até o término desta reportagem, o Bar Opinião não respondeu ao pedido de entrevista.
O Mayhem se apresentou em Porto Alegre em 2018 mas, segundo Radde, não houve denúncias na época. No ano passado, bandas como Pantera e Behemoth, das quais os integrantes também já foram acusados de simpatizar com o neonazismo, também se apresentaram no Brasil.
A banda norueguesa esteve no Brasil em novembro do ano passado para shows em São Paulo e em São Luís, no Maranhão. Quatro meses depois, o quinteto iria para Porto Alegre, no dia 21, e em Brasília, no dia 22.
"O Mayhem se tornou uma influência mundial, e no Brasil não é diferente", comenta Leonardo Carbonieri Campoy, autor de "Trevas Sobre a Luz", livro sobre o metal extremo no Brasil. "No heavy metal, dissociar política de música é relativamente comum. Eu tenho certeza que muitos fãs do Mayhem, que vão ao show, discordam completamente dessas posições de alguns membros da banda."
Ele afirma que, embora seja possível encontrar -principalmente do centro-sul do país- bandas que apoiem o purismo racial, a posição clara da maior parte desses artistas é a de total rejeição a essa ideologia.
"O Mystifier, por exemplo, é uma banda baiana que é abertamente antifascista. Quando fiz minha pesquisa, essas posições estavam presentes, mas não eram tão candentes. No contexto atual do Brasil, faz sentido que um grupo de fãs de heavy metal questionem a presença [de uma banda como o Mayhem]."
Judz concorda, e afirma que não há sentido em condenar todo um subgênero pela posição de algumas bandas. "Não concordo em nenhum momento na estigmatização do black metal, ou de seus fãs", diz. "Nossa questão foi apenas lutar contra a normalização do nazismo e fascismo. Nós, como sociedade, não vamos aceitar isso."
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ENTENDA AS DIFERENÇAS ENTRE OS TIPOS DE METAL
Heavy metal
A origem de tudo. Solos de guitarra e vocais em falsete. Letras sobre ocultismo e ficção científica. Calça justa e colete de couro.
Bandas: Black Sabbath, Iron Maiden, Judas Priest
Thrash metal
Heavy metal acelerado, de vocais sérios. Letras sobre destruição, inferno e Guerra Fria. Calça jeans, camiseta preta e boné.
Bandas: Megadeth, Slayer, Metallica, Sepultura
Death metal
Derivado veloz do thrash metal. Letras sobre morte, dor e sofrimento. Vocais guturais ou gritados. Crucifixo invertido pendurado no pescoço.
Bandas: Cannibal Corpse, Celtic Frost, Death, Morbid Angel
Black metal
Bateria hiperveloz, vocais gritados e ininteligíveis, gravação precária. Letras sobre Satanás e, em alguns casos, nazismo e supremacia branca.
Bandas: Marduk, Mayhem, Darkthrone, Bathory
Grindcore
Semelhante ao death metal, porém com influências do punk e do industrial. Letras com crítica social. Bermuda e camiseta de banda.
Bandas: Napalm Death, Carcass, Pig Destroyer
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